Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Teoria e Método de Marx e Engels

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Teoria e Método de Marx e Engels

Olá, marujos! Hoje, explicarei o Materialismo Histórico-Dialético de Marx e Engels de um jeito descomplicado. Após uma breve apresentação dos filósofos, começarei desenvolvendo cada termo contido no nome desse pensamento (apontando, inclusive, a que conceitos esse pensamento se opõe para justificar sua existência). Por fim, mostrarei porque esse conceito serve tanto como teoria filosófica quanto método científico de análise da sociedade. Darei exemplos da nossa sociedade para ilustrar a visão de Marx e Engels na prática. Vamos lá!

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Sobre Marx e Engels

Karl Marx e Friedrich Engels são dois filósofos prussianos (atualmente parte da Alemanha) do final do chamado período da filosofia moderna. Ele se conheceram pessoalmente em 1842 e mantiveram um permanente vínculo de amizade e colaboração científico-filosófica.

Engels era uma família com dinheiro, mas que se revoltou com a forma como os operários das fábricas da família eram tratados e resolveu estudar e apontar esses problemas. Marx conheceu os males sofridos pela classe operária quando começou a estudar as relações de trabalho capitalista para escrever nos jornais que trabalhava.

Ambos ficaram famosos por suas teorias revolucionárias, que propunham o fim do capitalismo como único meio para se chegar a uma sociedade justa e igual.

Suas ideias persistem até hoje, de diferentes modos e interpretações, gerando o movimento filosófico e político conhecido como marxismo.

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Entendendo o Termo “Materialismo”

Marx e Engels compreendem a realidade como algo totalmente material.

Dizer que a realidade é totalmente material significa tirar qualquer existência e envolvimento do sobrenatural na origem e funcionamento da realidade. Logo, toda a realidade natural funcionaria segundo leis naturais.

A realidade social também seria material porque o desenvolvimento da sociedade se daria por motivos materiais, quais sejam: busca por alimentos, vestuário, moradia (ou seja, meios de sobrevivência).

O termo materialismo foi empregado por Marx e Engels para se opor ao idealismo estabelecido por Hegel (pensamento predominante como forma de enxergar a realidade naquela época). Enquanto Hegel e seus seguidores defendiam a noção que a evolução material da sociedade se dava após uma evolução das ideias e dos pensamentos dos seres humanos, Marx e Engels defendiam que primeiramente existia uma evolução material da sociedade e só depois surgiam ideias e pensamentos nos seres humanos que acolhiam e justificavam aquela evolução material.

Exemplificando:

a) Abolição da Escravidão no Brasil

O idealismo de Hegel justificaria que a abolição da escravidão no Brasil (ou seja, a promulgação das leis, a libertação dos escravos, a mudança no modo como a economia funcionava) começou com ideias dos seres humanos de que a escravidão era algo errado, que todos os seres humanos possuem igual dignidade, que uma economia não pode se basear na propriedade de pessoas como se fossem animais.

Já o materialismo de Marx e Engels vai dizer que o pensamento abolicionista só começou a surgir porque a relação de produção estabelecida entre os donos de escravos e escravos já não estava se sustentando porque a compra dos escravos estava difícil e cara, porque existia uma demanda de produção e comércio que precisava do trabalhador como consumidor (logo, ganhando um salário).

Ou seja, segundo a lógica do materialismo histórico-dialético, a libertação dos escravos no Brasil só ocorreu porque as condições econômicas (em outras palavras, materiais) exigiu que o escravo se tornasse um trabalhador assalariado. Dessa exigência material, veio o pensamento ideológico de que o escravo é um ser humano que merecia liberdade.

Se as condições de produção econômicas não tivessem mudado no Brasil e no mundo, a escravidão continuaria porque os seres humanos no poder brasileiro não iriam mudar a forma como enxergavam a “humanidade” dos escravos.

b) Mudança no Ideal de Beleza da Indústria da Moda Feminina

Muito se fala hoje que as empresas do ramo da moda feminina ouviram o clamor da sociedade de que era inaceitável continuar a imposição de modelos ideais de corpos (normalmente magros, brancos, lisos e sem marcas ou manchas) e começaram a criar produtos e campanhas com diversidade estética, que aceitavam todos os tipos de corpos femininos. Essa é uma visão ideologizada porque sustenta que primeiro veio o pensamento “todos os corpos femininos são perfeitos” e só depois veio a prática econômica “vamos criar produtos para todos os corpos e campanhas publicitárias mostrando todos os corpos”.

Por outro lado, uma visão materialista histórico-dialética dirá que a mudança no pensamento da sociedade de que “todos os corpos femininos são perfeitos” só começou porque a indústria da moda feminina conseguiu alcançar um momento na produção de roupas que dava para criar peças para todos os tipos de corpo e manter equilibrado seu estoque e crescimento de venda.

Ou seja, o pensamento de que existe um corpo ideal surge porque a indústria da época não dava conta de fazer peças muito variadas em tamanho e estilo e, por isso, criou a ideia do corpo perfeito para obrigar as mulheres a se adequarem a isso e não reclamarem se as roupas existentes não serviam nelas. Agora que a tecnologia de fabricação de roupas permite produzir em quantidade uma grande variedade de tamanhos e estilos de roupa, a indústria “permitiu” que a sociedade pensasse o absurdo do corpo ideal e começasse a consumir roupas de diferentes tamanhos e formas.

Logo, se não tivesse mudado a economia por trás da fabricação de roupas femininas, não teria mudado o pensamento sobre a existência ou não de um corpo feminino ideal.

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Entendendo o Termo “Histórico”

Marx e Engels acreditavam que a História avança (no sentido de ir para frente) conforme mudam as relações econômicas das sociedades porque elas modificam a forma como os seres humanos (entendidos como seres sociais) se relacionam entre si e produzem seus conjuntos de ideias (visões filosóficas, científicas, religiosas, artísticas e jurídicas).

Dessa forma, quando Marx e Engels chama seu pensamento de materialismo histórico, estão querendo dizer que o materialismo da realidade social (já analisado anteriormente) se manifesta de diferentes modos ao longo da história conforme se modificam as relações de produção das sociedades.

A história é algo que só existe para os seres humanos e, por isso, essa parte da análise se refere apenas às sociedades. Assim como o ser humano é um ser social, ele também é um ser histórico. Não existe uma primordialidade de uma dessas classificações sobre a outra, sendo as duas manifestas ao mesmo tempo e se afetando simultaneamente.

Um indivíduo de uma determinada sociedade pensa e age hoje conforme pensa e age a sociedade em que ele está hoje. Se, ao longo de sua vida, as condições materiais dessa sociedade mudarem, a sociedade também mudará sua forma de pensar sua existência, a história da humanidade mudará e o indivíduo dessa sociedade mudará também, refletindo em seus atos essas mudanças sociais e históricas.

Exemplificando:

Quem possui mais de 30 anos tem acompanhado as mudanças tecnológicas, digitais e virtuais que a sociedade vem sofrendo e como isso mudou a forma como pensamos o futuro, o trabalho e nossa existência.

Quando crianças, a visão de futuro da classe média era entrar na faculdade o mais rápido possível para obter uma formação superior. Arranjar um emprego no qual você ficaria até o fim da sua vida (de preferência, público). Com essa estabilidade, você poderia casar aos vinte e poucos anos e ter de um a três filhos.

Uma criança de família pobre poderia ter uma visão um pouco diferente, pensando em arranjar um emprego assim que acabasse o ensino médio para ajudar os pais nas contas de casa e juntar seu “dinheirinho” até que conhecesse alguém para casar e construir sua nova família.

Porém, o custo para manter um mesmo funcionário por 30-40 anos foi ficando caro para as empresas (que via mais vantagem em contratar um funcionário novo, recém-formado por um salário mais baixo). Tecnologias foram surgindo e acabando com postos de trabalho muito mecânicos (normalmente ocupados por essa classe de trabalhadores pobres sem qualificação técnica).

Essas mudanças nas relações de trabalho geraram o boom de pensamento empreendedorista (seja seu próprio patrão, controle seu tempo de trabalho) e digital influencer (ganhe dinheiro entretendo as outras pessoas virtualmente). Permitiu “aceitar” que as pessoas não se casassem mais ou não tivessem mais filhos.

Percebam que agora já não precisamos de muitos trabalhadores sem qualificação e, por isso, não precisamos mais que a classe operária se reproduza tanto. Além disso, muitos trabalhos técnicos já estão sendo executados ou replicados por robôs e, por isso, uma visão de “em que trabalhar” acaba se voltando para algo menos formal (que exigisse cursos específicos) e se direcionam para algo mais informal (como entretenimento).

Essa instabilidade profissional também traz uma instabilidade de vida, muitas vezes mascarada de liberdade: seja livre para ser o que você quer ser quando quiser e onde quiser. Na verdade, a pessoa não é verdadeiramente livre porque ela não escolhe essa série de mudanças porque quer, mas porque ela precisa ficar migrando de postos em postos de trabalho para conseguir se sustentar (obrigando-a a mudar de casa, cidade, estado ou até país).

A instabilidade profissional também traz uma instabilidade emocional e, por isso, temos duas gerações doentes pela depressão e ansiedade tentando sobreviver nessa sociedade em que você nunca sabe o que lhe pode acontecer amanhã!

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Entendendo o Termo “Dialético”

A dialética trazida por Marx e Engels é uma reinterpretação da dialética hegeliana com uma inspiração na dialética grega clássica sendo uma oposição à metafísica tradicional. Mas calma que explico tudo isso:

A dialética de Hegel defende que as ideias avançam através de um confronto entre tese (aquilo que está posto) e antítese (um pensamento contrário aquilo que está posto). Desse confronto entre ideias, surge uma terceira que ele chama de síntese (que é uma ideia nova, que se inspira mas supera a tese e a antítese). Essa síntese se torna a nova tese e o processo recomeça.

A dialética grega acreditava que os conceitos se elaboravam após uma disputa dialógica de ideias (um debate de ideias) em que se buscava encontrar as contradições contidas na definição original do conceito como forma de purificá-lo e refiná-lo a tal ponto que se alcançaria a perfeição.

O problema dessas duas visões, segundo Marx e Engels, é que ela se apoia em uma visão metafísica da realidade. Uma visão metafísica para eles significa que os conceitos e ideias elaborados são fixos e universais. Logo, para cada coisa na realidade só existiria um conceito fixo sobre o que é aquilo. Mudanças histórico-sociais não seriam capazes de mudar o conceito. O que é é daquele jeito e ponto final.

A posição de Marx e Engels é que a realidade avança através de constantes embates entre classes opostas, visões contrárias, mas não só isso. Toda tese teria a sua antítese tanto externa (uma ideia contrária) quanto interna (uma contradição conceitual dentro da própria tese). Esse choque geraria uma mudança que formaria a síntese.

Outro pensamento dos nossos filósofos é que o avanço dialético se dá em forma de espiral e não em círculo ou linearmente. Sendo assim, um fenômeno social permanece vigorando por um tempo até que ela não se sustenta mais e começam a surgir contradições nele que provocam o surgimento de críticas e novas opiniões. Existirá um momento de choque até a mudança ocorrer e se estabelecer um novo fenômeno social.

Toda essa mudança na realidade se reflete em um novo conceito sobre determinado ponto da realidade. Se, antes, algo era entendido de um jeito, se esse algo passou pelo processo dialético, ele mudará de entendimento. Em outras palavras, o conceito para Marx e Engels não é fixo. Ao contrário, ele está em constante mudança.

Exemplificando:

a) Surgimento do Feudalismo Europeu

O pensamento feudal na Europa vigorou enquanto os artesãos tinham uma produção familiar e pequena, o que gerava pouca mercadoria para se criar um comércio muito aquecido. Impossibilitados de ganhar muito dinheiro, a classe burguesa ainda dependia da proteção dos reis. Porém, conforme foram se desenvolvendo as manufaturas, mais produtos se tinha, mais comércio ocorria, mas dinheiro a burguesia ganhava, e mais ela queria vender. Para isso, ela precisava que a classe vassala tivesse melhores ganhos para consumir seus produtos. Ao mesmo tempo, a classe vassala não queria mais ser tão explorada na produção agrícola, vendo possibilidades melhores de ganho nas manufaturas. Além disso, a proteção real foi diminuindo de necessidade já que a burguesia poderia pagar pela sua proteção. Vemos, assim, as condições para surgir o capitalismo.

b) Abandono Escolar

Pensemos, agora, um aluno de escola pública que abandona a escola para ir trabalhar vendendo algo na rua ou na praia. Porque ele fez isso? O materialismo histórico-dialético vai analisar as condições materiais dessa sociedade e ver como é a vida dos alunos das escolas públicas hoje, como é o ensino dado a elas hoje, como é a estrutura escolar hoje, como estão os professores hoje, o que o governo faz ou não pela educação pública hoje, qual a demanda de trabalho na rua/praia para compensar sair da escola hoje, qual a perspectiva de vida de um jovem de escola pública quando termina o estudo básico hoje, dentre outros fatores. Além dessa visão do hoje, também se olha para o ontem e analisa tudo isso que falei para ver como esses fatores têm se desenvolvido, para acompanhar as mudanças positivas ou negativas em cada um desses fatores. Esse estudo mostrará diversos pontos de conflito e contradições que irão servir de fundamento para analisar a realidade concreta e entender o problema real hoje. Com esses resultados, buscar-se-á mudanças hoje para existir um futuro melhor.

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Juntando Tudo

Mesmo que se possa interpretar e compreender individualmente os termos “materialismo”, “histórico” e “dialético”, é importante ter em mente que ambos trabalham juntos no pensamento de Marx e Engels.

Se é possível uma separação teórica, acredito que na prática tenha se demonstrado ser isso impossível. As melhores minhas melhores provas são os vários exemplos que dei até aqui. Se você relê-los agora, perceberá que todos eles possuem elementos materialistas, históricos e dialéticos, sendo impossível ter a intepretação segundo a visão de Marx e Engels sem colocá-los todos juntos e funcionando colaborativamente.

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Uma Teoria ou um Método?

A resposta é: os dois!

O materialismo histórico-dialético começou como uma teoria, ou seja, uma forma de explicar e compreender a realidade. Logo em seguida, os próprios filósofos perceberam que essa forma de entender o mundo também serve como forma de se fazer uma análise científica do mundo.

Sendo assim, o materialismo histórico-dialético dirá que a sociedade é construída sobre bases materialistas (obtenção de meios materiais para sobrevivência), que mudam historicamente conforme mudam as formas de se obter esses meios materiais de sobrevivência e essa mudança ocorre através de um constante conflito entre classes que possuem ou não poder de controle sobre esses meios.

Por causa disso, sabendo que a sociedade evoluiu dessa forma, ao buscar interpretar uma sociedade hoje, é preciso ter tudo isso (materialidade, historicidade e “dialeticidade”) em conta na hora de se fazer uma pesquisa científica social porque a resposta sobre os motivos de algo social ser como é está sobre essa perspectiva. Seguindo esse método de análise científica, se encontraria a verdade de tal realidade social (o porquê da sociedade ser dessa forma e não de outra).

Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Conclusão

O materialismo histórico-dialético está longe de ser uma teoria ou método científico inquestionável. Muito pelo contrário, existem vários filósofos e cientistas que criticam ele. Por outro lado, existe uma série de outros filósofos e cientistas que defendem o materialismo histórico-dialético como forma adequada para se compreender a realidade, ao menos a nossa sociedade capitalista. Fato é que sua aplicação nos desvelam bastantes coisas sobre a sociedade em que vivemos e nos mostra o quão complexa e complicada ela é.

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Materialismo Histórico-Dialético Descomplicado: Referências

CARDOSO, Berta Leni Costa; CARDOSO JÚNIOR, Welton; NUNES, Claudio Pinto. Materialismo histórico-dialético: um diálogo para pesquisa sobre a qualidade de vida. In: Revista Momento – diálogos em educação, Universidade Federal do Rio Grande, v. 31, n. 03, p. 179-200, set./dez., 2022.

DUKA, Marília. Materialismo histórico-dialético. Todo Estudo. Acessado em 08 set. 2023.

MASSON, Gisele. Materialismo histórico e dialético: uma discussão sobre as categorias centrais. In: Práxis Educativa, Universidade Estadual de Ponta Grossa, v.2, n.2, p. 105-114, jul.-dez. 2007.

STÁLIN, Josef Vissariónovitch. Sobre o Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico. Rio de Janeiro: Edições Horizonte, 1945.

WIKIPÉDIA. Verbetes Materialismo históricoMaterialismo dialético.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.