Reflexão sobre Love, Death & Robots: Parte II

Reflexão sobre Love, Death & Robots: Parte II

Olá, marujos! Hoje, continuaremos nossa reflexão sobre Love, Death & Robots. Essa é uma série da Netflix de animações curtas que possuem como tema amor, morte e robôs! Na reflexão de hoje, abordaremos mais alguns episódios da primeira temporada. Para quem não leu, clica aqui para ler a primeira parte da reflexão. Em cada reflexão, faremos um resumo do episódio para vocês lembrem o conteúdo. Teremos spoilers de todos os episódios, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Love, Death & Robots

Love, Death & Robots é uma série de animações lançada pela Netflix em 2019. Como o nome sugere, as histórias falam de amor, morte e robôs. Cada episódio é independente.

Para saber uma pouco mais sobre a produção dessa série e ver a reflexão dos primeiros cinco episódios, acesse: Reflexão sobre LOVE, DEATH + ROBOTS: Filosofando com Animações (Parte I).

Reflexão sobre Love, Death & Robots (COM Spoilers)

When the Yogurt Took Over (Quando o Iogurte Assumiu o Controle): Liderança e Foco

Cientistas fazem experiências com iogurte de bactérias. O iogurte adquire consciência e oferece um plano de prosperidade econômica para o governo dos EUA. No começo, o governo recusa, mas depois cede quando o iogurte avisa que vai para a China. Em troca, o iogurte pede o controle de Ohio e o acordo é fechado. O problema é que o governo não segue o plano à risca e isso leva o mundo a um colapso. Enquanto isso, Ohio prospera. Com isso, todo o controle governamental é dado ao iogurte, que leva a humanidade à prosperidade em dez anos. Depois, o iogurte vai embora da Terra e deixa os humanos para trás.

Esse episódio nos leva a refletir sobre liderança e foco. Precisou-se de um ser estranho à raça humana (um iogurte) para conseguir elaborar um plano de prosperidade para os humanos. Isso é uma metáfora, para dizer que os lideres de uma nação ou de um grupo não podem estar contaminados pelos defeitos humanos. É o famoso “o problema da humanidade são os seres humanos”. O melhor líder é aquele que não quer ser líder (como falei na reflexão sobre a série Vikings), é aquele que consegue enxergar o problema de fora da situação.

Outro ponto a se refletir é a necessidade de ser manter o foco nos projetos. Somos pessoas imediatistas, que querem resultados para ontem. Só que não é assim que as coisas funcionam. Antes de você colocar o teto em uma casa, é preciso as paredes. E antes das paredes, a fundação da casa. Bons projetos costumam levar tempo. Esse episódio nos mostra que quem mantém o foco, prospera. Quem não consegue, fracassa. 

Beyond the Aquila Rift (Para Além da Fenda de Áquila): Doces Ilusões x Amarga Realidade

Um grupo de viajantes espaciais está voltando para a Terra, mas se perdem no espaço por um erro de rota. O capitão Thom é despertado por sua grande paixão, Greta, e descobre que não tem mais como voltar para a Terra. Ele e ela reacendem seu amor, mas ele começa a desconfiar que algo está errado. Pressionada, Greta revela que tudo aquilo é uma ilusão e é melhor ficar nela do que ver a realidade. Thom insiste na realidade e descobre que agora é um velho cadavérico, que a nave está destroçada e presa em uma teia de aranha e que a pessoa com quem ele dialoga é uma aranha gigante alienígena. Ele surta e a aranha faz com que ele retorne para a ilusão, esquecendo-se dos últimos minutos em que tudo foi revelado.

Esse episódio nos leva a refletir o que é melhor: uma ilusão feliz ou uma realidade triste. Dizer que é melhor a realidade é fácil quando não é você que está vivendo o sofrimento dessa realidade. Para ilustrar facilmente, é só pensar como você prefere o fim de semana em vez da semana de trabalho. Como você prefere um feriado em vez de um dia comum. Como você prefere um mês de férias do que os demais onze meses de compromissos. Como é prazeroso passar uma semana em uma viagem que você levou cinco anos para juntar dinheiro. 

Não tem jeito, preferimos a ilusão. E não tem problema nisso. É interessante pensar que todas as filosofias hedonistas (epicurismo, utilitarismo, Nietzsche) tentam justificar suas posições dizendo que o ser humano busca o prazer intelectual mais ou na mesma medida que o prazer sensível. Que o prazer buscado de forma correta é o prazer moderado. Mas não é isso que nós queremos e nunca foi. Tentamos nos convencer disso porque não queremos admitir que preferimos uma vida fácil, tranquila, prazerosa. 

Só não conseguimos isso porque TODOS querem, e alguns têm que sofrer para outros se divertirem. Essa é a regra do jogo que nossa sociedade criou. O prazer ilimitado de uns vem em decorrência do sofrimento dos outros. E quando falo sofrimento, não é necessariamente dor física ou psíquica. Exemplo: adoro dar aulas, mas ter que dar mais de 40 tempos semanais, ensinando alguns temas que não gosto e tendo que ficar fazendo burocracias como chamadas, provas e lançamentos de notas é sofrimento para mim. Se pudesse, viveria só do blog, escrevendo artigos e fazendo vídeos (o famoso “produzindo conteúdo”). Todo esse meu trabalho “sofrido” serve para deixar outros confortáveis, como os pais dos alunos que não precisam perder seu tempo ensinando nada, os donos das escolas particulares que ficam com a diferença entre aquilo que é pago e o quanto eu recebo (a famosa mais-valia de Marx) e os governantes que pagam pouco para os professores públicos e usam boa parte dos impostos para benefício próprio de forma direta ou indireta.

Existe alguma solução fácil? Acho que não… porque nós somos muito facilmente manipuláveis e adoramos criar necessidades que, no fundo não são necessárias. Imagino que chegaremos perto de algo quando surgirem as famosas “máquinas do prazer”, que manipulam nosso cérebro para que “sintamos” tudo o que queremos, ou as realidades virtuais perfeitas, em que eu possa, da minha casa, “viver” uma experiência completa do jeito que eu quiser. Mas isso terá um custo, que não será barato, e vai demandar muito esforço para adquirir e manter. E o ciclo vai acabar recomeçando…

Good Hunting (Boa Caçada): Machismo e Desigualdade Social de Gênero

Liang e seu pai caçam seres mágicos na Hong Kong feudal. Eles chegam a uma toca de raposas mágicas, que assumem a forma de mulheres humanas. O pai de Liang mata a mãe, mas o filho tem pena da cria raposa, Yan, e deixa ela fugir. Anos depois, Liang reencontra Yan. Ela não pode mais ser uma raposa porque a terra perdeu a sua magia, e ela ainda acabou se tornando uma escrava sexual ciborgue. Liang, que agora é engenheiro, modifica o corpo de Yan para que ela possa se transformar em uma raposa ciborgue. Ela agora usa das suas novas habilidades para combater homens que possuem escravas sexuais.

Esse episódio nos leva a refletir sobre a desigualdade social das mulheres ao longo do tempo. Tanto na Hong Kong feudal como na Hong Kong moderna, Yan sofre preconceito por ser fêmea. A mulher no passado era uma demônio que fazia mal aos homens. Agora, é um brinquedo sexual. Anos se passam e nada muda: a mulher continua sendo mal vista e maltratada por homens. As justificativas mudam, mas o tratamento desigual não.

Esse episódio é uma metáfora para um problema que se arrasta a milênios no mundo: a desigualdade social de gênero. Não importa a evolução tecnológica de uma sociedade, os homens continuam achando que são melhores, superiores às mulheres. Em cada geração, uma desculpa diferente para justificar seus atos. Solução? O episódio sugere vingança. Talvez, se matarmos todos os homens que pensam dessa forma, os que sobrarem acabam com essa discriminação. Radical? Sim! Mas parece que os homens só entendem as coisas quando são ditas ou praticadas na literalidade…

The Dump (O Lixão): Quem é Você para se Meter na Minha Casa?

Ugly Dave Dvorchek mora em um lixão. Um inspetor chega para despejá-lo. O morador conta a história de um monstro que mora ali que virou seu animal de estimação. O inspetor faz pouco caso e insiste no despejo. Ugly acorda seu animalzinho e sugere o inspetor como refeição.

Esse episódio nos leva a refletir sobre a interferência do Estado nas liberdades individuais, especialmente na questão da moradia. Um lixão é um lugar adequado para viver? Acho que não. Ele está causando algum problema urbanístico ou sanitário? Não lembro se é dito algo e mesmo que tenha sido dito, existem formas de negociar uma correção. Despejar alguém de sua casa é uma das coisas mais humilhantes que alguém pode passar.  Não ter onde morar é degradante. 

Se olharmos para o mundo, quanta terra desocupada! E não falo de áreas preservadas, falo de áreas urbanas ou desmatadas e que permitem moradias. A reforma agrária é uma das maiores polêmicas que existem porque ninguém quer perder a terra que possui e ninguém acha justo ter pago por um local para morar e depois ver outros ganhando de graça. Tem como fazer essa reforma de uma forma justa? Claro que tem! O que não existe é interesse.

O problema não está entre quem tem e quem não tem. O problema está em quem governa e, em última instância, tem a posse dos terrenos de um país. Ou seja, falta motivação política. O que temos que fazer é parar de existir enfrentamento entre os cidadãos e os dois grupos se juntarem contra os governantes. Solução existe, mas é mais fácil para eles apontarem os cidadãos com ou sem terras como os culpados. A polarização sempre serve como cortina de fumaça para esconder os verdadeiros culpados, e ninguém consegue entender isso.

Shape-Shifters (Metamorfos): Soldados são como Cachorros

Nessa realidade, existem lobisomens. E eles sofrem discriminação dos humanos “normais”. Acompanhamos dois deles que são soldados americanos em missão no Afeganistão. Lá, são sempre eles que partem para os confrontos diretos, servindo como armas. Acontece que o quartel é atacado por lobisomens do Talibã e vários americanos morrem, e um dos lobisomens americanos fica gravemente ferido. O comandante culpa a existência dos lobisomens e manda o que estava bem resolver o problema. Ele vai e vence o inimigo. O episódio acaba com ele pegando a plaquinha de identificação do amigo que morreu, que é conhecida como dog tag (literalmente, etiqueta de cachorro).

Esse episódio nos leva a refletir sobre o tratamento desumano pelo qual passam os soldados. E isso não é só nos EUA. Ao longo da história da humanidade, de todos os lugares, acompanhamos relatos de guerra os quais mostram que os soldados só se dão mal. Eles são os que ganham menos, os que vão primeiro para o combate e, consequentemente, para a morte. Recebem treinamento precário, alimentação péssima. Todo o sacrifício deles é justificado pelo “bem do país”.

Lá nos EUA (provavelmente em outros lugares também) ainda tem o problema do serviço militar temporário. Muitas pessoas se alistam, servem o país, conseguem sobreviver e depois ficam desempregados porque o governo não lhes dão um serviço quando voltam ou uma aposentadoria descente. E, como vemos em muitos filmes e relatos, a guerra é algo traumatizante. Então não é tão simples voltar a uma vida normal para quem já combateu.

Resumindo: os soldados ou outro nome que se dê para as patentes mais baixas das forças armadas são como cachorros para essas forças. São animais descartáveis, que aceitam condições mínimas de vida, são fieis aos seus “donos” e, quando não são mais úteis, são descartados.

Existe no Brasil, ainda mais recentemente, um desgosto com os militares. Até vejo justificativa para isso, mas temos que lembrar que aqueles que “mexem os pauzinhos” são do alto escalão. A “ralé” sofre que nem todo trabalhador.

Helping Hand (Ajudinha): Deficiência Física e Lixo Espacial

Alexandria Stephens está em órbita, sozinha, concertando um satélite. Um parafuso de lixo espacial a acerta e ela perde sua conexão com a nave, ficando à deriva. A única forma que ela encontra de voltar é sacrificando um dos seus braços. Ela o deixa congelar, arranca-o e joga-o para ganhar impulso e voltar para a nave.

Esse episódio nos leva a refletir sobre deficiência física. Tenho certeza que todos gostariam de nascer com seus corpos perfeitos e permanecerem assim até morrerem. Mas nem sempre isso é possível. Nós olhamos para pessoas que possuem alguma deficiência física e falamos: “coitadas”. Realmente, não é a melhor coisa não ter um membro ou um dos sentidos em um mundo feito por e para pessoas sem deficiência.

O que não podemos perder de vista é que Alexandria tinha que fazer uma escolha. Era ficar sem o braço ou ficar sem a vida. Era uma parte ou tudo. Quando as coisas são postas desse jeito, a escolha se torna praticamente óbvia. E assim devemos pensar sobre quem tem deficiência: essa pessoa está viva e isso é o mais importante. Também assim devem se sentir quem possui alguma deficiência. Os que possuem deficiência devem ficar gratos por estarem vivos. E os que não possuem devem se esforçar para transformar a vida dos que possuem na mais normal possível.

Outra reflexão que fazemos com esse episódio é a questão do lixo espacial. Para quem não sabe, os milhares de satélites, foguetes e tudo o mais que é lançado no espaço fica lá depois que é inutilizado. Esses equipamentos se tornam lixos orbitando a Terra ou outros lugares do universo. Esse lixo já causou alguns acidentes reais e ainda será um grande problema para o nosso futuro, especialmente se ele for no espaço.

Novamente, repetimos o erro de sujar e estragar o ambiente que estamos colonizando. Levamos coisas que não são de lá e deixamos os restos jogados, espalhados, quando “saímos”. Tanta discussão em desenvolvimento sustentável na Terra e estamos emporcalhando o espaço. Se continuar assim, quando chegarmos lá, viveremos sobre o lixo!

Reflexão sobre Love, Death & Robots: Conclusão

Concluímos essa segunda parte da reflexão sobre Love, Death & Robots. Analisamos mais seis episódios dessa vez. Lembrando que a reflexão sobre os demais episódios podem ser encontrados na Parte I e na Parte III.

E aí? Qual dos episódios dessa parte da reflexão sobre Love, Death & Robots você gostou mais? Comenta! Conhece algum fã da série? Compartilha essa reflexão sobre Love, Death & Robots com ela! Quer sugerir algum tema para o blog? Entram em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.