Reflexão sobre WandaVision: Amor, Ilusão e Metafísica

Reflexão sobre WandaVision: Amor, Ilusão e Metafísica

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série WandaVision da Disney+. Na série, acompanhamos os vingadores Wanda e Visão vivendo uma vida normal de casados, mas parecendo que estão dentro de uma série de televisão americana. Na reflexão, irei abordar três temas que se destacaram na série: amor, ilusão e metafísica. Tanto a parte sobre a série como a reflexão estão cheios de spoilers, inclusive do final. Fiquem avisados desde já caso queiram ler a reflexão antes de terminar a série. Vamos lá!

Sobre WandaVision (COM Spoilers)

WandaVision é uma série que estreou esse ano (2021) na Disney+. É a primeira aposta da Marvel com séries próprias, que dialogam com os filmes e todo o Universo Cinematográfico da Marvel (UCM ou MCU na sigla em inglês). Ela é uma série fechada, de apenas uma temporada (pelo menos, é o que foi decido até o momento).

A série começa com Wanda (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany) vivendo uma vida pacata em um subúrbio americano.

O estranhamento é que:

  1. O Visão foi morto / destruído por Thanos (Josh Brolin) nos acontecimentos de Vingadores: Guerra Infinita;
  2. Os personagens parecem não lembrar de nada do que aconteceu;
  3. Eles estão em um ambiente preto e branco;
  4. Eles se comportam como personagens de uma típica série de TV americana dos anos 60 / 70 / 80…

Enquanto acompanhamos o casal tentando levar uma vida normal, sendo que eles são super-heróis com aparência e poderes fora do normal, vemos que existe uma movimentação externa à cidade em que Wanda e Visão vivem.

Alguns episódios depois, descobrimos toda o mistério: Wanda quis resgatar o corpo do Visão para enterrá-lo. Ela não recebeu autorização para isso e ficou emocionalmente abalada. Para piorar, ela encontrou a escritura de um terreno em uma cidadezinha pequena que Visão tinha comprado para os dois viverem em paz.

Tudo isso desencadeou uma explosão de poder telecinético de Wanda, que se utilizou da cidade existe, seus moradores e de resquícios da joia da mente que ela havia tocado a muito tempo atrás para criar um mundinho paralelo, em que ela conseguiria realizar todos os sonhos que tinha feito com Visão antes de Thanos aparecer.

No decorrer da série, descobrimos que além da E.S.P.A.D.A. querer neutralizar a Wanda, existe uma bruxa chamada Agnes (Kathryn Hahn) que quer absorver o poder de Wanda e se tornar a maior das bruxas.

Wanda terá que encarar esses dois problemas e decidir se continua ou não com seu mundo perfeito (mesmo que ilusório).

Reflexão sobre WandaVision: Tudo por Amor

Antes de discutir se foi certo ou errado o que Wanda fez, temos que deixar claro que foi por amor. Era um momento de luto recente (devemos lembrar que Wanda foi desintegrada no estalo de Thanos e só voltou na hora do combate final), tendo-se passado apenas três semanas entre a batalha final e os acontecimentos da série. Ela teve que matar o Visão para impedir Thanos de pegar a última joia e depois viu Thanos voltar o tempo e ele mesmo matar o Visão para tirar a joia dele.

É muita coisa em tão pouco tempo. Podemos dizer que Wanda teve uma crise psicológica / de estresse / de depressão, fato que ocorre com muitas pessoas. O problema é que ela é superpoderosa e as consequências da sua crise afetaram muito mais pessoas do que se fosse alguém normal.

Foi interessante ouvir da capitã Monica Rambeau (Teyonah Parris), a qual perdeu a mãe durante o período em Mônica estava dentro da joia da alma, que ela entendia Wanda e teria feito o mesmo para ver a mãe novamente.

Isso mostra que todos nós temos potencial para fazer loucuras por quem amamos. É da nossa natureza. Santo Agostinho vai definir o amor como a vontade em ato, ou seja, nós só agimos quando amamos algo ou alguém. Amor é a nossa vontade de se conectar com a coisa que desejamos. Quanto mais amamos algo ou alguém, mais capazes de loucura somos.

Claro que isso o que Wanda fez não estava certo. Não estava certo porque ela, para tornar seu sonho realidade, acabou escravizando mentalmente uma cidade inteira (mesmo que, em um primeiro momento, inconscientemente). Ainda citando Agostinho, o filósofo dirá que a vida ética está em amar da forma correta e adequada as pessoas e as coisas. E, no caso da série, Wanda deveria ter respeitado a liberdade dos demais cidadãos de Westview. Ela deveria ter amado a liberdade das demais pessoas acima do seu amor por um ente querido falecido.

E porque essa é a forma correta de amar? Porque, segundo o bispo de Hipona, todos os seres humanos possuem a mesma dignidade por terem sido criados à imagem e semelhança de Deus. E, só para deixar claro, não estou aqui menosprezando o Visão por ele não ser humano. Mesmo que ele fosse humano, ele não poderia ser mais importante que todos os demais cidadãos.

Ainda bem que, no final, Wanda percebeu isso e libertou todas as pessoas. Teria sido menos problemático se ela tivesse criado essa ilusão apenas para ela e o Visão, se tivessem construído a casa dos sonhos deles e nunca saíssem de lá. Imagino que, dessa forma, pelo menos a E.S.P.A.D.A. não iria perturbá-los.

Reflexão sobre WandaVision: Mais Vale uma Ilusão Feliz ou uma Realidade Triste?

Essa é uma discussão que já foi feita no filme nerd Matrix e que eu defendi, em um artigo sobre ele, a vida ilusória.

Nessa reflexão sobre WandaVision, para balancear, defenderei a realidade. Não porque acho a melhor escolha nesse caso, mas para mostrar que não existe resposta certa nesses casos.

Na verdade, existe sim uma resposta certa, objetiva, que seria defender a realidade. Mas, se a vida fosse assim, ninguém iria criar artes, inventar sonhos, fazer planos mirabolantes para o futuro.

A realidade é muito cruel porque ela nunca é aquilo que esperamos. Talvez, esse seja o grande erro: criar expectativas. É por isso que os filósofos helênicos defendiam a imperturbabilidade da alma: não deixe nada te abalar, nem por ser algo bom, nem por ser algo ruim; viva uma vida serena sem desejar nada, apenas viver dia após dia.

Só que, infelizmente, não conseguimos isso. Estamos a todo o momento fazendo planos e comparando nossas vidas com as dos outros. E como “a grama do vizinho sempre é mais verde”, sempre estamos incomodados porque parece que nossas vidas são uma merda… E, às vezes, é mesmo. Infelizmente.

O que fazer, então? Viver uma ilusão ou superar o drama e encarar o problema de frente? O melhor sempre será encarar o problema, buscar solucioná-lo e melhorar a vida que você leva. Tentar, na realidade, viver aquilo que se sonha.

Escapar da realidade sempre é o caminho mais fácil, mas nunca é o melhor. A ilusão não deixa de ser uma mentira: a mentira de uma realidade falsa. E, como todos sabem, sustentar uma mentira sempre é mais difícil e uma hora ela vai, inevitavelmente, ruir. A verdade sempre prevalecerá no final. A realidade sempre irá se impor no final. Não tem jeito.

É melhor sofrer no começo, encarando a realidade desde o seu início do que começar a inventar fugas, ilusões. É difícil? Com certeza! É possível vencer? Com certeza!

No caso da série, Wanda perdeu seu grande amor. Na vida real, todos conhecemos alguém que sofreu e ainda sofre a perda de alguém querido. Mas um dia essa dor passa e fica a saudade em vez da tristeza. “Saudade sim, tristeza não” costuma dizer o Padre Marcelo Rossi nas missas de Finados (pelas almas dos fiéis defuntos).

Sabemos que Wanda conseguiu entender isso e encerrou a ilusão de Westview. O problema é que, ao que parece, ela entrou em outra jornada que pode levá-la à realidades paralelas e, possivelmente, outras formas ilusórias de fugir da sua dor. Pobre Wanda… Prova de que a teoria é muito mais fácil do que a prática.

Reflexão sobre WandaVision: Quem é o verdadeiro Visão?

Continuando essa reflexão sobre WandaVision, podemos dizer que o momento mais explicitamente filosófico da série, quiçá do Universo Cinematográfico da Marvel, foi o diálogo metafísico entre o Visão ilusão e o Visão branco: ambos o Visão verdadeiro e não verdadeiro ao mesmo tempo.

Na série, é citado o paradoxo do navio de Teseu. Ela diz o seguinte: o navio de Teseu, que voltou para Atenas depois da vitória de Teseu sobre o Minotauro, foi exposto em um museu por vários anos, como recordação desse grande feito. Acontece que, ao longo dos anos, as tábuas que o compunham iam apodrecendo e sendo trocadas por novas. A questão é: depois de trocadas todas as tábuas, aquele objeto ainda é o Navio de Teseu? Ou agora é uma cópia idêntica daquilo que foi um dia o navio de Teseu?

Basicamente, o que temos aqui é uma discussão filosófica sobre identidade que é a seguinte: como saber se uma coisa é igual a si mesma depois que ela passa por uma série de transformações? Essa discussão remonta aos pré-socráticos Heráclito e Parmênides e recebeu uma série de interpretações, debates e possíveis soluções ao longo da história.

Para deixar o debate mais próximo de nós, pense o seguinte: você, caro leitor, já mudou muito ao longo da sua existência. Desde a aparência (já foi um bebê, uma criança, hoje é um jovem / adulto / idoso) até o modo de pensar (pense em quantas coisas você acreditava / defendia e hoje não acredita / defende mais). Em um certo sentido, podemos dizer que você não é mais o mesmo de antigamente. Ao mesmo tempo, podemos dizer que você ainda é o mesmo bebezinho no colo da sua mãe no dia do parto. É essa a discussão que está em jogo.

São muitas as teorias existentes para solucionar esse problema. O campo filosófico que discute isso é a metafísica, em que a principal questão diz respeito ao ser: O que é alguma coisa? Qual a essência de alguma coisa? O que faz uma coisa ser uma coisa e não ser outra coisa?

Se você quiser ler algumas respostas clássicas, deixo aqui os links para artigos de filosofia descomplicada que escrevi sobre esse tema, com as soluções de Platão e Aristóteles: A Teoria das Ideias Descomplicada: Metafísica de Platão, Metafísica de Aristóteles Descomplicada, Conceito de Substância Descomplicado: Metafísica de Aristóteles, e Teoria das Quatro Causas Descomplicada: Metafísica de Aristóteles.

Utilizando da filosofia para responder ao dilema posto entre os dois Visões, podemos dizer, como disse no começo, que ambos são e não são o Visão original. O Visão ilusão tem todas as características emocionais e as lembranças do Visão original, mas não tem o corpo material. O Visão branco tem o corpo do original (mesmo que levemente modificado), mas não tem as características emocionais e as lembranças do Visão original.

O Visão ilusão “resolve” esse problema reativando a memória adormecida no Visão branco transformando-o, assim, no que seria o Visão original porque o Visão branco agora teria o corpo original e o as memórias e emoções do originais. Só que, se pararmos para pensar, isso não é tão simples.

Se assim fosse, a cena pós-crédito mostraria o Wanda e Visão branco vivendo felizes na cabana. Só que o Visão branco desapareceu e Wanda está com outros planos.

Se imaginarmos uma cena do Visão branco chegando para a Wanda falando “Querida, sou eu!”, dificilmente Wanda aceitaria aquele novo ser como o seu Visão. Porque, metafisicamente falando, sempre existe algo que não “bate”, algo que não cria a mesma relação.

Isso é muito comum em casos, por exemplo, de pessoas que passaram por comas longos ou traumas de guerra. Ainda é a mesma pessoa, mas algo lá no fundo diz que não é a mesma pessoa. É aquela clássica fala: “Você não é a pessoa por quem me apaixonei”.

Dito isso, acredito que todos nós mudamos e não somos o mesmos, mas como a mudança é gradual, nós e as pessoas ao nosso arredor, sempre vão se acostumando com essas mudanças e parece, no final, que sempre fomos a mesma pessoa, ou temos algo que permaneceu.

O que acontece, de fato, é que nós nos “reapaixonamos” constantemente por nós mesmos e pelas pessoas que amamos, sempre nos adaptando às mudanças do outro e de nós mesmos.

Por fim, defendo a teoria de que Visão e Wanda irão se reencontrar e, provavelmente, se apaixonarem. Só que será um casal novo: será a Feiticeira Escarlate e o Visão Branco, quase como reencarnações de dois antigos apaixonados, duas novas pessoas que guardam em seus passados resquícios de um feliz casal chamado Wanda e Visão.

Conclusão

No final dessa reflexão sobre WandaVision, podemos perceber como o amor é forte, mas que sozinho não resolve todos os problemas. A realidade quase nunca é a melhor coisa, mas sempre é preferível a uma ilusão. Por fim, existe um dilema em tudo o que existe, pois tudo muda e ainda é a mesma coisa. Cabe a nós buscarmos sempre o “reapaixonamento” por nós mesmos e pelas demais pessoas que gostamos.

E aí? O que achou dessa reflexão sobre WandaVision e da série? Deixa seu comentário abaixo! Conhece algum fã da série ou do MCU? Compartilha essa reflexão sobre WandaVision com ele! Gostaria de reflexões nerds sobre outros filmes da Marvel? Entre em contato dizendo qual você quer!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.