Uma reflexão sobre Mindhunter: A Maldade do Ser Humano

Uma reflexão sobre Mindhunter: A Maldade do Ser Humano

Uma reflexão sobre Mindhunter: A Maldade do Ser Humano

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre a série Mindhunter (caçador de mentes), que teve a segunda temporada recentemente lançada pelo Netflix. Essa série aborda o início da utilização da psicologia criminal pelo FBI e a criação da terminologia serial killer. Ao longo dos episódios das duas primeiras temporadas, poderemos observar um debate sobre a justificação (ou não) da maldade das pessoas. Nessa análise não tem spoilers sobre pontos chaves da série, apenas algumas explicações do que acontece durante a temporada, mas que não estraga o prazer de ver a série. E se você ler essa reflexão antes, poderá até aproveitar mais algumas partes. Vamos lá!

Sobre a série Mindhunter

A série Mindhunter é original da Netflix e inspirada em um livro de mesmo nome. A proposta do livro, que é mantida na série, é acompanhar a história por trás do termo serial killer. Veremos como que a Unidade de Ciência Comportamental do FBI começou a utilizar a psicologia criminal para compreender a mente de pessoas condenadas por múltiplos assassinatos e tentar criar um perfil psicológico desses assassinos na esperança desses perfis ajudarem a polícia na captura de novos assassinos.

Durante a série, acompanhamos o trabalho dos agentes especiais Holden Ford (Jonathan Groff) e Bill Tench (Holt McCallany), que visitam assassinos de múltiplas vítimas presos para entrevistá-los e descobrir padrões, seja em seus históricos familiares, em suas motivações, ou em seus modos de atuação (preparação, escolha das vítimas, forma de assassinato, ocultação de cadáver).

Suas descobertas são processadas e analisadas com o auxílio da professora de psicologia Wendy Carr (Anna Torv), que garante embasamento científico ao processo.

No começo, o grupo começa desacreditado, mas depois que eles utilizam alguns dados catalogados para solucionar um caso em andamento, eles ganham notoriedade dentro do FBI e começam a ter que intercalar o trabalho teórico (de entrevistar e elaborar os perfis psicológicos) com o trabalho em campo, assessorando polícias locais para encontrar assassinos em série.

Uma reflexão sobre Mindhunter: o problema da maldade do ser humano

Iniciamos essa reflexão sobre Mindhunter mostrando que na série que a Unidade de Ciência Comportamental do FBI já existia. Entretanto, os estudos desenvolvidos e os conhecimentos ensinados por eles pensavam o criminoso como alguém motivado “racionalmente”. Ou seja, o assassino tinha um motivo claro para cometer seu crime. Poderia ser uma traição, uma briga, um ataque de raiva, por exemplo. Mesmo sendo motivos injustificados, eles explicavam para a polícia e para a justiça porque a pessoa matou alguém.

Dessa forma, se uma mulher casada aparecia morta, o primeiro suspeito era o marido, especialmente se descobrissem que a vítima traia o marido e ele descobriu. Se um dos sócios de uma empresa aparecia morto, o principal suspeito era o outro sócio, especialmente se descobrissem problemas no financeiro da empresa. Só que começaram a se destacar muitos assassinatos sem suspeitos, e consequentemente sem solução…

Nos estudos acadêmicos, nas investigações, nas entrevistas de alguns assassinos múltiplos e análises de seus comportamentos, surgiu a percepção que existem pessoas que matam “sem motivo”, ou melhor, sem um motivo racional. Eles não matam para resolver um problema ou dar uma solução drástica para um conflito, eles matam pelo simples prazer de matar.

A discussão que se inicia é referente à maldade do ser humano. A série começa a refletir o porquê de alguém agir dessa forma. Descobrir que alguém pode matar seu semelhante pelo simples prazer de matar mostrar a complexidade do ser humano e da nossa visão sobre certo e errado. Não quero tratar aqui da questão psicológica do ser humano como indivíduo, mas sim dessa questão na humanidade, no ser humano como coletividade, sociedade, grupo.

A concepção de Mal na Filosofia Antiga e Medieval

Nos princípios da filosofia, da sua época grega até a medieval, o Mal é entendido como ausência do Bem. Ou seja, o Mal não existe como uma essência, uma ideia, uma coisa. O que existe é a essência, a ideia do Bem.

O Bem é uma realidade metafísica (ou seja, é uma realidade que está para além da física, do mundo concreto). Nós podemos pensar racionalmente o que é o Bem, mesmo sem estar analisando uma ação considerada boa. Nós somos capazes, graças a nossa razão, de julgar ações como boas, ou seja, que refletem a nossa ideia de bondade, de Bem.

Nessa perspectiva, nós não temos a ideia de Mal, mas sabemos quando uma ação não reflete a ideia de Bem. Para facilitar o raciocínio, o ser humano criou um nome, um termo para designar as ações “não boas”, chamando-as de ações más. Logo, o Mal não existiria, e sim a ausência de Bem.

Platão vai nos dizer que o ser humano comete ações más por ignorância. Ou seja, o natural para o ser humano é fazer o bem, mas às vezes, nós desconhecemos o que é o bem e não o fazemos. E quando não fazemos uma ação de forma certa, quando erramos, praticamos uma ação má.

Santo Agostinho também vai refletir sobre a origem do Mal e explicar que Deus não criou o Mal, defendendo a ideia de que o Mal não existe como criação divina. Para ele, Deus nos criou para fazer o bem. O mal surgiu quando o ser humano negou Deus e seus ensinamentos. Novamente, temos aqui o mal como consequência da falta do bem (nessa caso, do Sumo Bem, que seria Deus).

A concepção de Mal na Filosofia Contemporânea

A visão clássica sobre o mal começa a mudar quando a filosofia abandona o pensamento metafísico, ou seja, quando ela pára de acreditar que existem essências, forças, ideias por trás do funcionamento do nosso mundo físico, material.

A visão materialista da natureza (tanto das ciências naturais, quando da humana) defende que existe apenas essa nossa realidade, esse mundo concreto que conhecemos através dos nossos sentidos. E é nesse mundo que tudo acontece e tudo se resolve. Essa doutrina vai dar abertura para outra corrente filosófica que ficou conhecido como relativismo.

O relativismo que pretendo explorar aqui é o moral, ou seja, a teoria filosófica que vai defender a não existência de valores absolutos para a sociedade. Logo, os conceitos de certo e errado são relativos, dependem da época e do lugar em que são praticados e ensinados. Um bom exemplo é pensar como que antigamente era praticamente inadmissível uma pessoa ser homossexual, já tendo até sido considerado crime ou motivo de zombaria; e hoje, de modo geral, a prática homossexual já é aceita como normal. Vemos assim que os valores da sociedade mudaram, ela está mais tolerante, ela permite que cada indivíduo, dentro de certo limite, escolha o que quer ou não acreditar, no que considera ser certo ou errado para a sua vida.

O problema surge quando algumas pessoas extrapolam a relatividade moral e começam a agredir fundamentos básicos da sociedade. E é aqui que chego à minha compreensão sobre a maldade do ser humano. Se antes ele era mal por ignorar o que era o bem, hoje ele é mal porque que quer ser mal. Um serial killer tem consciência que matar é errado, ele sabe que está fazendo um mal para uma pessoa, uma família, uma sociedade. Porém, ele ignora isso e decide continuar porque aquele ato lhe dá prazer.

Entenda que não falo do prazer em cometer um ato ilegal, e sim do prazer da ação de tirar a vida de alguém. Essa é uma ação consciente porque ele define que existe a ação boa de deixar viver e a ação má de matar, e ele escolhe matar porque realizar a ação má lhe satisfaz. O prazer dele não está em não ser bom, e sim em praticar algo que ele sabe conscientemente que a sociedade vê como sendo errado.

O Exemplo do Spoiler

Pode até parecer bobo o exemplo que vou dar aqui, mas acho ele ótimo para ilustrar que essa maldade humana está em muitas pessoas, apenas em diferentes níveis. O meu exemplo é a moda de “dar spoiler“, ou seja, essa atitude deliberada de algumas pessoas de contarem para outras (conhecidas ou desconhecidas) o final de um filme, série, livro etc.

Muitas pessoas, hoje em dia, têm prazer em estragar a surpresa das outras. Não existe um motivo para isso. Não é uma vingança ou “sacaneada”, é simplesmente pelo prazer de frustrar a outra pessoa. Esse, para mim, é um exemplo de pura maldade humana.

Uma reflexão sobre Mindhunter: conclusão

Ao fim dessa reflexão sobre Mindhunter, vimos que a série cumpre um papel histórico ao mesmo tempo em que cria um ótimo drama psicológico, ao explorar a mente dos criminosos e ao acompanharmos os agente em campo. Além disso, ela nos revela uma problemática da atualidade que é a maldade no ser humano. Pudemos perceber também que essa maldade está disseminada em muitas pessoas, mas se manifesta de diferentes formas. Seu diagnóstico é simples: alguém querer fazer o mal pelo simples prazer de fazer mal.

E aí? Já tinha visto essa série? O que achou? Conta aí nos comentários! Conhece alguém que adora dar spoilers? Manda esse artigo para essa pessoa para ver se ela se toca e para com isso! Quer sugerir alguma série ou filme para explorarmos aqui no blog? Manda pelo formulário de contato!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.