A Tripartição da Alma Descomplicada

A Tripartição da Alma Descomplicada: Antropologia de Platão

Olá, marujos! Hoje mostraremos que o conceito de tripartição da alma pode ser entendida de forma descomplicada. Esse foi um conceito desenvolvido pelo filósofo Platão na Grécia antiga e a base da sua antropologia (ou psicologia, como alguns preferem falar). Vamos entender primeiro a relação entre corpo e alma para Platão, depois a sua teoria da tripartição da alma e por último uma explicação descomplicada. Vamos lá!

A relação de corpo e alma em Platão

Eu já fiz um resumo sobre quem foi Platão em um artigo antigo. Então, se estiver curioso para conhecer um pouco mais sobre esse filósofo, pode acessar esse artigo aqui.

Platão interpretou o ser humano como uma dualidade, um ser que possui corpo e alma. Essas duas instâncias são reais, sendo que o corpo nos é acessível pelos nossos sentidos e a alma pelo nosso intelecto. O corpo é o responsável por nos permitir captar aquilo que é transitório, aquilo que muda, sendo ele mesmo transitório (morre). Já a alma é a responsável por nos permitir captar aquilo que não é transitório, aquilo que é imutável, sendo ela mesma eterna.

Para ilustrar essa diferença, pense o seguinte: nossos olhos olham e julgam uma pessoa como bela, um animal como belo, uma obra de arte como bela, uma ação como bela. Tudo isso é belo, apesar das características que nos dão essa beleza serem extremamente diferentes. Essa seria a instância corpórea agindo. A instância psicológica, onde atua o intelecto, seria a responsável por compreender a ideia de beleza e julgar se ela se aplica aos objetos observados pelos olhos. Isso ficará ainda mais claro quando vocês lerem o artigo “A teoria das ideias descomplicada“.

A Tripartição da Alma em Platão

Considerações Primárias

Primeiramente, é preciso notar que o termo original grego para alma é psykhé. Logo, podemos perceber que o conceito de alma platônica não é o mesmo que alma nas religiões. Platão está querendo entender as dimensões reais do ser humano de forma filosófica e não religiosa. É por isso que muitos chamam atualmente essa área de estudo de psicologia de Platão.

Platão, após identificar que o ser humano possui uma instância psicológica independente da sua instância corpórea, busca entendê-la. Para ele, o corpo sem alma é apenas uma casca vazia (corpo morto). Por isso, todas as funções do corpo só são ativadas pela alma. Quando o corpo morre, a alma se desliga desse corpo e volta para o mundo das ideias até a próxima reencarnação. Lembremos que a alma platônica é eterna.

Platão acreditava que a alma, enquanto encarnada, assumia funções no corpo humano. Algumas funções só fazem sentido enquanto encarnada e outras continuariam mesmo após a morte do corpo. É por esse motivo que existe uma polêmica no conceito de tripartição da alma.

Alguns intérpretes de Platão acreditam que a alma literalmente se dividia em três partes, cada parte fazendo sua função. Enquanto o corpo estivesse vivo, as três partes estariam vivas. Quando o corpo morria, as partes que se ocupavam das funções específicas do corpo morriam juntas com ele; e a parte que se ocupava da função não corpórea permanecia (já que é eterna). O problema dessa teoria e entender como se daria essa divisão literal sem que isso afetasse o todo da alma.

Outros intérpretes, e aqui eu me incluo, acreditam que é uma alma só que se dividia em três funções, sendo duas temporárias (enquanto encarnada) e uma permanente (tanto enquanto encarnada, quanto desencarnada). O local de atuação das partes não seria literal, mas simbólico. Por isso, desenvolverei a teoria baseando-me nessa interpretação.

Conceito

Para Platão, quanto a alma está encarnada no corpo, ela assume a função de mantê-lo vivo e atuante. A tripartição da alma seria na verdade a tripartição das funções da alma enquanto encarnada.

A primeira parte/função seria a concupiscível ou apetitiva. Essa parte estaria localizada na região do baixo-ventre (estômago e órgão sexual) e seria responsável por garantir que o corpo se mantivesse nutrido, hidratado e com vontade de reproduzir. Ela seria a responsável em estimular o corpo (desejo) e saciá-lo (prazer), condições necessárias para que o corpo visse necessidade em querer essas coisas. Essa é uma função que só faz sentido enquanto o corpo está vivo.

A segunda parte/função seria a irascível. Essa parte estaria localizada na região do tórax, mas especificamente no coração, e seria responsável por garantir que o corpo se mantivesse protegido. Ela seria a responsável por estimular o corpo a se defender ou fugir, em casos de perigo. Essa também é uma função que só faz sentido enquanto o corpo está vivo.

A terceira parte/função seria a racional. Essa parte estaria localizada na cabeça e seria responsável pela racionalidade do corpo. Ela seria responsável por dar o entendimento, a razão, o pensamento, o intelecto do corpo. Essa função persistiria após a morte do corpo e seria a dimensão propriamente eterna.

A Tripartição da Alma Descomplicada

A principal questão filosófica de Platão sempre foi entender o que é a verdade e, consequentemente, como que o ser humano é capaz de ver diferentes coisas e fazer associações entre elas. Para isso, ele criou a sua Teoria das Ideias. A forma como ele ligou a sua Teoria das Ideias com o ser humano foi através da sua Teoria da Tripartição da Alma.

Para ele, a alma vem do mundo das ideias e se junta ao corpo, que está no mundo sensível. O corpo só sente as coisas sensíveis; já a alma garante a compreensão das ideias, das coisas inteligíveis.

Pelo corpo ter apenas a função de casca, de receptáculo, Platão defendeu que a alma é quem garante o funcionamento desse corpo. Logo, ela “faz” tudo, desde as funções básicas até as funções mais complexas.

A parte/função concupiscível ou apetitiva nada mais é que a justificativa para o nosso desejo de se alimentar, de beber e de fazer sexo. O prazer que isso nos dá também seria função da alma e extremamente necessário porque, se não fosse prazeroso, nós não faríamos isso. Como exemplo, é só pensar a dificuldade que temos em comer ou beber algo que não agrada ao nosso paladar. É terrível! Só que na maioria das vezes comemos e bebemos coisas que gostamos, e esse gostar, segundo Platão é uma função da alma no corpo.

A parte/função irascível justifica nosso instinto de autopreservação. Nosso ímpeto de lutar para nos proteger ou fugir e se esconder em uma situação de perigo é um estímulo dado ao nosso corpo pela alma irascível. Como exemplo, é só pensar nas vezes em que agimos sem pensar, apenas reagindo a alguma situação que nos colocaria em perigo. Poderia ser os golpes que damos em uma briga ou mesmo um abaixar-se se começássemos a escutar tiros.

A parte/função racional justifica nosso raciocínio, nosso intelecto, nossa capacidade de pensar. Todo o conhecimento que o ser humano produziria viria da alma racional, que traria essas informações do mundo das ideias, para ser aplicado no mundo sensível (onde ela está momentaneamente, junto do corpo). Como exemplo, é só pensar! Isso mesmo, ao estar pensando, lendo esse texto, entendendo esse conteúdo, você está utilizando a sua alma racional. As associações que eu fiz para preparar esse texto, não vieram do meu corpo, e sim da alma racional. As ideias que você está tendo agora, pensando nas coisas que já vivenciou, as associações que você está criando nesse momento são frutos da sua alma racional trabalhando.

A Tripartição da Alma Descomplicada: Conclusão

A alma, para Platão, também deve ser entendida como vida. O corpo sem vida é o corpo sem alma. Ou, um corpo sem alma é um corpo sem vida. Por isso, a alma justificaria todas as ações do corpo humano. Quando o corpo morre, não se percebe nenhuma mudança física imediata. A teoria da alma serve para justificar exatamente essa ausência que não é sensível, não é sentida pelos nossos sentidos. Sabe-se que algo mudou, algo que estava de um jeito não está mais, e esse algo para Platão seria a alma que foi embora.

Aprofundando o Assunto

Caso queiram se aprofundar no tema desse artigo, deixo uma sugestão de livros (extraídos da lista do Contra os Acadêmicos):

A República (Platão)

A alma como centro do filosofar de Platão (Delmar Cardoso)

Psicologia, ética e política – A tripartição da “psykhé” na “República” de Platão (Maria Dulce Reis)

A psicologia de Platão (Thomas M. Robinson)

E aí? Ainda ficou alguma dúvida sobre a teoria da tripartição da alma segundo Platão? Deixa aí nos comentários para esclarecermos. Conseguiu esclarecer suas dúvidas? Compartilha esse artigo sobre a tripartição da alma descomplicada para ajudar outras pessoas a entenderem também. Quer sugerir algum tema para essa sessão? Pode enviar através do formulário de contato.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.