Utopia Renascentista Descomplicada: Política Renascentista

Utopia Renascentista Descomplicada: Política Renascentista

Olá, marujos! Hoje, explicaremos a utopia renascentista de uma forma descomplicada. Definiremos o termo, daremos as principais características dessa corrente filosófica e apresentaremos os principais filósofos e suas obras com esse conceito. Vamos lá!

Utopia Renascentista Descomplicada: Etimologia e Uso do Termo

Utopia foi um palavra inventada pelo filósofo Thomas More em 1516, dentro do período conhecido como Filosofia Renascentista.

Ela é composta pela justaposição (combinação sem perda) de duas palavras gregas: οὐ (não) e τόπος (lugar). Dessa forma, utopia significa “não lugar” ou “lugar que não existe”.

O termo utopia servia originalmente para descrever um lugar fictício. Porém, com o passar dos anos, a palavra começou a ser utilizada para descrever uma sociedade fictícia perfeita.

No dia a dia, a palavra utopia muitas vezes é usada para se referir a um ideal inalcançável.

Utopia Renascentista Descomplicada: Principais Características

A Utopia Renascentista pode ser considerada uma corrente filosófica da área da política, em que os filósofos descrevem sociedades perfeitas.

Em suas teorias utopistas, os filósofos tanto apontam críticas àquilo que eles consideram errado em suas sociedades atuais quanto apresentam sugestões de mudanças que, em suas concepções, permitiriam o surgimento de sociedades melhores.

Como curiosidade, vale destacar que, etimologicamente, o neologismo utopia se assemelha ao neologismo eutopia (formado pelas palavras εὖ e τόπος) que significa “bom lugar”. Essa semelhança não foi por acaso pois o própria Thomas More, criador do neologismo, apresentou essa similitude para reforçar que o seu “não lugar” tinha a intenção de ser um “bom lugar”.

Em comum, as teorias utopistas colocarão a razão como principal característica proporcionadora dessa sociedade perfeita. Logo, percebemos que os filósofos utopistas sempre viam a razão bem empregada como meio para se conquistar uma sociedade ideal.

Qualquer semelhança com a Política de Platão não é mera coincidência. Muitos consideram o livro República de Platão como a primeira obra utopista porque esse filósofo descrevia como poderíamos alcançar uma sociedade ideal ao colocar como líderes dessa sociedade filósofos que – por conhecerem as ideias de verdade, bem e justiça – saberiam governar a todos sabiamente, levando aquela sociedade à prosperidade.

A segunda grande característica das utopias renascentistas é que todo o sucesso da sociedade de deveu apenas aos seres humanos, que souberam se organizar racionalmente e por fim a todos os problemas sociais. Essa característica é muito pertinente tendo em vista que o renascimento se destaca como um período de revalorização do ser humano, através do chamado Humanismo Renascentista.

Além disso, as sociedades utópicas são extremamente organizadas, com cada um sabendo a sua função e a executando com maestria. Logo, percebemos que os filósofos utopistas compreendem a necessidade de todos os cidadãos se engajarem socialmente para que se alcance a felicidade coletiva.

Outro ponto de destaque é que ninguém se sente sobrecarregado nos seus afazeres, sobrando tempo suficiente para todos poderem aproveitar seu tempo livre, que geralmente é gasto com artes e estudos. Logo, o excesso de trabalho pode ser considerado um fator de instabilidade social.

Obviamente, praticamente não existem crimes nas sociedades utópicas. Isso demonstra que a maioria das atitudes antiéticas só se manifestam quando indivíduos de uma sociedade se sentem injustiçados e reagem de modo violento. Como isso, vemos que os filósofos utopistas consideram a justiça como uma das principais virtudes para se obter a paz interna de uma sociedade.

Utopia Renascentista Descomplicada: Principais Filósofos e suas Obras Utópicas

Thomas More (1478-1535) e o Livro Utopia (1516)

Thomas More (às vezes chamado de Thomas Morus) nasceu em 7 de fevereiro de 1478 na cidade de Londres, Inglaterra. Thomas era de uma família a qual podemos considerar classe média (em suas palavras, honrada mas não famosa). Seu pai era um advogado que depois se tornou juiz. Thomas recebeu uma educação humanista, mas foi obrigado pelo pai a deixá-la e se dedicar ao direito. Em 1504, More entrou na vida política e foi conquistando vários cargos de confiança devido a sua eficiência. Foi casado duas vezes (por falecimento da primeira esposa) e teve quatro filhos. Ele era católico e crítico da reforma protestante que ocorria na época. More caiu em desgraça quando se recusou a fazer um juramento que reconhecia o rei da Inglaterra como Chefe Supremo da Igreja (pela ocasião do surgimento da Igreja Anglicana). Thomas foi acusado de traição e considerado culpado, recebendo a pena de morte. Ele foi decapitado aos 57 anos em 6 de julho de 1535.

O livro Utopia (cujo nome completo é Um pequeno livro verdadeiramente dourado, não menos benéfico que entretedor, do melhor estado de uma república e da nova ilha Utopia) foi publicado em 1516. Esse livro não é feito em forma de dissertação, mas em forma de literatura. Nele, é narrada a história do marinheiro português Rafael Hitlodeu, o qual descobriu a ilha de Utopia nas terras do novo mundo. O livro se divide em duas partes. Na primeira, em forma de diálogos, é feita uma crítica à Inglaterra, mostrando que ela é uma terra de injustiças e desigualdade social, que possui uma realeza belicosa e gananciosa, a qual oprime o povo miserável através do trabalho incessante para sustentar gastos desnecessários e uma corte ociosa, e onde ocorre perseguição religiosa. Na segunda parte, temos o relato de Rafael, que seria um dos marinheiros que ficaram no Brasil, na viagem de Américo Vespúcio. Rafael teria viajado sozinho um pouco mais e encontrado essa ilha de Utopia. Nessa ilha, o regente é escolhido através de votação secreta indireta e tem um cargo vitalício, mas podendo ser deposto se agir como tirano (nisso, já vemos uma diferenciação com a Inglaterra pois em Utopia o povo escolhe indiretamente o seu rei e ainda pode depô-lo se for necessário); não existe propriedade privada (os bens comuns ficam em um armazém e os moradores trocam de casas de 10 em 10 anos); a agricultura é a principal atividade (valorização do trabalho no campo); todos precisam trabalhar (sem ociosidade e desemprego) e não existe distinção entre homens e mulheres (igualdade de gênero); a jornada de trabalho é menor, sobrando mais tempo para outros estudos; os sábios fazem as funções de líderes políticos e espirituais; existem escravos (estrangeiros ou prisioneiros de Utopia), mas não são maltratados; não existem advogados porque a lei é simples o suficiente para todos entenderem; existe saúde pública; todos comem a mesma coisa e não existe riqueza nem ostentação de luxos (como roupas finas e joias); existem diversos cultos religiosos e todos são tolerados; todos possuem formação militar, mas resistem ao máximo a entrarem em qualquer conflito (priorização da paz); e, por fim, não existe privacidade (todos precisam se comportar bem e ter uma vida pública).

Tommaso Campanella (1568-1639) e o Livro A Cidade do Sol (1602)

Tommaso Campanella nasceu em 5 de setembro de 1568 na cidade de Stilo, Itália. Ele era de família pobre e ficava na janela da escola para ouvir as lições dos professores. Aos quatorze anos, resolveu entrar na ordem dominicana (mais para fugir da miséria do que por vocação). Tommaso se dedicou ao estudo e buscou aprender de tudo, indo além do ensino escolástico da época. Por defender filosofias diferentes das aceitas pela Igreja, ele foi por várias vezes condenado à prisão. Mesmo após cumprir suas penas, ainda era perseguido. Por isso, refugiou-se em Paris e lá permaneceu até sua morte aos 70 anos em 21 de maio de 1639.

O livro A Cidade do Sol foi publicado em 1602. Ele é um diálogo entre um cavaleiro e um marinheiro. Nessa conversa, o marinheiro diz ter encontrado uma cidade com leis e costumes perfeitos em uma ilha (que hoje é o Sri Lanka). Essa cidade é governada por um príncipe-sacerdote que precisa ter como atributos a erudição, conhecimento teórico e prático, criatividade e sabedoria e possuir mais de 35 anos para ter experiência de vida (mostrando a necessidade da primazia da razão teórica e prática no governante); o governante é auxiliado por três outros príncipes que são especialistas nas ciências, na guerra/paz e no amor; a cidade é fortificada com seis muralhas de proteção em formato de círculos e neles estão talhados os conhecimentos da humanidade, como a matemática, a biologia e as artes (mostrando que a obtenção do conhecimento fortalece as sociedades); a religião é única e se assemelha ao cristianismo, mas exalta outras figuras como Osíris, Zeus e Maomé além de aceitar a astrologia (sendo uma defesa do sincretismo religioso); as crianças começam a sua educação aos três anos e aprendem de forma lúdica (igualdade educacional); todos devem trabalhar, mas só trabalham por quatro horas já que o trabalho é dividido igualmente (igualdade laboral); o tempo livre é dedicado a atividades lúdicas que também proporcionam algum tipo de conhecimento (ócio criativo); cada cidadão é escolhido para trabalhar com base na sua virtude (trabalho segundo as próprias qualidades); não existem bens privados, sendo tudo compartilhado entre as pessoas (crítica à propriedade privada); os que não cumprem a lei são isolados em uma torre (mas não sofrem punições); seus membros nunca experimentaram a violência e a fome (demonstrando que tinham atingido a perfeição social).

Francis Bacon (1561-1626) e o Livro Nova Atlântida (1626)

Francis Bacon nasceu em 22 de janeiro de 1561 na cidade de Londres, Inglaterra. Era de uma família de alta classe política e começou sua educação em casa, indo para a escola aos doze anos. Aos quinze anos, viajou com o embaixador inglês e passou por vários países, adquirindo muita cultura enquanto trabalhava em burocracias diplomáticas. Aos vinte anos, tornou-se parlamentar. Sua habilidade lhe permitiu galgar vários postos dentro da hierarquia política, chegando a ser procurador-geral e possuindo influência sobre o rei ao ponto de receber um título de nobreza. Porém, foi acusado de corrupção e teve que se afastar da vida pública. Ele morreu aos 65 anos de pneumonia (provavelmente porque saiu na neve para fazer um experimento científico com ela) em 9 de abril de 1626 na cidade de Londres, Inglaterra.

O livro Nova Atlântida é um romance incompleto publicado postumamente em 1626. A história narra a evolução de uma ilha chamada Bensalém, a qual fica perto do Peru, descoberta sem querer por navegadores europeus. A principal construção dessa ilha é a Casa de Salomão, que seria uma espécie de universidade onde se produz ciência e parece ser a responsável pelo governo da ilha (com isso, vemos a primazia da Ciência para a condução da sociedade à perfeição); também é dito que o Estado financia e apoia as decisões da Casa de Salomão (indicando que o Estado deveria se subordinar e apoiar à Ciência); a Casa de Salomão teria a autoridade divina para investigar a criação de Deus e encontrar seus segredos, podendo definir o que seria milagre e o que seria algo natural (defesa da tolerância religiosa nos estudos científicos); a Casa de Salomão tinha um método próprio para investigação da natureza (defesa do método empírico de Bacon como correto método científico); a religião praticada é semelhante ao cristianismo; a sociedade é descrita como moral, honesta, piedosa e casta (muitas elogios são feitos à castidade e críticas a falta da sua prática – provavelmente sendo considerado um problema social sério para o filósofo).

Utopia Renascentista Descomplicada: Ensinando esse Conteúdo

Caso precise ensinar esse conteúdo em sala de aula e queira fazer alguma coisa diferente, recomendo a leitura do artigo: Utopistas através da Música.

Utopia Renascentista Descomplicada: Principais Obras e Comentário

          

Utopia Renascentista Descomplicada: Conclusão

Será que um dia conseguiremos fundar uma sociedade perfeita? Acho que não. Mas o fato de não conseguir não significa que não podemos tentar. Acredito que essa seja a maior contribuição das utopias renascentistas: mostrar possibilidades para que possamos nos inspirar e buscar alcançar esse objetivo utópico. Através dessas narrativas, podemos sonhar com um futuro, vendo aonde podemos melhorar e tentar construir algo bom para todos, mesmo que seja difícil. 

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

WIKIPÉDIA. Verbetes Utopia (português, inglês, japonês e catalão), Thomas More (português e inglês), Utopia [livro], Tommaso Campanella, La città del sole, Francis Bacon, Nova Atlântida (português e inglês).

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.