Santo Agostinho Descomplicado: Biografia e Filosofia

Santo Agostinho Descomplicado: Biografia e Filosofia

Olá, marujos! Hoje falaremos do filósofo Santo Agostinho de Hipona de um jeito descomplicado. Nesse tipo de artigo, eu vou fazer um biografia mais detalhada do filósofo e vou explicar de uma forma breve e descomplicada as principais teorias filosóficas que ele produziu. Ao longo do tempo, esse artigo poderá receber acréscimos de novas teorias, links para artigos mais detalhados dessas teorias e/ou links para formas diferenciadas de ensinar essas teorias em sala de aula. Vamos lá!

Santo Agostinho Descomplicado: Biografia

Infância e Adolescência

Agostinho nasceu em 13 de novembro de 354 na cidade de Tagaste (atualmente, Souk Ahras), na Numídia (atualmente, Argélia). Era filho de Mônica (uma cristã fervorosa) e Patrício (pagão até o leito de morte, quando se converteu ao cristianismo). Eles eram cidadãos romanos de classe média alta.

Aos onze anos, em 365, foi estudar na antiga cidade Madauro. Teve uma educação formal, aprendendo latim, literatura latina, bem como costumes e crenças pagãs. Foi nessa época que ele teve contato pela primeira vez com filosofia, através de um livro perdido chamado Hortênsio de Cícero. A partir desse momento, Agostinho despertou interesse pelo estudo filosófico.

Aos dezessete anos, Agostinho foi para Cartago estudar retórica (a arte da persuasão pelas palavras). Apesar da educação familiar cristã que havia recebido, ele se converteu ao maniqueísmo (uma proposta filosófico-religiosa considerada herética pelo cristianismo que pregava a existência de um dualismo de forças – bem e mal – em tudo). Nessa época, Agostinho viveu uma vida boêmia e hedonista, imitando as práticas da juventude de sua época.

Foi nesse período que Agostinho conheceu uma mulher com quem viverá uma relação de concubinato por treze anos (era uma relação fixa, mas não oficial porque Agostinho deveria se casar oficialmente com uma mulher de sua classe social). Agostinho viria a ter um filho com essa concubina chamado Adeodato.

Juventude e Vida Adulta (antes da Conversão)

Agostinho foi professor de gramática em Tagaste (373-374) e, posteriormente, de retórica em Cartago (374-383). Durante esse período, ficou muito incomodado com o desinteresse dos estudantes. Decidiu, então, fundar uma escola de retórica em Roma, pois acreditava que lá encontraria bons alunos. Se decepcionou.

Graças aos seus amigos maniqueístas, conseguiu a oportunidade de ser professor de retórica da corte imperial em Mediolano (atualmente, Milão), uma posição acadêmica de destaque. Curiosamente, Agostinho havia se afastado do maniqueísmo por frustração intelectual. Acabou se aproximando do ceticismo praticado na Nova Academia, que seguia a corrente neoplatônica. 

Em Mediolano, Agostinho conheceu Ambrósio (Santo Ambrósio), que era bispo daquela cidade e um grande mestre da retórica. Isso, somado à insistência de sua mãe Mônica, o reaproximaram do cristianismo.

Ainda nessa época, no início de seu trabalho em Mediolano, Agostinho deixou sua concubina para se casar formalmente (a pedido de sua mãe). Entretanto, enquanto esperava o dia do casamento arranjado, desistiu do arranjo matrimonial e de estar com qualquer outra mulher por perceber que não conseguiria viver uma vida dedicada à sabedoria se fosse casado.

Vida Adulta (Conversão e Sacerdócio)

Em 386, aos 32 anos, Agostinho se converteu definitivamente. Ele mesmo relata que foi através de uma voz que lhe fez abrir a Bíblia e ler uma passagem bíblica que falava exatamente sobre a postura pública de um crente.

Agostinho e seu filho Adeodato foram batizados por Ambrósio em 387. Em 388, ele, sua mãe e seu filho decidiram voltar para África. Entretanto, Mônica morreu na metade do caminho.

Já na África, pai e filho começaram a viver de renda, através das propriedades herdadas da família. Logo depois, Adeodato também morreu. Desgostoso e entristecido, Agostinho vendeu todos os seus bens e deu aos pobres. Manteve apenas a casa da família, que transformou em um monastério para si e para seus amigos.

Em 391, aos 37 anos, Agostinho foi ordenado sacerdote e se tornou famoso pela sua pregação e defesa do cristianismo (especialmente contra o maniqueísmo). Em 395, aos 41 anos, foi eleito bispo coadjutor de Hipona e logo depois assumiu o episcopado.

Enquanto bispo de Hipona, Agostinho manteve sua postura pregadora e ascética (humilde, sem caprichos, dedicado à oração).

Morte e Veneração

Agostinho morreu em 28 de agosto de 430. Ele foi canonizado por aclamação popular e considerado doutor da igreja em 1298.

Seus restos mortais passaram por vários lugares. Atualmente, estão localizados na igreja San Pietro in Ciel d’Oro, em Pavia (Itália).

Santo Agostinho Descomplicado: Filosofia Cristã

Santo Agostinho cunhou o termo “filosofia cristã”. Para ele, influenciado pela filosofia helênica, a filosofia tinha como objetivo levar as pessoas à felicidade.

Na relação entre fé e razão, o bispo de Hipona considerava a razão importantíssima para se chegar à verdade, sendo o caminho escolhido por Deus para o ser humano ter acesso às verdades eternas. A razão, assim, seria o instrumento para chegar ao verdadeiro conhecimento. Dessa forma, percebe-se que a filosofia serve para auxiliar a teologia, nunca contrariando-a.

Em relação à construção filosófica do pensamento de Santo Agostinho, o grande destaque fica por conta da utilização da filosofia de Platão para explicar alguns conceitos teológicos. Para isso, Agostinho adaptou algumas coisas e ignorou outras propostas por Platão quando isso não correspondia aos dogmas cristãos.

Santo Agostinho Descomplicado: Antropologia Filosófica

Imagem e Semelhança de Deus

Para um artigo dedicado à Antropologia Filosófica de Santo Agostinho, acesse: Homo Totus Descomplicado.

Para um artigo dedicado ao ensino da antropologia de Santo Agostinho, acesse: Antropologia Medieval através de Poesia.

Para Santo Agostinho, o ser humano é formado de corpo e alma. Sua essência está em ser imagem e semelhança de Deus, algo exclusivo do ser humano, que lhe confere a maior das dignidades entre os seres criados.

Contudo, mesmo devendo-se respeitar o corpo humano, Agostinho compreendia uma hierarquia nessas duas realidades distintas, prevalecendo a alma sobre o corpo. Dessa forma, ele adapta a visão platônica da necessidade de controle da razão sobre o corpo.

Santo Agostinho Descomplicado: Teoria do Conhecimento

Teoria da Iluminação Divina

Para um artigo dedicado à Teoria da Iluminação Divina de Santo Agostinho, acesse: Teoria da Iluminação Divina Descomplicada.

Para Santo Agostinho, Deus é a verdade absoluta. O ser humano só pode chegar ao conhecimento verdadeiro através da sua razão. Para isso, Agostinho defendia que Deus ilumina a razão humana para que ela possa encontrar a verdade. Dessa forma, o conhecimento verdadeiro não é possível pelo ser humano sozinho, mas precisa do auxílio divino.

Santo Agostinho Descomplicado: Ética

Livre-arbítrio

Santo Agostinho cunhou o conceito de livre-arbítrio para explicar a liberdade concedida por Deus ao ser humano. Segundo o bispo de Hipona, o ser humano possui uma vontade livre para decidir fazer ou não a vontade de Deus. Dessa forma, cabe ao ser humano decidir se quer ou não viver uma vida reta.

Baseando-se nesse pensamento, o ser humano seria verdadeiramente livre se escolhesse seguir a vontade de Deus. De outra forma, o ser humano acabaria escravo das suas paixões.

Amor

Segundo o filósofo, o ser humano é movido pelo amor. O amor seria a vontade em ato: o que fazemos, fazemos porque amamos.  Amor, aqui, deve ser entendido no sentido de caridade, agir bem (e não no sentido erótico).

Para Santo Agostinho, existe uma forma correta de amar, uma ordem: primeiramente Deus, depois os seres humanos e, por último, as demais criaturas. Quando o ser humano respeita essa ordem, ele age de forma ética; quando ele desrespeita essa ordem, age de forma antiética.

Mal

Agostinho explicou a existência do mal no mundo como sendo a ausência de bem.

Dessa forma, o mal não é uma coisa, uma força, uma presença. O mal é uma ausência, é a falta de uma perfeição.

Sendo assim, Deus não criou o mal. O mal surge no mundo como a ausência da prática do bem pelo ser humano.

Santo Agostinho Descomplicado: Política

Cidade de Deus x Cidade dos Homens

Para Agostinho, a nossa sociedade terrena, nosso mundo material, seria um momento temporal, finito. Por outro lado, existiria a sociedade celeste, imaterial e espiritual, eterna e atemporal.

A sociedade celeste é governada por Deus e nela reina o amor. É perfeita e todos são felizes. Por outro lado, a sociedade terrena é governada pelo ser humano e nela, tanto pode ocorrer coisas boas quanto ruins porque a humanidade pode agir bem ou mal. Logo, ela é imperfeita e não garante a felicidade plena, muitas vezes causando a infelicidade nas pessoas.

Sendo assim, as leis na sociedade terrena não podem estar acima das leis de Deus. Logo, o cristão deve sempre privilegiar a doutrina da Igreja frente uma controvérsia com uma lei humana.

Por fim, se quisermos viver um bem estar social e alcançar o bem comum devemos, obrigatoriamente, nos inspirar no exemplo da sociedade celeste, seguindo seus mandamentos. A cidade de Deus é o modelo necessário a ser seguido pela cidade dos homens caso se queira viver a paz e a felicidade ainda na terra.

Guerra Justa

Para o bispo de Hipona, o ser humano deve ser pacifista. Conduto, isso não significa ausência de reação frente a um ato de injustiça. Sendo assim, em alguns casos, o cristão deve recorrer a violência se essa for a única forma de se alcançar a paz e cessar a violência.

A chamada guerra justa nunca pode ser um ato de iniciativa, mas apenas de resposta. Logo, a guerra justa é de defesa e não de ataque.

Santo Agostinho Descomplicado: Tempo

Santo Agostinho considera que o tempo é uma criação de Deus. Logo, o tempo foi criado e deixará de existir em algum momento. 

Além disso, Agostinho nega a existência do passado e do futuro. Para ele, só existe o presente, sendo a noção de tempo algo psicológico e não concreto.

O presente é o instante, é o agora. Ele ocorre e desaparece, não possui dilatação. É o imediato.

O passado seria a memória, a lembrança do que já foi. Quando nos referimos ao passado, na verdade estamos vivendo “o presente dos fatos passados”.

O futuro seria a expectativa, o planejamento que fazemos daquilo que não existiu ainda. Quando nos referimos ao futuro, na verdade estamos vivendo “o presente das coisas futuras”.

Sendo assim, não existem três tempos, mas sim três dimensões psicológicas do presente.

Santo Agostinho Descomplicado: Conclusão

Espero que, com esse artigo, possa ter proporcionado uma visão geral sobre as principais teorias filosóficas de Santo Agostinho. É muito difícil separar filosofia e teologia dos padres da Igreja, mas decidi destacar aqui as principais contribuições para o entendimento filosófico dos conceitos gerais que normalmente debatemos dentro das áreas da filosofia.

Lista de Leitura (Aprofundamento em Santo Agostinho)

Caso queiram aprofundar seus estudos em Santo Agostinho, segue uma lista de leitura que selecionei a partir das sugestões do site Contra os Acadêmicos:

Confissões (Santo Agostinho)

Solilóquios e a vida feliz (Santo Agostinho)

Contra os Acadêmicos, a Ordem, a Grandeza da Alma, o Mestre (Santo Agostinho)

O Livre-Arbítrio (Santo Agostinho)

Cidade de Deus – Parte I (Santo Agostinho)

Cidade de Deus – Parte II (Santo Agostinho)

Santo Agostinho: Uma biografia: Uma biografia (Peter Brown)

Introdução ao pensamento ético-político de Santo Agostinho (Marcos Roberto Nunes Costa)

Agostinho (David Vincent Meconi)

Santo Agostinho. O Problema do Mal (Bruno César G. da Silva)

Confissões de Agostinho (Johannes Brachtendorf)

E aí? Gostaria que eu desenvolvesse mais algum desses temas ou sentiu falta de algo? Deixa aí nos comentários! Conseguiu entender basicamente a filosofia de Santo Agostinho? Compartilha esse artigo e ajuda outras pessoas! Quer um artigo nesse estilo, dedicado a algum filósofo da sua preferência? Entra em contato comigo para pedir!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016.

Coleção Ensino Médio 1° ano: Volume 4 – Belo Horizonte: Bernoulli Sistema de Ensino, 2019. 54 p.: il.

Wikipédia. Verbete Santo Agostinho.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.