Existencialismo de Heidegger

Existencialismo de Heidegger Descomplicado

Olá, marujos! Hoje vamos explicar o existencialismo de Heidegger de um jeito descomplicado. Vamos fazer uma breve biografia desse filósofo e explicar sua teoria filosófica, apontando os principais conceitos de seu pensamento existencialista. Vamos lá!

Sobre Heidegger

Martin Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Meßkirch, Alemanha. Era de uma família pobre e o pai era o sacristão da igreja local. Eles eram católicos e ele chegou a cogitar ser padre.

Heidegger ingressou na Universidade de Freiburg para estudar teologia através de auxílio da igreja. Contudo, acabou mudando de área, se dedicando à filosofia. Seus estudos acabam fazendo-o abandonar a religião católica. Foi nesse período também que conheceu Edmund Husserl (pai da fenomenologia), que muito influenciou seu pensamento.

Em 1914, com 25 anos, ele obteve o doutorado em Filosofia. Em 1916 defendeu uma tese que lhe deu o direito de ser professor universitário.

Em 1923, com 34 anos, ele foi professor universitário de filosofia na Universidade de Marburg. Foi nesse período, mais exatamente em 1927, que ele escreveu sua obra mais famosa Ser e Tempo.

Em 1928, aceitou convite para ser professor na Universidade de Freiburg. No ano seguinte, com a aposentadoria de Edmund Husserl, ele assumiu a cátedra de filosofia.

Em 1933, aos 44 anos, ele foi eleito reitor da Universidade de Freiburg. Alguns dias depois, ele se filiou ao partido nazista. Tudo indica que ele realmente era um entusiasta do pensamento nazista.

Ele ficou apenas um ano como reitor devido a dificuldades em administrar a universidade. Como continuou filiado ao partido nazista, foi designado para a guerra em 1944 (para abrir valas antitanques).

Após a segunda guerra mundial, Heidegger foi impedido de lecionar até 1949. Devido a uma diminuição de pena relativa ao seu envolvimento com o partido nazista, ele pode voltar a lecionar na Universidade de Freiburg. Ele ficou nessa função efetivamente entre 1951 e 1958. Voltando depois a convite até 1967.

Heidegger morreu em 26 de maio 1976 na cidade de Friburgo em Brisgóvia, Alemanha. Porém, foi enterrado em sua cidade natal.

Existencialismo de Heidegger: Dasein (“ser-aí”)

Heidegger percebe uma distinção clara entre o ser humano e as demais coisas: o ser humano questiona o sentido da sua própria existência. Tendo isso em vista, Heidegger afirma que o ser humano existe no mundo enquanto os demais seres apenas estão no mundo.

Para marcar essa existência no mundo, Heidegger cunhou o neologismo Dasein, que pode ser mais ou menos traduzido como “ser-aí”, entendendo-se que o ser humano é um ser-no-mundo, um ser que participa ativamente do mundo, tendo consciência dessa participação e questionando o sentido dessa participação no mundo.

Ou seja, enquanto os demais seres (vivos e não vivos) apenas estão no mundo cumprindo o seu papel de nascimento / surgimento sem entenderem que o estão fazendo, o ser humano está presente para si mesmo. Ele consegue se perceber no mundo e perceber os demais seres no mundo.

Uma pedra não sabe que é uma pedra e não se questiona porquê é uma pedra; um cachorro não sabe que é cachorro e não se questiona sobre o sentido da sua vida de cachorro; já o ser humano sabe que é ser humano e busca um sentido para a sua vida.

Dessa forma, a essência do ser humano seria a sua própria existência. Esse seria o grande diferencial entre a natureza do ser humano e a natureza das demais coisas. Essa existência é entendida como a capacidade humana de dar um sentido para a sua própria vida, em tomar decisões livres e fazer escolhas que guiarão sua existência.

Existencialismo de Heidegger: Ser-no-mundo

Enquanto as demais coisas estão-no-mundo, já que não pensam sobre si mesmas, o ser humano é um ser-no-mundo. Isso significa que ele é um ser de possibilidades, um projeto. A existência é um “poder-ser”. Sem definições, o ser humano possui a capacidade de tomar decisões sobre sua vida que irão moldar quem ele é. O ser humano nunca está acabado e definido, sempre estando aberto a mudanças, a novidades.

Nesse contexto, compreendemos a noção heideggeriana de liberdade situada: a liberdade não é absoluta porque ela possui alguns pressupostos, algumas determinações. Conduto, a partir dessas determinações, o ser humano pode viver uma vida livre, através das suas escolhas. Para deixar isso claro, o filósofo aponta dois aspectos inseparáveis da existência humana:

Facticidade – seria o conjunto de determinações humanas, tudo aquilo que o ser humano é e que não pode escolher: época em que nasceu, país, família, condições financeiras, alguns fatores biológicos e de saúde (como sexo e doenças). Ou seja, são os fatos da nossa existência, o conjunto de condições que recebemos ao nascer.

Transcendência – é a liberdade em si do ser humano, é o conjunto de ações que o ser humano toma para dar sentido e significado para sua vida. É a apropriação das pré-condições que ele recebeu e a utilização delas para ir além das próprias pré-condições.

Um bom exemplo para pensarmos é o personagem Batman. Ele nasceu em uma família rica em uma cidade violenta, teve boa educação e o amor de seus pais, mas acabou ficando órfão devido a um crime urbano. Tudo isso foram fatores que ele não escolheu. Quando adulto, optou por usar do seu conhecimento e fortuna para combater o crime em sua cidade, dando um significado para sua herança e educação. Ou seja, quando consciente de si e da sua existência, Bruce Wayne escolheu se tornar o Batman para dar um sentido para sua vida, muito influenciado pelo que viveu e financiado pelo que ele herdou. Batman é o resultado da transcendência de Bruce Wayne.

Para outro exemplo do facticidade e transcendência em Heidegger, recomendo: Reflexão sobre The Promised Neverland: As (não) Opções da Vida.

Existencialismo de Heidegger: Ser-para-a-morte

O mundo em si deve servir de ferramenta para o ser humano e não como meta / objetivo. Ou seja, o ser humano deve se utilizar das coisas do mundo para ir além dele, dando um sentido existencial para sua vida (um sentido para a sua existência no mundo).

Para Heidegger, vivemos uma vida inautêntica quando nos apegamos às coisas do mundo (tanto materiais, como bens, quanto imateriais, como ideologias), fazendo dele nosso fim último. Por outro lado, levamos uma vida autêntica quando entendemos que tudo o que existe nesse mundo serve como forma de realizar meu projeto, minha existência.

Isso só ocorre quando tomamos consciência de que somos um ser-para-a-morte, ou seja, que estamos fadados a morrer e, consequentemente, deixaremos o mundo e suas coisas materiais. Além disso, a consciência de que morreremos nos estimula a não perdermos tempo, nos incentiva a agirmos e aproveitarmos o tempo que temos.

Angústia

A angústia é o sentimento que as pessoas de vida autêntica devem sentir. Angustia não é ruim, é positiva porque nós devemos ter aquela inquietação de que tudo isso é passageiro e que todos estão fadados a morrer. Os que vivem uma vida autêntica abraçam a angústia da morte e a utilizam para fazerem o melhor de suas vidas.

Por outro lado, os que vivem uma vida inautêntica fogem dessa angústia e se apegam aos fatos do mundo como forma de esquecerem que irão morrer. Ao temerem a angústia da morte, deixam de realizar seus projetos e deixam de transcender. Vivendo de forma banal.

A música Ouro de Tolo, de Raul Seixas é um bom exemplo disso com trechos como: “ah eu é que não me sento no trono de um apartamento / Com a boca escancarada, cheia de dentes / Esperando a morte chegar” e “Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar / E eu não posso ficar aí parado”.

Existencialismo de Heidegger: Ser-com-os-outros

Ninguém existe sozinho no mundo. O mundo em que vivemos é um mundo habitado por vários “eus”, todos com a mesma dignidade de Dasein e preocupados com a realização dos seus projetos pessoais.

Na busca pela vida autêntica, no exercício da nossa liberdade, nos deparamos constantemente com situações em que encontramos o outro. Para Heidegger, nós temos a obrigação de “cuidar do outro”. Ou seja, o exercício da minha liberdade não pode proibir o outro que exerça a liberdade dele. Além disso, devemos ajudar os outros a alcançarem a sua liberdade.

Na relação com o outro, o filósofo observa duas possibilidades:

Estar junto – nessa forma de se relacionar com o outro, o sujeito está submetido a uma regra, uma imposição de vida. Nessa situação, não existe liberdade porque o sujeito está impedido de transcender, sendo obrigado a agir conforme lhe mandam agir. Ele vive uma vida que não escolheu viver.

Coexistir – nessa forma de se relacionar com o outro, o sujeito está livre para tomar decisões sobre a sua vida. Nessa situação, existe liberdade porque o sujeito está livre para transcender, podendo fazer escolhas e agir como bem entender. Ele vive uma vida que escolheu viver.

Como podemos notar, a melhor situação é aquela que permite a todos viverem suas vidas conforme suas próprias regras.

Existencialismo de Heidegger: Conclusão

Podemos ver que a filosofia existencialista de Heidegger valoriza o indivíduo, dando-lhe autonomia para guiar a sua própria vida, ao mesmo tempo em que exige que esse mesmo indivíduo deixe os demais indivíduos também tomarem suas próprias decisões. Observamos também um apelo ao desapego do mundo (não só de coisas materiais, mas também de ideias e costumes), priorizando a transcendência disso tudo, com vistas à iminente morte como fim de todo o projeto existencial.

Aprofundando o Assunto

Se quiser aprender mais sobre Heidegger e o seu existencialismo, recomendo a leitura dos seguintes livros extraídos da lista de leitura dos Contra Acadêmicos:

Ser e Tempo (Martin Heidegger)

Seis estudos sobre “Ser e tempo” (Ernildo Stein)

Heidegger: Um mestre da Alemanha entre o bem e o mal (Rüdiger Safranski)

Introdução ao Pensamento de Martin Heidegger (Ernildo Stein)

Compreender Heidegger (Marco Antonio Casanova)

Heidegger (Benedito Nunes)

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016.

Coleção Ensino Médio 2ª série: Manual do Professor. – Belo Horizonte: Bernoulli Sistema de Ensino, 2019. 64 p.: il.

Wikipédia. Verbete Martin Heidegger (português e inglês).

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.