Reflexão sobre Love, Death and Robots: Parte III

Reflexão sobre Love, Death and Robots: Parte III

Olá, marujos! Hoje, faremos a terceira parte dessa enorme reflexão sobre a série Love, Death and Robots. Nessa série, temos animações independentes que tratam de vários assuntos, mas sempre possuem algo relacionado a Amor, Morte ou Robôs. Eu estou fazendo uma reflexão para cada episódio. Vocês podem ler antes, se quiserem, a Parte I e Parte II. Teremos spoilers de todos os episódios, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Love, Death and Robots

Love, Death and Robots é uma série de animações lançada em 2019 pela Netflix. Os temas debatidos são diversos, mas sempre trazem elementos que se relacionam com o título. Cada episódio é fechado em si mesmo, sendo uma peça única.

Para saber uma pouco mais sobre a produção dessa série e ver a reflexão dos primeiros cinco episódios, acesse: Reflexão sobre LOVE, DEATH + ROBOTS: Filosofando com Animações (Parte I).

Para ler a continuação da reflexão, em que reflito sobre mais seis episódios, acesse: Reflexão sobre Love, Death & Robots: Parte II.

Vale lembrar que tanto essa quanto as partes I e II se referem à primeira temporada da série.

Reflexão sobre Love, Death and Robots (COM Spoilers)

Fish Night (Noite de Pescaria): Delírios e Progresso

Dois vendedores, um jovem e um mais velho, ficam presos no deserto após o carro deles quebrar. Enquanto esperam ajuda, o mais velho conta que, no passado, aquele deserto era um grande oceano cheio de vida. Eles acabam dormindo no deserto e acordam de madrugada. Começam a ver fantasmas dos seres marinhos pré-históricos que habitavam aquele antigo oceano. O mais novo se encanta com aquilo e começa a flutuar, como se estivesse nadando no oceano. Ele se envolve tanto que acaba adquirindo as características fantasmagóricas dos seres. De repente, um tubarão gigante o vê, e o devora!

Esse episódio nos leva a refletir sobre a realidade dos delírios. Para nós, que vemos a cena, os caras ficaram malucos. Para eles, que viveram a cena, aquilo estava acontecendo. Quem está certo, nós ou eles? Essa é uma discussão interessante porque trata da realidade daquilo que existe. Só existe aquilo que está para os meus sentidos? Existe algo que está só na minha mente? Para ser real, é preciso que quantas pessoas comprovem isso? A resposta para isso é complexa, mas é fato que aqueles dois acreditavam no que estavam vendo e isso mexeu com eles a tal ponto que podemos dizer que levou à morte de um. Em outras palavras, o delírio é real ao menos na cabeça do delirante e ele vai viver e pensar como se tudo aquilo estivesse acontecendo.

Outro ponto a se refletir é sobre a questão do progresso. O deserto já foi oceano. Ok. Não é mais. Não adianta ficar lamentando o que já foi. O que se tem que fazer é aprender com o passado para viver o presente e planejar o futuro. Podemos entender que o ato do jovem ter sido devorado pelo tubarão fantasma representa alegoricamente a pessoa que abandona a sua vida ao ficar presa ao passado. O passado a matou, a retirou do presente e a privou do futuro. Não podemos ficar presos ao que já foi. Algumas coisas, podemos até querer que retornem, mas com novas repaginações. Ficar sofrendo porque as coisas não são mais como eram antes é ruim e não ajuda em nada. Devemos olhar para a frente e encarar o novo.

Lucky 13 (13, número da sorte): Destino, Autonomia e Consciência 

Uma nave de transporte, que possui a numeração #13-02313, é considerada azarada porque duas tripulações já morreram em missões com ela. Uma tenente novata recebe essa nave e consegue realizar vinte missões com sucesso. Durante esse tempo, os modelos melhoraram, mas ela não quis trocar. Em uma nova missão, a nave acaba falhando e a tenente precisa abandoná-la. Ela coloca a nave para se autodestruir para matar os inimigos e, nisso, ela sente que a nave tem uma consciência. Ela se despede da nave e a vê se autodestruindo somente quando todos os inimigos estavam próximos o suficiente, como se tivesse planejado isso.

Esse episódio nos leva a refletir sobre a existência ou não de uma força oculta que manipularia as nossas ações. Sorte e azar são reais ou tudo não passa de probabilidades matemáticas? Existe um destino que guia todos os acontecimentos do mundo e nossas ações, ou somos seres com autonomia e tudo o que acontece depende de nossas ações e são consequências delas? O sociólogo Max Weber vai dizer que a modernidade provocou o desencantamento do mundo quando retirou todos os pensamentos mágicos sobre o funcionamento deste e começou a “explicar” tudo usando da ciência moderna e da matemática. O curioso é pensar que nós somos seres ambíguos porque, para algumas situações, ficamos confortáveis em saber que tudo é controlado. Já em outros casos, preferimos colocar as coisas na mão do destino e do acaso. Podem ambos estarem certos?

Outro ponto a se refletir é sobre a consciência das máquinas. Hoje, os cientistas buscam criar uma inteligência artificial perfeita. Mas, será que as máquinas comuns que existem já não possuem algum tipo de consciência? Será que, por mais que elas não sintam ou se expressem como nós fazemos e sabemos que fazem outros seres vivos, elas são totalmente brutas que nem uma pedra? Existem religiões animistas que acreditam que todas as manifestações naturais possuem uma força espiritual. Será que aquilo que o ser humano cria, utilizando-se da natureza, também não possuiria? Por muito tempo, consideramos os animais como totalmente ignorantes comparados aos seres humanos. Hoje, lhes damos muito mais dignidade. Será que os itens tecnológicos não sentiriam alguma coisa também?

Zima Blue (Zima Blue): Origem e Retorno à Simplicidade

Zima Blue é um robô-artista mundialmente famoso. Ele está prestes a revelar sua mais grandiosa obra e resolve conceder uma entrevista. Nessa entrevista, ele revela que nem sempre foi esse robô que todos conhecem. Ele começou sendo um mini robô limpador de azulejos de piscina, que eram da cor “azul zima”. Durante sua trajetória na arte, Zima Blue fazia retratos e murais, cada vez maiores, e sempre deixava um quadradinho azul, porque aquilo lhe remetia à primeira coisa que viu quando ele “nasceu”. Enfim é revelada sua nova obra: uma piscina, feita de azulejos “azul zima”; o artista mergulha nela e abandona todas as suas modificações, voltando a ser apenas um mini robô limpador de azulejos.

Esse episódio nos leva a refletir sobre a permanência da nossa origem em tudo o que fazemos ao longo de nossa vida. O quadradinho azul em cada mural de Zima Blue é uma metáfora para nos mostrar que tudo o que fazemos guarda resquícios de nossas origens, mesmo quando não percebemos ou até mesmo não queremos.

Outro ponto a se refletir é sobre o retorno inevitável à simplicidade que cada um de nós fará em um certo momento de nossas vidas. Enquanto somos jovens e dispostos, sempre queremos mais, queremos ir além, queremos conquistar tudo, nunca satisfeitos. Mas chegará a hora em que esse furor passará e iremos querer apenas relaxar, descansar e buscar uma vida mais simples, como aquela que tínhamos quando crianças, quando as preocupações eram mínimas e só curtíamos a nossa vida. Era uma época em que tínhamos pouco, éramos limitados, mas não reclamávamos disso. Ao contrário, aproveitávamos ao máximo. Estamos tão fissurados em consumir que nunca aproveitamos de fato aquilo que temos. Compramos roupas que nunca usamos, jogos que nunca jogamos, assinamos vários serviços sendo que não temos tempo nem de ver um… Adoramos a diversidade, mas não temos tempo para vivê-la. Que possamos o quanto antes aprender a focar e se dedicar a uma coisa de cada vez. É impossível abraçar o mundo. Isso só trará frustração. Retornemos o quanto antes à simplicidade.

Blindspot (Ponto Cego): Imortalidade e Sentido para o Sacrifício

Um grupo de ciborgues estão atacando um comboio para roubar a carga. O ataque, que parecia simples, se complica e, durante a luta, cada membro do time vai se sacrificando para salvar os demais. A missão é concluída com sucesso, mas lamentamos as perdas. Só que existe uma surpresa no final: o líder sobrevivente descobre que a mente de todos fora copiada antes da missão e todos poderão “voltar à vida”.

Esse episódio nos leva a refletir sobre a imortalidade. Um dos campos que mais avançam em pesquisa é o campo da medicina, que luta para aumentar a longevidade da vida até consegui alcançar a imortalidade. Nesse episódio, isso só é possível porque os corpos naturais já não são mais necessários. A mente pode ser copiada e transferida para corpos novos, artificiais. A grande questão é se isso ainda seria vida. Se essa cópia ainda é o mesmo ser. Se a identidade de quem sou permanece mesmo eu não tendo mais as características físicas originais e minha mente já não é também natural, mas um monte de dados tecnológicos. Isso nos faz pensar que em breve, precisaremos rever o conceito de vida e de estar vivo…

Outro ponto a se refletir é sobre a falta de sentido em um sacrifício quando se sabe que existe a imortalidade. Quando vemos o episódio, sofremos todas as baixas. Depois, descobrimos sobre o backup e ficamos felizes. Porém, se o episódio mostrasse uma nova missão, nós já não nos importaríamos se os personagens morressem. A gente ia falar “sem problemas, ele volta depois”. Dessa forma, a imortalidade tira o sentido do sacrifício e até mesmo o valor em si da vida. Imaginem que num mundo em que todos tenham seus backups constantes, não faz sentido ter polícia porque, para que proteger a “vida” de alguém se basta ela fazer o download novamente caso seja morta? As punições também não surtirão efeito se eu puder “me desligar” e religar em um outro corpo, longe daqueles que estão me punindo. Isso abre uma série de dilemas novos que teremos que enfrentar um dia. Nenhum avanço vem sem consequências morais.

Ice Age (Era do Gelo): Brevidade de Ciclicidade da Sociedade

Um casal chega na sua casa nova e encontra uma geladeira bem antiga. Quando abrem o freezer dela, veem um mamute. Eles fecham e reabrem a geladeira várias vezes e a cada instante percebem que aquilo é uma civilização que avança da pré-história até um mundo futurístico em que tudo se torna energia. Acreditando que a civilização chegou ao seu apogeu, o casal desliga a geladeira. No dia seguinte, quando eles reabrem o freezer para limpá-lo, veem que surgiu uma nova sociedade primitiva lá.

Esse episódio nos leva a refletir sobre a brevidade da nossa sociedade. Os cientistas já demonstraram que o universo tem aproximadamente 13,82 bilhões de anos. A vida na Terra surgiu a aproximadamente 4 bilhões de anos. Já a vida humana surgiu “apenas” a 350 mil anos… É engraçado pensar que achamos que as coisas acontecem devagar demais. Que tudo aconteceu a muito tempo, e grandes mudanças estariam longe de acontecer. Mas não é bem assim. Podemos pensar desse jeito porque estamos inseridos nessa realidade evolutiva. Mas se conseguirmos produzir um olhar distante, veremos que tudo está acontecendo rápido demais e as grandes mudanças estão logo ali.

Outro ponto a se refletir é sobre a possibilidade de a existência humana ser cíclica. Em outras palavras, passaremos por esse mesmo processo evolutivo novamente. Talvez não renasceremos, mas nossos descendentes distantes poderão viver uma vida mais primitiva do que aquela que vivemos hoje. Não é estranho ter esse olhar já que observamos diversas manifestações cíclicas do universo, como a volta da Terra em si mesma, em volta do sol, as estações do ano que retornam… A grande questão é saber exatamente quando será o limite, o “ponto de chegada” onde tudo retorna. Estaria isso próximo ou distante ainda?

Alternate Histories (Histórias Alternativas): E se…

O aplicativo Multiversity permite a seus usuários “verem” como seria o futuro se eventos passados tivessem ocorrido de forma diferente. No episódio, vemos seis futuros diferentes se Hitler tivesse morrido de diferentes formas em 1908 em vez de 1945. Cada futuro é mais estranho que o outro…

Quem nunca quis mudar uma decisão que tomou no passado para saber se a vida seria melhor que atire a primeira pedra! Acho que o sonho de muitas pessoas (ou o pesadelo) é ficar revivendo atos cometidos e pensado “e se eu tivesse feito isso em vez daquilo? E se eu tivesse tomado essa decisão em vez daquela?”. Infelizmente, ou felizmente, nunca saberemos as respostas. Se prever o futuro já é perigoso, no sentido de que é impossível mudá-lo ou toda as mudanças levarão a novos futuros que não podem ser necessariamente melhores; imagine o problema se pudéssemos ver como seria nossa vida se tivéssemos tomado outras decisões. Claro que isso pressupõe que poderíamos ter tido vidas melhores. Se, ao contrário, tudo o que fizemos melhorou nossa vida, talvez saber disso nos dê um certo alívio. Mas a questão é se queremos encarar esse desafio. Enquanto ficamos só na possibilidade, ainda estamos “tranquilos”. Mas e se tivéssemos certeza que fizemos burrada? Como lidaríamos com isso? Acho que o melhor é aceitar o que houve e tentar melhorar nas próximas escolhas.

The Secret War (A Guerra Secreta): A Nação acima do Indivíduo

Um pequeno agrupamento de soldados do exército da União Soviética está lutando contra demônios. Nisso, um dos soldados descobre que esses demônios surgiram porque o governo os invocou, para usá-los em combate, mas perderam o controle. Surge a dúvida se vale a pena contar a verdade para se livrar dos demônios e manchar a reputação da nação, ou é melhor esconder a verdade e preservar a imagem da nação, mesmo que isso mantenha os demônios à solta. Enquanto discutem, eles encontram o ninho e decidem ficar lá como uma resistência enquanto esperam um bombardeio no local. Todos acabam morrendo, mas o bombardeio acontece.

Émile Durkheim estudou o ato do suicídio e percebeu que isso é um fator social, ou seja, algo que está presente em todas as sociedades e é causado pela sociedade em si, e não pelo indivíduo. Um dos tipos de suicídio que ele percebeu foi o altruísta. Nesses casos, o indivíduo escolhe se matar em prol da sociedade. Os exemplos mais famosos são os soldados kamikazes e os homens-bomba. Nesse episódio, vemos algo semelhante. Os soldados viram que aquilo que enfrentavam foi causado pelo próprio governo. A luta não era necessariamente deles, eles não estavam protegendo seu povo de um ator externo. A causa do problema era interna. Mesmo assim, eles preferiram lutar e se sacrificar para proteger o erro do governo. A nação acima do indivíduo. Nobreza ou estupidez? Será que temos que ser tão fieis assim ao nosso povo, ao nosso grupo, que valha a pena esconder a verdade, de mostrar que eles estão errados e fazendo coisas erradas? Acredito que esse protecionismo só traz malefícios. É vergonhoso admitir que se errou? Sim! Mas sempre é melhor passar uma vergonha temporária e depois superar, do que amargar a vida toda a vergonha de ter se omitido.

Reflexão sobre Love, Death and Robots: Conclusão

Concluímos essa terceira parte da reflexão sobre Love, Death and Robots. Analisamos os últimos sete episódios dessa vez. Lembrando que as reflexões sobre os demais episódios podem ser encontradas na Parte I e na Parte II.

E aí? Qual dos episódios dessa terceira parte da reflexão sobre Love, Death and Robots você gostou mais? Comenta! Conhece algum fã da série? Compartilha essa reflexão sobre Love, Death and Robots com ele! Quer sugerir algum tema para o blog? Entram em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.