Reflexão sobre Amor, Morte & Robôs: Parte IV (3ª Temporada)

Reflexão sobre Amor, Morte & Robôs: Parte IV (3ª Temporada)

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série animada Amor, Morte & Robôs (mais conhecida como Love, Death & Robots). Essa é uma série de animações em curta-metragem que trazem em seus temas amor, morte, robôs ou uma combinação desses três assuntos. Essa reflexão será dedicada à 3ª temporada da série. Se quiserem, podem ler primeiro a reflexão sobre a 1ª temporada: Parte I, Parte II e Parte III. Teremos spoilers de todos os episódios! Vamos lá!

Sobre Amor, Morte & Robôs

A série Amor, Morte & Robôs (mais conhecida como Love, Death & Robots) estreou em 2019 na Netflix. Atualmente, ela está na terceira temporada, lançada em 2022.

Cada episódio é independente, podendo ser aproveitado individualmente. As histórias são as mais diversas possíveis, mas sempre envolvem amor, morte ou robôs (às vezes, uma combinação desses elementos). Os estilos de animação também são variados porque são produzidos por estúdios e equipes diferentes.

A terceira temporada (base desse artigo), chamada “Volume III“, contém 9 episódios, os quais variam de 7 a 21 minutos.

Link para a série na Netflix: Amor, Morte & Robôs.

Reflexão sobre Amor, Morte & Robôs (COM Spoilers)

Three Robots: Exit Strategies (Os Três Robôs): A Desunião faz a Fraqueza

Esse episódio pode ser considerado uma continuação do episódio “Three Robots” da primeira temporada, apesar dele poder se visto independentemente. Agora, os três robôs exploram outros “sítios arqueológicos” da Terra na época em que existiam seres humanos. Dessa vez, eles encontram um acampamento na floresta em que alguns humanos tentaram viver isolados, uma plataforma em alto mar que parecia um resort de luxo para ricos, um bunker que abrigava políticos e uma base de lançamento de foguetes para Marte. Todos os locais com provas de fracasso na convivência. No final, descobre-se que um foguete foi lançado, só que o astronauta não era um humano, mas sim um gato! 

Esse episódio escracha completamente a idiotice humana a respeito da melhor forma de se viver (ou sobreviver). Basicamente, vemos aqui quatro níveis econômicos, um se achando melhor que o outro, mas que no final não adiantou de nada.

Na primeira parada, em um acampamento na floresta, é relatado que humanos “pobres” (na verdade, classe média porque pobre mesmo nem teria dinheiro pra montar esse acampamento ou comprar armas) achavam que poderiam viver da caça (como na era primitiva) e sem precisar dos auxílios do governo. Obviamente, esse é o pensamento da classe média porque tem um pouquinho de dinheiro para pagar um plano de saúde e uma escola particular e acha que todo seu dinheiro de impostos é gasto com os pobres e não com eles. Porém, esquecem que algumas ações são comuns a todos e que a falta de alguns serviços públicos provavelmente elevaria os custos desses mesmos serviços no particular (já que seria a única opção).

Na segunda parada, vemos uma crítica àqueles que acham que no futuro só precisaremos de pessoas capazes de criar / programar robôs porque todos os serviços teoricamente braçais poderão ser substituídos por máquinas. Realmente, os robôs estão conseguindo substituir diversos trabalhos mecânicos, mas existe um grande risco em confiarmos todo o conhecimento prático de algumas artes (como cozinhar) às máquinas. Da mesma forma, não podemos simplesmente ignorar todas as atividades básicas da vida acreditando que alguém vai fazê-las para mim (no episódio, a máquina se recusa a puxar a rede de pesca; na vida real, podemos pensar que existem pessoas que não sabem lavar suas roupas). Não é porque temos um tipo de aptidão diferenciada, que está mais “na moda” (como os programadores), que somos melhores que os outros. Tem espaço para todo mundo, somos nós que não queremos distribuir esse espaço para todos.

A rebelião das máquinas do episódio pode ser comparada com o fim da escravidão. De “uma hora para outra”, as pessoas tiveram que aprender a se virar e a respeitar a autonomia alheia, tratando aquele outro com dignidade. Sim, um dia pode ser que os robôs tenham sua dignidade e respeito garantido assim como um dia os escravos ganharam esse direito (no passado escravo não era “gente”, e no futuro, robô poderá virar “gente”…).

Na terceira parada, vimos que os líderes mundiais se isolaram ainda mais, em bunkers supostamente autossustentáveis, que lhes garantiriam sobrevivência por um bom tempo. Só que isso falhou. Da mesma forma, fica a crítica aos líderes que acham que são alguma coisa sem seus liderados. Um líder que acha que se basta sozinho está fadado ao fracasso. Curiosamente, no desespero, todos os líderes descobriram a verdadeira democracia, em que todos naquele momento são iguais porque um não é mais poderoso que o outro. Nessa hora, não existe ideologia, partido, promessa ou dinheiro para manipular. É tudo pela sobrevivência.

Na quarta parada, chegamos ao cúmulo do absurdo. Os 0,01% da população, os mais ricos de todos, criaram uma base de lançamento fortificada para irem colonizar Marte. O que eles pensavam dos demais 99,99% da população? Descartáveis! O desprezo é tanto que o dinheiro investido na construção da base, dos foguetes e das colônias marcianas poderia ter sido usada para preservar a vida na Terra para todos! O que eles fizeram adiantou de alguma coisa? Não! De alguma forma, eles não conseguiram escapar…

No final das contas, observamos que cada classe social ou econômica se acha melhor que as inferiores e a despreza como um problema. Porém, a desunião da humanidade resultará na própria destruição da humanidade. As grandes diferenciações que existem na espécie humana deveriam servir para nos unir (como pensava o sociólogo Émile Durkheim), mas fizemos delas justificativa para humilhar a uns e exaltar a outros.

Um dos robôs ia citar o filósofo Santayana, quando foi interrompido. Pesquisando, achei uma frase interessante desse filósofo: “Quem não recorda o passado, está condenado a repeti-lo”. Se pararmos para pensar, os robôs estão estudando um passado que na verdade será o nosso futuro se não fizermos nada para mudar o andamento das coisas. O que falta ainda para tomarmos vergonha na cara?

Bad Travelling (Viagem Ruim): O Marujo Maquiavélico

Um grupo de marinheiros são abordados por uma criatura monstruosa comedora de carne humana. Um deles é jogado ao monstro para “ver qual é” e ele faz um acordo com a criatura. A criatura quer ir para uma ilha populosa, mas esse marinheiro não quer colocar inocentes em perigo. Sozinho e de forma astuta, ele lida com todos os demais marujos para garantir que o monstro fracasse.

O filósofo Maquiavel dirá que um bom líder precisa saber lidar com os acontecimentos da vida, sejam eles bons ou ruins. Torrin, nosso protagonista, foi empurrado injustamente para a criatura, mas foi astuto o suficiente para fazer um acordo com ela. Depois, usou de diversas artimanhas para garantir que sua liderança fosse respeitada  e deu cabo daqueles que se rebelaram. Além disso, garantiu que sua vontade fosse cumprida até o final.

Se você fosse um morado da ilha Phaiden, você ficaria agradecido pela atitude de Torrin. Porém, o caminho que ele utilizou não foi o democrático nem o ético. Se dependesse disso, o monstro teria chegado até a ilha já que a maioria dos marujos preferia fazer a vontade do monstro. Da mesma forma, Maquiavel defendia que, para o bem geral do povo, era válido que o governante fosse autoritário e tomasse atitudes consideradas antiéticas. Liderar nunca é uma tarefa fácil para o líder.

Outro ponto interessante desse episódio é ver como a astúcia ganhou da força e da quantidade. Torrin foi jogado ao monstro pelo marujo mais forte, que usou da sua força para roubar no jogo do palitinho. Porém, a astúcia de Torrin o tornou o marujo mais respeitado pelo monstro. Depois que Torrin viu que seu plano não foi escolhido pela maioria, usou do segredo da votação para enganar os demais a seguirem suas ordens. Quando sentiu que seria atacado pela maioria, fez uma armadilha para pegar seus algozes. Dessa forma, Torrin mostra que a astúcia pode ser mais importante que a força bruta ou a força numérica, se bem empregada.

The Very Pulse of the Machine (O Mesmo Pulso da Máquina): O Complicado Conceito de Vida

A astronauta Martha Kievelson está em uma lua de Júpiter chamada Io com uma companheira de exploração. O carro sofre um dano crítico muito longe da base. Só Martha sobrevive, mas precisa arrastar o corpo da amiga para usar sua reserva de oxigênio. Machucada, ela se injeta drogas que podem causar alucinação e de fato elas ocorrem. Em certo momento, a própria lua começa a falar com Martha através do corpo morto que ainda teria leve atividade cerebral. Io diz que toda a sua estrutura elementar, seu posicionamento gravitacional e tudo o mais a transformam em uma máquina. Martha recebe a oferta de Io para se fundir a ela, perdendo o corpo, mas possivelmente preservando a mente. Martha aceita, não sabendo se viverá eternamente ou se teve seu último sonho antes de morrer.

O que define viver? Essa já não é uma pergunta fácil de responder. Na verdade, nunca foi.

Vários filósofos (como Platão) e religiões (como o cristianismo e o espiritismo) defendem a existência de uma alma que transcende o corpo (ou seja, continuam existindo independentemente do corpo humano) e é nela que está a essência do ser humano.

A ciência não aceita o conceito de alma espiritual, mas aceita a existência da mente humana (que é algo imaterial pois não se confunde com o cérebro humano). Dessa constatação, discute-se se a essência humana não poderia ser exatamente essa mente, e não o corpo físico.

Essa mesma ciência tem criado Inteligências Artificiais que se pretendem, num futuro, agir de forma autônoma, habitando o ciberespaço ou máquinas.

Com tudo isso, vislumbra-se a possibilidade de se fazer um upload da mente de uma pessoa em uma máquina ou em um ambiente virtual e eternizá-la, pois essa mente não dependeria mais de funções biológicas para continuar existindo e evoluindo.

É mais ou menos essa reflexão que esse episódio se propõe a fazer. Se, ao se entregar à lua Io, Martha viveria eternamente no planeta ou deixaria de existir.

O título do episódio, que também é uma citação de um poema de William Wordsworth, tenta trazer à tona uma reflexão sobre se uma máquina pode estar viva já que Io se propõe ser uma máquina e é capaz de interagir com Martha. Se uma máquina pulsa do seu jeito, assim como o sangue pulsa no ser humano, a máquina está viva assim como está o ser humano!

Porém, eu vou além e compreendo que Io é um corpo natural, composto de elementos naturais os quais combinados permitiram essa comunicação com Martha. A comunicação só foi estabelecida por intermédio da amiga morta, mas Io sempre esteve “viva”. Da mesma forma, podemos entender que a Terra (nosso planeta) também é um ser vivo que tem suas regras de funcionamento e fala do seu jeito com os seres humanos.

Descartes, em sua antropologia, defendia que o ser humano é como uma máquina biológica! E se somos máquinas naturais e estamos vivos, os planetas e demais corpos celestes também podem ser considerados seres vivos pois são máquinas naturais ao seu jeito (como a lua Io)? E as máquinas artificiais também poderiam ser consideradas seres vivos já que são feitas, no final das contas, com elementos extraídos da natureza? Ao que parece, tudo é máquina! Tudo é máquina porque máquina é a forma como os seres interagem com o mundo exterior a eles. 

Também relembro Io dizendo a Martha que seu propósito de existir era conhece-la. Nós, seres humanos, desejamos naturalmente o conhecimento (como dizia Aristóteles). Fazendo um paralelo, podemos dizer que somos máquinas naturais fabricadas para conhecer, assim como as máquinas artificiais estão revolucionando por suas capacidades de armazenar e produzir conhecimento sobre tudo.

No final, o que importa é se os seres ainda pulsam, ou seja, se emitem uma “vontade de viver”, em estar presente e atuante na existência daquele momento. Não importa mais se isso é feito através de corpos físicos, mentes artificiais ou até mesmo almas espirituais. O que importa é pulsar.

Reflexão sobre Amor, Morte & Robôs: Conclusão

Chegamos ao fim da quarta parte dessa reflexão sobre Amor, Morte & Robôs. Analisamos, até aqui, três episódios da terceira temporada. Continuaremos as reflexões dos demais episódios na Parte V e Parte VI. Espero que tenham gostado dessas reflexões sobre essas incríveis animações.

E aí? Curtiu essa reflexão sobre Amor, Morte & Robôs? Compartilha! Tem algo a acrescentar a essa reflexão sobre Amor, Morte & Robôs? Comenta! Alguma sugestão para outras reflexões? Entra em contato!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.