Reflexão sobre Raul Seixas: Filosofa Raul!

Reflexão sobre Raul Seixas: Filosofa Raul!

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre as músicas de Raul Seixas! Esse é uma artigo inusitado que já tinha um tempo que queria fazer: reflexões sobre músicas. Para inauguração, nada melhor do que escolher as músicas de um ícone da nossa cultura o qual, curiosamente, estudou filosofia (fato esse que provavelmente influenciou suas letras). Como são muitas as músicas de Raul Seixas, irei abordar algumas. Se o artigo fizer sucesso e vocês pedirem mais, faço a parte II. Nessa primeira reflexão, também farei uma breve biografia do cantor. Vamos lá!

Sobre Raul Seixas

Raul Santos Seixas nasceu em 28 de junho 1945 na cidade de Salvador, Bahia. Era de uma família de classe média.

Na infância, teve grande dificuldade na escola porque não se adaptava ao estilo tradicional de ensino. Mas isso não significava ignorância. Na verdade, ele era muito inteligente, preferindo muito mais adquirir conhecimentos pelos livros que seu pai tinha em casa. Nessa fase, ele também conheceu o rock.

Em 1963, com 18 anos, entrou para uma banda de rock que ficou conhecida como Raulzito e os Panteras. Eles alcançam relativa fama em Salvador e foram convidados por Jerry Adriani para irei ao rio gravar um disco. Eles vão, produzem o material, mas não conseguem sucesso. Decepcionados, voltam para Salvador.

De volta para Salvador, Raul acaba conhecendo um diretor da CBS Discos. Com isso, ele consegue um emprego nessa gravadora, novamente no Rio de Janeiro, como produtor musical. Ele obtém sucesso e faz vários amigos. Dessa forma, consegue que várias das suas composições sejam lançadas em outras vozes. Contudo, seu sonho ainda era ser cantor. Ele até produziu dois discos, mas um foi censurado pelo Regime Militar e o outro não obteve sucesso.

Em 1972, com 27 anos, Raul participa do Festival Internacional da Canção como cantor e compositor e consegue ir até as finais, alcançado sucesso de público e crítica. Isso lhe garante um contrato com a gravadora Philips e começa a produzir discos de sucesso. Nessa época, ele também se envolve com ideias místicas e ocultistas.

Em 1974 conhece Paulo Coelho. Além de amigos e parceiros de composições, eles fundam uma Sociedade Alternativa, que seguiria os princípios filosófico-religiosos do Thelema. Suas letras subversivas somadas à proposta anárquica da sociedade alternativa despertam investigação do DOPS (órgão oficial do Regime para averiguar possíveis problemas de ordem pública). Raul e Paulo Coelho acabam presos e torturados, sendo exilados nos EUA por um tempo.

Depois de sua volta, Raul não consegue manter o mesmo sucesso. A parceria com Paulo Coelho termina. Ele fica muito doente devido a uma pancreatite causada pelo seu alcoolismo e precisa se internar para tratamento em 1979.

Os anos 80 não foram muito melhores para Raul Seixas, tendo vários altos e baixos. Isso piorou sua depressão, seu alcoolismo e o uso excessivo de drogas. Acabou morrendo no dia 21 de agosto de 1989 em seu apartamento em São Paulo, devido a uma parada cardíaca.

Reflexão sobre Raul Seixas: Considerações Iniciais

As reflexões que farei não terão uma preocupação histórico-factual, tentando relacionar a letra com algo vivido ou criticado pelo artista. Minha preocupação não vai ser descrever exatamente o que o cantor quis dizer, mas sim aquilo que a música em si diz para mim. Logo, não ficarei preso ao contexto histórico e a biografia do autor. A minha proposta é dizer aquilo que eu sinto da música, aquilo que ela me leva a refletir.

Além disso, vocês perceberão que não selecionei as canções mais famosas. As canções das quais refletirem foram sugeridas por um fã do blog. Ele listou as que ele queria uma reflexão e eu estou atendendo. Como já disse antes, caso queira uma reflexão das suas músicas favoritas, deixa nos comentários quais são que irei atender.

Reflexão sobre Raul Seixas: Músicas

Ouro de Tolo (1973) [Compositor: Raul Seixas]

Pirita é uma metal sólido que parece ouro, daí ser conhecida como ouro-de-tolo. Quem é leigo, facilmente pode se confundir e ser enganado. Nessa música, Raul nos alerta do risco de sermos facilmente enganados por um vida supostamente estável e confortável, como se isso fosse o ápice dela.

Raul mostra a vida de um cidadão classe média do Rio de Janeiro. Independentemente das questões políticas da época (que serão mais exploradas da reflexão sobre a música A Geração da Luz), essa música também nos chama à pensar o problema do conformismo de nossas vidas (“Ah eu devia estar sorrindo e orgulhoso / Por ter finalmente vencido na vida / Mas eu acho isso uma grande piada / E um tanto quanto perigosa”). O brasileiro tem o costume de buscar a estabilidade, só que ela não existe (como diz constantemente o empresário Flávio Augusto). Essa pandemia deixou isso muito claro. Uma guerra deixa isso muito claro.

Além disso, qual o sentido em uma vida estável? Qual é a graça de vivermos todos os dias as mesmas experiências? O prazer da vida está em almejar coisas novas, querer mais. Só que isso não pode também se resumir a bens materiais. O ser humano, devido a sua capacidade racional, não é um animal que vive pelo instinto. Logo, a nossa realização plena não se dá quando temos comida e abrigo.

Raul nos chama a buscarmos algo mais profundo em nossa existência do que apenas um conforto material e social (É você olhar no espelho / E se sentir um grandessíssimo idiota / Saber que é humano, ridículo, limitado / E que só usa 10% de sua cabeça animal”). Os filósofos gregos defenderão que nossa felicidade e realização plena está na filosofia porque ela é o exercício máximo da capacidade humana. A busca pela verdade, pela compreensão do mundo e das coisas é aquilo que nos separa dos demais animais que só estão no mundo sem entender seu papel nele, apenas “esperando a morte chegar”.

Sentimos assim um apelo a dar um propósito em nossas vidas. Heidegger dirá que é a busca pela transcendência (ir além das ações do cotidiano, dando um sentido para aquilo que fazemos). Como diz Raul “Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar / E eu não posso ficar aí parado”. Não podemos nos conformar, não devemos nunca parar de lutar, especialmente na busca por uma vida intelectual, que enobreça e engradeça nossa existência.

As aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor (1974) [Compositor: Raul Seixas]

Nessa música bem curiosa, Raul nos chama à ação. Ele deixa claro que o problema já começou, que as coisas já estão andando e que precisamos nos misturar para mudar.

“A arapuca está armada / E não adianta de fora protestar / Quando se quer entrar / Num buraco de rato / De rato você tem que transar”. Para resolver os problemas do mundo, temos que colocar a mão na massa. Não adianta ficar só protestando e reclamando. Não podemos achar que o nosso voto e nossos impostos são suficientes para que os líderes façam tudo por nós. Esse trecho me lembra a repulsa que muitas pessoas tem de política, dizendo que nunca entrariam nela. Realmente é algo ruim, mas a mudança não vem de fora, vem de dentro. E se as pessoas boas não querem entrar nela, com medo de se corromperem, como alcançar a mudança?

Também vejo nessa música um apelo pela preservação da natureza. Ao falar “Buliram muito com o planeta / E o planeta como um cachorro eu vejo / Se ele já não aguenta mais as pulgas / Se livra delas num sacolejo” Raul está profetizando que a qualquer momento a natureza pode cansar de nós e nos “expulsar”. Realmente, somos nada comparado ao planeta Terra em si. Somos apenas uma espécie muito evoluída, mas que tem grandes chances de acabar daqui a uns milhões de ano e outra espécie reinar. Ao sangrar nossos recursos, estamos matando a nós mesmos porque outros seres continuarão ou surgirão, vivendo através de recursos que nós não usamos.

Eu Sou Egoísta (1975) [Compositores: Marcelo Ramos + Motta / Raul Seixas]

Essa é uma música que bebe do existencialismo. Ela começa criticando as pessoas que agem pelo medo, temendo morte, doença, Inferno (“Se lhe preocupa a doença ou a morte / Se você sente receio do inferno”). Ou seja, vivem presas no presente por coisas futuras incertas. Em vez de valorizarem o que possuem, ficam se tolhendo por receios do que pode vir a acontecer. Sartre falava que sua filosofia era ateia não porque ela provava a não existência de Deus, mas porque Deus era dispensável para se atingir uma realização plena do ser humano.

Raul se coloca como mais um no mundo (“Eu sou estrela no abismo do espaço / O que eu quero é o que eu penso e o que eu faço”). Ele não quer se o exemplo de ninguém, ele só quer cumprir o papel que ele escolheu para ele mesmo no mundo. Do jeito dele, nas crenças dele, nos valores dele. E ninguém tem nada a ver com isso. Temos muita mania de querer que as pessoas vivam como nós achamos que é o melhor. Mesmo que seja por boa intenção, isso é dispensável.

Em vez de perdermos tempo querendo que os outros façam como nós, devemos nos esforçar para sermos os melhores de nós mesmos. Do nosso jeito, com nossas crenças, nossos valores. E ninguém terá que se meter em nossas decisões, porque somente nós saberemos se vivemos ou não uma vida plena.

Novo Aeon (1975) [Compositores: Claudio Roberto Andrade De Azeredo / Marcelo Ramos + Motta / Raul Seixas]

Letra polêmica, que mostra uma alternativa às nossas vidas cotidianas e banais. Raul diz que a grande mídia esconde que as coisas estão mudando, que as pessoas agora pensam diferente.

Para o nosso tempo, a letra pode não dizer muito. Mas para aquela época, era muito subversiva. Hoje, temos mais direitos de escolha, de decisão sobre nossas vidas. Mesmo assim, a letra não está ultrapassada porque o conservadorismo sempre está à espreita, precisando ser refreado.

Raul diz que na Sociedade Alternativa “Querer o meu / Não é roubar o seu / Pois o que eu quero / É só função de eu”. Esse é um apelo à liberdade, ao permitir que cada um faça para si aquilo que acha melhor. O fato de agir diferente não atrapalha a vida do outro. Infelizmente, vemos muitas situações em que queremos legislar sobre a vida do outro em vez de deixar as escolhas sobre a vida de outro para o outro. Ela tem os motivos. Porque nos meter?

Metrô linha 743 (1984) [Compositor: Raul Seixas]

Essa é uma divertida crítica à perseguição dos intelectuais, àqueles que pensam.

Esse problema não foi exclusivo da época da ditadura militar. Sócrates também morreu devido ao seu pensamento “fora da caixa”. O fato é que aqueles que ousam pensar para além da realidade, aqueles que buscam apontar os problemas da sociedade sempre serão perseguidos.

Uma outra leitura possível é uma crítica às pessoas pseudointelectuais, que “comem” as ideias dos pensadores clássicos e arrotam suas palavras como se fossem suas, fingindo adquirir grande conhecimento. Contudo, suas vidas continuam frágeis e estéreis, mostrando que não aprenderam nada.

É muito comum pessoas buscarem a filosofia para “pagarem de intelectuais”, como se a decoração de passagens importantes dos principais filósofos fizesse algum sentido sem a própria vida da pessoa transparecer esse sentido. Acaba que, no fundo, esse ser é um cabeça oca, que não produziu nenhum conhecimento e pensamento, apenas repetindo teorias filosóficas sem as entender de fato.

A Geração da Luz (1984) [Compositores: Raul Seixas / Angela Maria De Affonso Costa]

Claramente uma música de despedida. Na sua letra, ele faz um trocadilho dizendo que ultrapassou a velocidade do som na esperança que seus ensinamentos ajudem a nova geração (as crianças) a ultrapassarem a velocidade da luz.

Ele deixa claro que a nova geração não vai passar por aquilo que ele passou. No pedido de não acreditar no “profeta que diz que o sol tá prestes a se apagar”, ele está nos dizendo que não é para perdermos a esperança. Que a nova geração ainda tem muito potencial.

Muitos consideram Raul a frente do seu tempo, em que suas letras evocavam propostas que discordavam totalmente daquilo defendido pelo governo da época. No trecho “Além, depois dos velhos preconceitos morais / Dos calabouços, bruxas e temporais / Onde o passado transcendeu a um reinado de paz” percebe-se claramente que Raul está criticando a época dura da ditadura, que torturava seus prisioneiros e mantinha um rigor moral, inclusive censurando artistas.

É muito curioso escutar essa música e pensar nos dias atuais. Com relação à liberdade, hoje as coisas realmente são muito melhores. Mesmo com sérios problemas de corrupção política e criminalidade, estamos em um momento de paz. E é por estarmos em paz que temos tempo para pedir novamente a intervenção militar, como se isso fosse resolver os problemas de corrupção e criminalidade.

Talvez até acabem os crimes sofridos pelas chamadas “pessoas de bem”, mas a custo de muita violência sofrida pelos então criminosos. Será que é esse caminho que realmente queremos? Será que Raul esperava algo desse tipo das crianças de 1984 (que hoje devem ter seus 35 anos)?

A música de Raul nos chama para o avanço, para frente. Pedir a intervenção militar é regredir, é dizer que o cidadão brasileiro não é capaz de se autogovernar e que por isso precisa de uma mão forte controladora. Isso vai contra todos os ideias de igualdade, liberdade e fraternidade que marcaram o surgimento das democracias modernas.

Diz Raul “Vocês serão o oposto dessa estupidez”. Ainda temos tempo para alcançar a velocidade da luz.

Reflexão sobre Raul Seixas: Conclusão

No fim dessa reflexão sobre Raul Seixas, tenho a consciência que esse é só um pequeno apanhado de tudo aquilo que Raulzito produziu e que pode ser refletido. Ficaram de fora muitas músicas famosas. Se você gostou desse artigo, não deixe de comentar aí embaixo quais outras músicas você gostaria que fizéssemos a reflexão. Se tiver bastante procura, podemos, como, falei fazer a parte II.

Reflexão sobre Raul Seixas: Aprofundando o Assunto

Caso queiram matar a saudade dessas e outras músicas de Raul Seixas, deixo como sugestão a assinatura do Amazon Music. Caso você queira algo físico, segue uma sugestão de CDs do Raul Seixas.

Para um biografia mais detalhada de Raul Seixas, sugiro: Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida (Medeiros Jotabê).

Para um visão mais histórica e contextualizada das música de Raul Seixas, sugiro: Raul Seixas: Por Trás Das Canções (Carlos Minuano).

E aí? Quais são suas interpretações das músicas selecionadas nessa reflexão sobre Raul Seixas? Deixa nos comentários! Conhece algum fã do “maluco beleza”? Compartilha essa reflexão sobre Raul Seixas com ele! Que mais artigos desse tipo? Entra em contato comigo dizendo qual artista!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.