Ação Comunicativa Descomplicada: Filosofia Política de Habermas

Ação Comunicativa Descomplicada: Filosofia Política de Habermas

Olá, marujos! Hoje, explicaremos a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas de uma forma descomplicada. Após apresentar o filósofo, mostraremos os problemas sociais que motivaram sua pesquisa. Depois, explicaremos diversos conceitos elaborados pelo filósofo para compreender como são e como deveriam ser as relações sociais: razão comunicativa, mundo da vida, sistema, e colonização do mundo da vida. Darei exemplos reais e hipotéticos para ajudar a compreensão. Vamos lá!

Sobre o Filósofo

Jürgen Habermas nasceu na cidade de Düsseldorf, Alemanha em 18 de junho de 1929. É um filósofo e sociólogo pertencente ao grupo chamado Escola de Frankfurt. Habermas se destaca por ter uma visão “interparadigmática”, incorporando e superando teorias de diferentes filósofos e sociólogos de diversas escolas de pensamento.

Já aposentado do cargo de professor universitário, ainda produz reflexões importantes para tentar compreender a sociedade contemporânea e buscar soluções para os seus dilemas.

Atualmente, pesquisa o cosmopolitismo político no âmbito da União Europeia. 

Ação Comunicativa Descomplicada: Problemas da Sociedade Contemporânea

Habermas observa, tal como observou Weber, Adorno e Horkheimer, que a sociedade contemporânea “transformou” o ideal iluminista em uma ideologia de dominação de seres humanos sobre seres humanos, através de uma razão instrumental, que se utiliza da ciência para legitimar seu poder.

Por causa disso, temos uma sociedade “controlada” pelo dinheiro e pelo poder. A economia e a burocracia ditam as regras na sociedade, influenciando todas as decisões tomadas, tanto no âmbito público quanto privado das relações sociais.

O expoente máximo disso seria o modelo de Estado de Bem-Estar Social. Uma forma encontrada pelo capitalismo de lidar com as crises do próprio sistema capitalista. Nesse modelo, o mercado continua livre, permitindo suas desigualdades sociais; porém, o Estado fica intervindo constantemente para diminuir o impacto negativo disso. Para tal, ele precisa burocratizar ainda mais a sociedade para conseguir controlar e contornar os problemas sociais causados.

O problema desse modelo é a transformação de todos os cidadãos em seres genéricos. Leis são criadas de forma abstrata, sem levar em consideração a realidade concreta das pessoas envolvidas.

Por exemplo, a criação e aplicação de leis contra roubos tem dificuldade de punir e responsabilizar corretamente quem rouba um litro de leite do mercado para alimentar os filhos, quem rouba um celular de um pedestre para vender e quem desvia dinheiro público em uma compra superfaturada.

Outro problema é pensar a sociedade através de índices e porcentagens. Dessa forma, fica-se satisfeito quando o índice de mortalidade infantil está em “apenas” 1%, ignorando o fato que dentro desses 1% existem centenas de crianças que perderam suas vidas prematuramente e pais enlutados.

Ação Comunicativa Descomplicada: Teoria do Agir Comunicativo ou Teoria da Ação Comunicativa

Razão Comunicativa

A solução para esse problema começa em uma mudança paradigmática de abandono da razão instrumental (já criticada pela Teoria Crítica) e adoção da Razão Comunicativa.

A razão comunicativa visa a intersubjetividade, valorizando a relação sujeito-sujeito como atores sociais que se comunicam utilizando sua linguagem natural, baseando-se em suas visões de mundo e contexto cultural, ambos em um mesmo patamar de importância e igualdade.

Enquanto a razão instrumental busca meios para fins, a razão comunicativa busca o entendimento. Dessa forma, não existiria imposição de vontades, mas o consenso.

Habermas compreende, apoiado em vários teóricos (como Hegel, Marx, Darwin, Nietzsche e Freud), que a razão humana é permeada por vários elementos exteriores e interiores que moldam nossa compreensão da realidade. Por causa disso, não se pode mais pensar em uma razão objetiva, que consegue sozinha chegar às respostas sobre os problemas da vida de forma universal (respostas que servem para todas as pessoas de todos os lugares e épocas).

Logo, a razão humana precisa “trocar informações” com outras razões humanas para compreender a sua realidade e compreender que a sua compreensão de realidade não é a mesma da outra pessoa.

Ação Comunicativa vs. Ação Estratégica

Imaginem, por exemplo, a relação entre um pai e um filho adolescente sobre o tempo deste nas redes sociais.

Em uma situação “normal”, o pai vai impor sua autoridade sobre o filho, limitando o tempo de uso àquilo que o pai acha aceitável porque ele se valeu da ação estratégica, ou seja, se utilizou do seu poder para alcançar seu objetivo. Nesse caso, o pai ignorou as necessidades do filho mesmo fazendo o que acha ser o melhor.

Por outro lado, Habermas defenderia uma ação comunicativa, que consistiria em um diálogo entre pai e filho, onde o pai apresentaria suas preocupações pelo uso excessivo do celular e o filho apresentaria suas necessidades de constante comunicação com seus amigos. Nesse ambiente, ambos poderia mostrar suas visões de mundo sobre esse tema, cada um colocando suas dores e, juntos, buscariam um consenso, que respeitaria tanto um limite para o uso do aparelho quanto permitiria que o jovem continuasse engajado com seus amigos.

Ação Comunicativa Descomplicada: Mundo da Vida

Habermas chamará de Mundo da Vida o ambiente onde ocorrem as ações comunicativas. Esse ambiente é o pano de fundo, o contexto em que os agentes comunicativos vivem e interagem. É a cultura compartilhada entre aqueles que estão dialogando. Seria o mundo cotidiano em que vivem os sujeitos da fala e que é algo implícito para eles, não fazendo parte da discussão.

No exemplo anterior, do pai com o filho, podemos pensar que se trata de uma sociedade capitalista, uma família de classe média alta, cujo garoto estuda em uma escola particular rigorosíssima e possui um iPhone 15 com plano de internet ilimitada. Esse contexto é preconcebido pelo pai e pelo filho e não se discute, por exemplo, se o filho tem condições de acessar a Internet de qualquer lugar ou se ele pode se prejudicar na escola se ficar muito tempo nas redes sociais porque ambas as situações já fazem parte do cotidiano deles e estão pressupostos.

O Mundo da Vida, por sua vez, se subdivide em três componentes:

Cultura: a base de conhecimentos gerais que os atores comunicativos possuem e utilizam (no exemplo, saber o que é um celular, redes sociais, internet, importância da educação);

Sociedade: a ordem legal que legitima a relação social entre os atores comunicativos (no exemplo, a relação pai-filho garantida pela constituição);

Pessoa: a individualidade de cada ator comunicativo (no exemplo, as particularidades do pai e do filho).

Ação Comunicativa Descomplicada: Colonização do Mundo da Vida

Habermas dirá que a evolução das sociedades acabou exigindo demais da ação comunicativa para mediar situações e integrar a sociedade, ao ponto que a ação comunicativa não suportou o excesso de trabalho, sobrecarregou e acabou permitindo a interferência daquilo que o filósofo chama de Sistema.

O Sistema é uma forma de integração do tipo sistêmica, baseada em mecanismos autorregulados que vão além das consciências individuais dos atores sociais. Ele se utiliza da ação estratégica (meios para fins) e seus principais agentes são o Mercado e a Burocracia.

Quando o sistema “se mete” em assuntos que deveriam pertencer exclusivamente ao mundo da vida, surge aquilo que Habermas chama de colonização do mundo da vida. 

No exemplo do pai e filho, o pai pode usar da sua autoridade paterna, garantida pela burocracia (lei) para obrigar o filho a obedecê-lo. Outra “solução” é ameaçá-lo com corte de mesada (Mercado) porque sabe que o filho “depende” do dinheiro para se divertir.

Em ambos os casos, o pai se utiliza de uma solução rápida para o seu problema porque não teria tempo ou disposição para o diálogo e chegar ao consenso necessário.

O dinheiro deveria ficar restrito ao ambiente econômico e o poder ao ambiente político. Porém, eles acabam interferindo no ambiente familiar, que deveria ser exclusivo da ação comunicativa.

Dessa forma, quando se utilizar o Poder ou o Dinheiro para resolver as questões sociais ou se privilegia o Poder ou Dinheiro nas tomadas de decisão, existe uma apropriação do mundo da vida por parte do sistema.

Exemplos Sociais

Na minha cidade (e eu acredito que em todas do Brasil), pagamos uma taxa de iluminação pública. Porém, em muitas ruas interioranas vemos que faltam postes de luz ou se faz necessária a troca de lâmpadas e os moradores não conseguem exigir soluções fáceis, precisando abrir protocolos sem prazo em prefeituras ou companhias de iluminação. Ao mesmo tempo, áreas turísticas e centrais estão sempre iluminadas. Isso mostra como existe um desequilíbrio dentro da sociedade, em que interesses de alguns são atendidos e de outros não.

Novamente na minha cidade, a taxa mínima de água é altíssima, sendo que a maioria das casas não tem sistema de esgoto. O argumento é que o sistema de esgoto existe e está funcionando (mesmo que atendendo uma pequena quantidade de casas) e que existem muitos “gatos” (uso de água desviada). Porém, essa solução só visa o dinheiro para equilibrar as contas da prestação do serviço e ignora a real necessidade de universalizar o tratamento de esgoto e agir contra os desvios. Do jeito que é feito, quem se prejudica é quem é honesto. Para piorar, não se tem a quem recorrer para reclamar e solucionar o problema, já que as autoridades sabem e não fazem nada.

Ação Comunicativa Descomplicada: Solução pela Solidariedade

O caminho para solucionar o problema atualmente estabelecido é a retomada da utilização da ação comunicativa nas questões pertinentes ao mundo da vida.

A solidariedade é vista pelo filósofo como o melhor recurso para satisfazer as necessidades de governo, no lugar do dinheiro e do poder.

Utilizando-se o princípio da solidariedade, as decisões de cunho social serão tomadas com base no diálogo e na reflexão adequada sobre os temas a serem debatidos, tudo isso em um ambiente equilibrado e igualitário, onde ninguém se sente coagido ou pressionado, e pode expor sua opinião sem constrangimentos. 

É na busca pela aplicação dessa solução que Habermas desenvolverá sua Ética do Discurso, um método para se alcançar a aplicação sistemática da ação comunicativa nas questões pertinentes da sociedade.

Conclusão

A Teoria do Agir Comunicativo ou Teoria da Ação Comunicativa busca compreender os problemas decorrentes do egoísmo nas sociedades contemporâneas e encontrar uma solução para eles. Obviamente, a solução não é fácil porque necessita de uma mudança na mentalidade dos seres humanos, para deixarem de pensar só em si e começarem a pensar coletivamente, visando uma solução que possa beneficiar todos e não só alguns. Conseguiremos chegar nisso em algum momento? Só depende de nós mesmos.

E aí? Gostou dessa explicação descomplicada sobre a Ação Comunicativa? Compartilha! Quer um artigo descomplicado sobre outra teoria de Habermas? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Alguma parte ficou confusa ou gostaria de complementar a explicação? Comenta!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

PINTO, José Marcelino de Rezende. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia (ribeirão Preto), (8-9), 77–96. 1995. https://doi.org/10.1590/S0103-863X1995000100007.

WIKIPÉDIA. Verbetes Ação Comunicativa e Jürgen Habermas.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.