Reflexão sobre Ragnarok: Uma Questão Divina sobre a Ecologia

Reflexão sobre Ragnarok: Uma Questão Divina sobre a Ecologia

Reflexão sobre Ragnarok: Uma Questão Divina sobre a Ecologia

Olá, marujos! A reflexão de hoje será sobre a série Ragnarok da Netflix. Essa é uma série norueguesa que coloca elementos da mitologia nórdica no mundo atual ao mesmo tempo em que faz um debate ecológico. Vamos falar um pouco sobre a forma como a Natureza foi tratada na filosofia e na ciência e da filosofia da ecologia, que é uma das novas vertentes filosóficas. Vamos ter muito spoiler na parte da descrição da série e pouco spoiler na parte da reflexão em si, então sugiro pular a parte “Sobre Ragnarok” e ir direto para “Reflexão sobre Ragnarok: O Valor da Natureza” se você não viu a série ainda e pretende vê-la. Vamos lá!

Sobre Ragnarok

Ragnarok é uma série norueguesa da Netflix. Ela tem duas principais propostas: mostrar como seria o mundo atual se a mitologia nórdica de fato fosse real e os seres mitológicos ainda existissem, disfarçados entre a população contemporânea; e fazer um debate ecológico, uma crítica ao aumento do desgelo das geleiras norueguesas. Preciso destacar que essa série tem um ritmo mais lendo do que estamos acostumados, provavelmente uma característica do país que a produziu (enquanto que nós estamos acostumados com séries mais agitadas, com vários acontecimentos, que é o padrão americano).

A história começa com a chegada de Magne (David Stakston) e sua família na cidade de Edda, na Noruega. Assim que ele chega, ele ajuda um velhinho cadeirante. Uma senhora vê a cena e o agrade tocando-o. A partir desse momento, ele começa adquirir melhorias físicas (como velocidade, visão acurada e força) e uma sensibilidade às mudanças climáticas.

Na escola nova, Magne é apresentado como alguém que tem problemas intelectuais e psicológicos, o que atrapalha sua enturmação. Ele só consegue se aproximar de Isolde (Ylva Bjørkaas Thedin), uma menina que também não se enturma. Porém, o motivo dela é outro: ela é uma ativista ecológica e crítica ferrenha das indústrias Jutul. O problema é que essa indústria pertence à família mais rica e influente da cidade, além de gerar a maioria dos empregos de Edda. Sua atitude é considerada extremista e, por isso, os demais alunos a isolam.

Para piorar tudo, Isolde morre de forma misteriosa, durante um salto de parapente. O fato de tratarem tudo como acidente faz Magne começar a investigar por conta própria. Suas investigações começam a incomodar a família Jutul, que decide se aproximar dele.

Nesse momento, confirmamos a suspeita que Magne na verdade é Thor (não fica muito claro se ele já nasceu como o antigo Thor e despertou agora, ou se ele encarnou Thor quando chegou na cidade). Também confirmamos que a família Jutul são na verdade quatro Jötunn, os gigantes de gelo da mitologia nórdica, que eram os rivais dos deuses nórdicos.

Na lenda apresentada na série, é dito que os gigantes de gelo tem como propósito a destruição da natureza, enquanto que os deuses nórdicos tinham a missão de protegê-la. Com as identidades de cada um reveladas, começa a disputa entre deuses e gigantes.

Reflexão sobre Ragnarok: O Valor da Natureza

Fica claro que toda a proposta mitológica da série não passa de uma justificativa para fazer um debate ecológico. É dado a entender que os humanos foram e continuam sendo influenciados pelos deuses e pelos gigantes. Só que agora, em vez de ser uma influência religiosa, é uma influência principalmente econômica. Vidar (Gísli Örn Garðarsson), o líder dos Jötunn, diz que atualmente os gigantes convencem os humanos a destruírem a natureza através das indústrias que eles controlam. Já a função de Thor seria lutar contra isso, despertando nos humanos o desejo de preservar a natureza.

É interessante pensar que a filosofia surgiu na tentativa de combater a mitologia (no caso, grega) e que o primeiro problema filosófico foi querer entender como surgiu o universo, qual era o elemento primordial que deu origem a tudo (que os filósofos chamam de Arché). É por buscarem entender o que é, como surgiu e como funciona a natureza que os filósofos pré-socráticos também são chamados de naturalistas ou físicos (por causa da palavra grega Physis, que significa Natureza).

Contudo, essa vontade de entender a Natureza não tinha a intenção de controlá-la, era simplesmente o desejo do conhecimento. A filosofia grega sempre entendeu o ser humano como mais um elemento do cosmos, sem nenhum tipo de superioridade e poder de dominação. Os Estoicos, por exemplos, entendiam a natureza como um macrocosmos e nós seres humanos como um microcosmos, e quando morrêssemos seríamos reintegrados à natureza.

Essa visão de mundo vai mudar radicalmente com a Idade Moderna, com o advento da ciência moderna, experimental, que terá seu ápice na Revolução Industrial. A partir do final do século XV, os filósofos começam um processo de desenvolvimento de técnicas que permitem fazer experiências e demonstrações de teses que permitirão o descobrimento de padrões de comportamento da natureza, que, consequentemente, lhes garantirão a criação de leis universais que serão aplicadas no “controle” da Natureza. Fica famosa a frase de Francis Bacon “saber é poder”, tal era a crença de que com o surgimento da ciência, o ser humano controlaria a natureza. Nesse processo, a filosofia se separa da ciência. A filosofia continua apenas com seu trabalho especulativo, racional; enquanto que a ciência exige provas técnicas e experiências para as suas teorias.

De fato, é inquestionável o avanço científico feito, mas a falta de visão a longo prazo trouxe um problema ecológico grave. O ser humano parou de se considerar um elemento da natureza para se tornar um ser superior a natureza. Consciente ou inconscientemente, o que vimos foi o descaso com a natureza. A técnica foi se aperfeiçoando sem haver uma preocupação se a natureza estava “aguentando” tudo aquilo. Foi um pouco tarde quando percebemos que não…

Agora, a própria ciência tenta retomar a questão ecológica para frear o descontrole causado por ela mesma. A cada dia surgem novos estudos mostrando os problemas causados pela agressão humana na natureza, ao mesmo tempo em que novas tecnologias e produtos são criados para tentar corrigir ou minimizar o impacto ambiental que o ser humano criou. Só que apenas uma intervenção científica não é suficiente. Se foi a filosofia que deu as bases para a ciência ser criada e se estabelecer, agora a filosofia deve retomar o controle da situação para mudar o comportamento humano.

Reflexão sobre Ragnarok: Por uma Filosofia da Ecologia

Surge, assim, a Filosofia da Ecologia, uma proposta de racionalização do problema ambiental somado a uma discussão ética, de valores morais. A filosofia da Ecologia acredita que apenas sabermos que existem técnicas para melhorar ou agredir menos a natureza não faz com que o ser humano pare de agir dessa forma. É preciso que ele se conscientize que isso é importante. E são duas as formas de abordagem que a Filosofia da Ecologia tenta trazer:

De um lado, tenta-se reviver a ideia perdida de que o ser humano pertence a um todo, que é a natureza. Precisamos redescobrir nosso papel no cosmos e entender que estávamos errados em achar que somos superiores à natureza e que isso nos dava o direito de manipulá-la. Na verdade, devemos nos re-conscientizar de que somos apenas parte de um todo maior, e que somos dependentes desse todo, assim como somos capazes de destruir esse todo se não mudarmos de atitude. Eu lembro aqui uma crítica feita pelo filme Matrix, em que o Agente Smith diz para Morfeus que a raça humana não é um mamífero, porque mamíferos se integram à natureza; que na verdade somos vírus, porque nós nos hospedamos em um lugar e sugamos todos os recursos até matar aquele lugar, e daí nós migramos para outro lugar e repetimos o mesmo processo.

A outra abordagem da Filosofia da Ecologia é ética. Tenta-se pensar novos valores para a humanidade, valores esses que integrem o respeito à natureza. Espera-se que se torne natural a preservação do meio, que isso seja algo ensinado em casa, algo que façamos naturalmente e não porque somos obrigados ou teremos alguma vantagem. Se hoje ainda é dessa forma, significa que agimos de forma artificial, por medo ou interesse. Busca-se refletir e propor valores éticos que nos mostrem que é errado fazer qualquer coisa que prejudique o meio ambiente, e que isso esteja tão enraizado em nós que não precisemos pensar se vamos ou não fazer algo que possa prejudicar a natureza. 

Reflexão sobre Ragnarok: Conclusão

Como podem ter visto, para mim, a parte da mitologia foi a menos importante. Foi apenas um pretexto para se fazer um debate ecológico. Mas não vejo isso com maus olhos. É uma ótima estratégia para atrair um público específico e conseguir fazer com que ele comece a pensar nas suas atitudes, na esperança que mudem seus hábitos. Que Thor e os demais deuses nórdicos não desistam de nós e que ainda tenhamos tempo de redescobrir nosso papel como integrantes da Natureza.

E aí? O que acharam da série e da sua discussão ecológica? Comenta aí embaixo! Gostaram dessa artigo? Acha que mais pessoas precisam ter uma visão ecológica do mundo? Compartilha esse artigo com elas! Quer sugerir temas para o blog? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.