Reflexão sobre Amor, Morte + Robôs: Parte VI (3ª Temporada)

Reflexão sobre Amor, Morte + Robôs: Parte VI (3ª Temporada)

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série animada Amor, Morte + Robôs (mais conhecida como Love, Death + Robots). Essa é uma série animada em forma de curtas-metragens que fala sobre robôs, morte e/ou amor. Essa é a reflexão final sobre a 3ª temporada da série. Se quiserem, podem ler primeiro a reflexão sobre a 1ª temporada (Parte IParte II e Parte III) e as reflexões sobre a 3ª temporada (Parte IV e Parte V). Teremos spoilers de todos os episódios! Vamos lá!

Sobre Amor, Morte + Robôs

Em 2019, estreou a série Amor, Morte + Robôs (mais conhecida como Love, Death + Robots) na Netflix. 

Essa antologia de curtas-metragens animados, criados por diferentes estúdios, traz em sua temática ao menos um dos temas apresentados no título da série: Amor, Morte ou Robôs. Às vezes, mais de um desses temas aparecem juntos!

A terceira temporada (base desse artigo) foi lançada em 2022.

Link para a série na Netflix: Amor, Morte + Robôs.

Reflexão sobre Amor, Morte + Robôs

 (COM Spoilers)

Ratos de Mason (Mason’s Rats): Rato também é gente!

Mason é um fazendeiro que está com problemas: ratos super evoluídos em seu celeiro. Ele contrata uma empresa especializada que utiliza um sistema de ponta no extermínio dos ratos. Porém, a crueldade na forma como o drone elimina os ratos somado à coragem e “humanidade” dos ratos faz com que Mason se junte aos roedores, criando amizade com eles e derrotando o drone assassino.

Temos duas formas de interpretar essa animação, que leva a reflexões diferentes: ou essa é uma alusão ao respeito aos animais ou é uma alusão ao nazismo.

Com relação ao respeito aos animais, fica claro que, inicialmente, Mason desprezava os ratos que viviam em seu celeiro. Eles eram bichos que comiam seus grãos, lhe dando prejuízo. Em outras palavras, uma praga.

Mason tinha uma gata para caçar esses ratos, mas quando viu que eles tinham evoluído, pediu ajuda profissional. Ou seja, ele partiu para meios mais agressivos para se livrar do seu problema.

Nesse contexto, é bem interessante a fala darwiniana do vendedor, que aponta uma evolução da natureza para lidar com a ofensiva dos humanos. Isso nos leva a pensar sobre quem de fato é a praga: será o rato que está comendo os grãos do Mason, ou os seres humanos que destroem florestas e outras áreas naturais para fazer suas enormes monoculturas? Será que foi o rato que invadiu a área do ser humano ou o ser humano que invadiu a área do rato?

De qualquer forma, Mason não estava se importando muito com o extermínio dos ratos até seu drone começar a fazer o serviço com requintes de crueldade. Atirar no rato é uma coisa, mas metralhá-lo até sobrar só a cabeça já foi demais para o velho… especialmente porque a máquina fez isso na frente dos demais parentes ratos da vítima.

Esse exagero fez com que Mason fosse ver o que estava acontecendo e observasse o ambiente de guerra em que se tornou o celeiro. Ademais, verificou uma máquina “sem vida” matando vários seres vivos que lutavam pela sua sobrevivência, todos com ferramentas, apetrechos e algumas peças de vestuário que lhes davam uma certa aura de humanidade.

Isso “virou a chave” do velho, que se pôs a defender os ratos. Primeiro, destruindo o drone. Depois, confraternizando com os roedores.

A grande questão aqui é perceber que os animais, mesmo os “inferiores”, não são seres totalmente alheios a qualquer sentimento ou emoção. Foi exatamente ao ver traços antes considerados só nos humanos e animais superiores, que Mason resolveu mudar de ideia.

O episódio pode ser visto como um apelo ao respeito aos animais inferiores. Se não puder lhes poupar a vida, que pelo menos essa vida seja tirada de modo a não infligir dor.

A outra forma de interpretar esse episódio é fazendo um paralelo ao nazismo, pois é sabido que a propaganda nazista retratava os judeus como ratos. E a referência não era só estética porque também lhes mostravam como bichos sujos, transmissores de doenças e que “roubavam” a comida, a terra e o dinheiro dos alemães arianos.

Mason pode ser interpretado como o cidadão médio alemão, que aceitou essa intepretação e deixou os “profissionais” (partido nazista) lidarem com a praga. É muito interessante o slogan do primeiro produto, que diz “atirar e esquecer”, fazendo uma alusão ao fato dos alemães ignorarem conscientemente o que ocorria nos campos de concentração, fingindo que nada de errado estava acontecendo ou, no mínimo, não se importando em querer saber o que estava acontecendo.

O uso do drone pode ser associado ao momento em que começam os extermínios dos judeus e demais minorias. Agora, já não tem tanta desculpa de tirar o problema da vista, é literalmente exterminar a “praga”. Nesse momento, parece que mais alemães começaram a perceber que as atitudes nazistas estavam fora de propósito. E o apoio ao partido nazista começa a diminuir. E até mesmo soldados e oficiais nazistas começam a questionar suas ordens.

Dessa forma, essa animação também nos exorta ao cuidado para não cometermos novamente o erro de olhar outros seres humanos como uma raça inferior, desprezando-a. É muito fácil ter pensamentos preconceituosos e xenofóbicos quando a nossa vida não está bem porque queremos achar um culpado por nossos problemas e é mais fácil culpar o outro, o estrangeiro, do que o nosso governo e o nosso próprio povo.

Sepultados na Caverna (In Vaulted Halls Entombed): Deus está morto?

Um grupo de soldados adentram uma formação rochosa com a missão de liberar um refém capturado por rebeldes. Lá, eles encontram tanto o refém quanto os rebeldes mortos. Descobrem que o motivo são pequenos monstros em formato de aranha, que também os atacam. O grupo de soldados é praticamente dizimado, sobrando apenas dois, que fogem até uma construção parecida como uma prisão. Nessa prisão, está acorrentado um ser ancestral que pedia por libertação. Esse ser começa a controlar os soldados até que um mata o outro e, depois, o sobrevivente corta seus próprios ouvidos e olhos para não ceder aos pedidos da criatura.

Esse episódio faz referência ao universo de terror cósmico de H.P. Lovecraft, que tem como maior monstro o ser alienígena ancestral, conhecido como um deus antigo, de nome Cthulhu.

O mais interessante a se refletir foi que a personagem principal, que no final encontrou o deus antigo e preferiu se automutilar para não ser tentada, disse ao seu companheiro que rezava: “Deus está morto” (a famosa frase de Nietzsche).

Dessa relação, podemos tirar duas conclusões: uma ironia e uma constatação.

A ironia está no fato de que existe sim um ser cósmico o qual, para os padrões humanos, pode ser considerado um deus. Logo, a soldado teve que lidar da pior forma possível com seu ateísmo: a constatação de que estava errada. Ela negligenciou o sobrenatural e pagou caro por isso.

A constatação está no fato de que Nietzsche se refere, na sua passagem, ao Deus cristão, que é um Deus (em certa medida) bondoso. Logo, ela afirmou e constatou que os seres humanos estão abandonados a sua própria sorte com a existência de seres alienígenas malignos dispostos a matar toda a espécie humana e não existe esse Deus bonzinho que prometeu nos proteger do mal. A existência de Cthulhu provaria que Deus está realmente morto (ou nunca existiu).

Infelizmente, o dilema apresentado pela animação é um dilema que irá nos afligir durante toda a nossa vida: será que realmente existe um Deus bondoso que nos protege e nos preparou um descanso eterno se formos bonzinhos? Ou tudo isso é mentira e, se existir alguma coisa sobre-humana, não quererá o bem da humanidade?

Fazendeiro (Jibaro): Surdos para a Voz da Natureza

Um grupo de exploradores cavalga por uma floresta, quando são “atacados” por uma sereia cujo corpo era adornado por ouro e outras preciosidades. Seu canto leva todo o grupo ao suicídio, exceto um soldado surdo. A sereia se encanta por aquele ser e se aproxima dele. Daquilo que poderia ser uma relação de amor, se torna violência. O soldado nocauteia a sereia e lhe arranca todos os metais preciosos, deixando-a para morrer. Porém, um milagre acontece: o soldado surdo volta a ouvir e a sereia volta a viver. Ela usa do seu poder para matar o soldado que a maltratou.

Interpreto essa animação como uma alusão ao desbravamento e consequente destruição da natureza pelo ser humano. Como o episódio se passa em Porto Rico, podemos ainda fazer uma crítica à colonização europeia nas terras virgens da América, que foi saqueada de suas riquezas naturais e minerais pela ganância do “homem branco”.

A grande reflexão que faço está na surdez do ser humano à natureza. Entenda: todos que ouviram o canto da sereia, que pode ser entendido como o lamento da natureza, sofreram a morte. Essa morte pode ser entendida de forma metafórica, no sentido de que “caíram na real” e perceberam que suas atitudes estão destruindo tudo.

Por outro lado, o soldado surdo não entendeu esse lamento e, mesmo assustado em um primeiro momento, continuou na sua ganância assim que pôde. Porém, um milagre fez com que ele começasse a ouvir o lamento da natureza, ouvir como suas atitudes estavam destruindo aquilo que era tão belo. E ele acabou também sucumbindo.

Desde a modernidade, o ser humano se considera um ser superior à natureza, com poder para subjugá-la, destruí-la, manipulá-la. Esse excesso de confiança fez e ainda faz com que não tenhamos cuidado com a natureza. Nós não a ouvimos, não entendemos que estamos maltratando-a, destruindo-a, não estamos nos importando com ela. Isso é estar surdo à natureza.

Porém, quando repentinamente nossos ouvidos se abrem, vem a “loucura”. Na vida real, isso pode ser representado por um tsunami, deslizamento de terra, furacão: manifestações naturais que muitas vezes estão ligadas ao modo como os seres humanos criaram desequilíbrios naturais. É só nessa hora que muitos se dão conta do impacto que foi causado a não se buscar um equilíbrio no ecossistema.

Outro ponto interessante é o fato da sereia querer se aproximar do soldado e acabar machucando-o. A natureza não é boa nem má. Ela não possui moralidade. Dessa forma, sua ação é neutra. Muitas vezes, queremos justificar nossas atitudes conscientes culpando a natureza por fazer algo “contra” os seres humanos, mas isso não existe. A natureza não “se vinga” nem nos ataca, ela simplesmente age na sua programação natural. Às vezes, isso pode ser algo bom para nós, como nos dar um fruto saboroso ou chover na hora certa, ou ruim para nós, como um fruto insosso ou chover na hora errada. 

A grande questão é que não podemos culpá-la como se ela tivesse consciência. Apenas podemos pensar que, no seu movimento natural, a natureza pode querer uma integração com o ser humano, apesar de, às vezes, essa integração não ser do jeito que quereríamos. 

Reflexão sobre Amor, Morte + Robôs: Conclusão

Chegamos ao fim da sexta parte dessa reflexão sobre Amor, Morte + Robôs. Analisamos, agora, os últimos três episódios da terceira temporada. Espero que tenham gostado desse conjunto de reflexões sobre essa série animada.

E aí? Curtiu essa reflexão sobre Amor, Morte + Robôs? Compartilha! Tem algo a acrescentar a essa reflexão sobre Amor, Morte + Robôs? Comenta! Alguma sugestão para outras reflexões? Entra em contato!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.