Dialética do Senhor e do Escravo Descomplicada: Um Conceito de Hegel

Dialética do Senhor e do Escravo Descomplicada: Um Conceito de Hegel

Olá, marujos! Hoje explicarei a dialética do senhor do escravo de Hegel de uma forma descomplicada. Primeiramente, relembrarei quem é Hegel e seu conceito de dialética. Depois, explicarei a dinâmica entre o senhor e o escravo tanto no campo do trabalho (material), quanto no campo das consciências (ideias). Buscarei ser o mais didático possível dentro daquilo que Hegel permite ser. Usarei alguns exemplos práticos para tentar simplificar o entendimento desse conceito. Vamos lá!

Sobre Hegel

Hegel (1770-1831) é um filósofo alemão conhecido como o maior expoente da corrente filosófica denominada Idealismo Alemão.

Ele buscou, na sua proposta filosófica, criar um sistema que conseguisse compreender o absoluto (o saber absoluto).

Filósofo de difícil compreensão e texto truncado, inspirou diversos filósofos posteriores, com pensadores defendendo o seu trabalho, criticando-o ou reinterpretando-o.

Para saber mais sobre Hegel e suas principais teorias filosóficas, recomendo a leitura do artigo: Hegel Descomplicado: Biografia e Filosofia.

Sobre a Dialética Hegeliana

Hegel defende que a História avança através de um processo dialético. Esse processo se dá através da Tese, da Antítese e da Síntese.

A tese é a afirmação, é aquilo que está dado, a ideia vigente. A antítese seria a negação dessa tese, seu oposto.

A síntese, por sua vez, seria a superação (suprassunção no termo técnico de Hegel) da tese e da antítese na criação de uma ideia totalmente nova, que abarcasse a antiga tese e antítese, sem afirmá-las nem as negar.

Essa síntese se tornaria a nova ideia vigente, assumindo, consequentemente, a posição de uma tese. E o processo recomeçaria.

Dialética do Senhor e do Escravo Descomplicada: Libertação pelo Trabalho

Para entender a proposta de Hegel, vamos assumir aqui dois personagens: João e Pedro. João é o senhor, dono de escravos; Pedro é um dos escravos de João.

Em um primeiro momento, existe uma relação de dominação de João sobre Pedro. A princípio, consideramos que João é alguém livre, dono de si mesmo; e Pedro é uma coisa, uma propriedade de João, prisioneiro.

Contudo, Hegel vai dizer que, para João se sentir senhor de Pedro, João precisa enxergar Pedro como alguém capaz de compreendê-lo, dando-lhe, dessa forma, uma autonomia de pensamento. Ou seja, para que João exerça seu domínio sobre Pedro, João precisa que Pedro se reconheça como alguém dominado.

Fora algumas exceções, ninguém costuma conversar com uma árvore tentando convencê-la de dar frutos na hora que você quer. Isso não acontece porque não atribuímos consciência a uma árvore, enxergando-a somente como uma coisa. O mesmo acontece com qualquer ferramenta: ninguém pede para o seu martelo começar a martelar os pregos sozinho…

Quando o senhor exige reconhecimento de dominação ao escravo, ele, sem perceber, começou a tratar o escravo como alguém e não mais como coisa.

Do outro lado, Pedro, o escravo, vai perceber que deixou de ser tratado como coisa e passou a ser tratado como alguém que deve obedecer. A partir desse momento, ele já ganha uma certa autonomia.

A autonomia do escravo se concretiza na execução do seu trabalho. Motivo: o senhor não sabe executar o trabalho, apenas o escravo sabe executar o trabalho.

Dessa forma, o escravo compreende que sem ele, o senhor não faz nada. O trabalho só existe porque é o escravo que o faz. Logo, existe, na prática, uma dependência do senhor para com o escravo.

Seguindo a dialética hegeliana, temos:

O senhor exerce seu poder de dominação sobre o escravo (tese);

O escravo exerce sua autonomia de se sentir dominado (antítese).

Como eu disse no tópico anterior, a síntese supera a tese e a antítese, sem afirmá-las e sem negá-las. Sendo assim, teremos como síntese o seguinte:

O senhor domina (porque ele usufrui do fruto do trabalho do escravo e este lhe é obediente) e é dominado pelo escravo (porque se não fosse o trabalho do escravo, o senhor não teria como viver; e se não fosse a aceitação da dominação, o senhor não teria poder). Ao mesmo tempo, o escravo é dominado (porque aceita a dominação por parte do senhor e aceita trabalhar e dar os frutos do trabalho para ele) e domina seu senhor (porque o escravo sabe que somente ele sabe trabalhar e consegue, por isso, ser independente, e que sem ele o senhor não teria nada).

Diante disso, vocês podem se perguntar: “porque o escravo continua subserviente se é ele quem faz todo o trabalho?”. A resposta é que, na prática, o escravo não consegue a libertação por causa de outros fatores externos ao trabalho em si.

Se pensarmos no Brasil colonial, na época dos engenhos de açúcar, o dono de engenho estava totalmente dependente do trabalho dos escravos. Se eles, por exemplo, se organizassem e parassem de trabalhar, o sinhozinho estava lascado porque ele e sua família não saberiam lavorar a plantação e operar o maquinário. 

O problema era que a legislação na época permitia que o dono de engenho fizesse qualquer coisa com seu escravo-propriedade, inclusive maltratar e matar. Dessa forma, o escravo, mesmo sabendo que era essencial para o trabalho, ainda aceitava as condições que tinha porque priorizava viver. E se tentasse fugir, existia todo um aparelhamento público que o devolveria ao seu senhor.

Vemos, assim, que a síntese da dialética do senhor e do escravo no campo material dá uma liberdade teórica para o escravo, mas não prática; assim como uma escravidão teórica para o senhor, mas não prática.

Dialética do Senhor e do Escravo Descomplicada: Busca pela Autoconsciência

Outro aspecto abordado por Hegel na dialética do senhor e do escravo é a questão da consciência.

Para Hegel, as pessoas buscam a autoconsciência, ou seja, a liberdade de pensarem por si próprias. Conduto, para ela ocorrer, no jogo dialético, é necessário que a sua autoconsciência seja reconhecida como autoconsciência pelos demais sujeitos.

Como funciona a dialética do senhor e do escravo nessa questão:

O senhor, aqui, seria alguém que possui um pensamento dominante (tese).

O escravo, aqui, seria alguém que aceita ser dominado pelo pensamento do senhor (antítese).

O pensamento do senhor só tem sentido prático se o escravo aceita aquele pensamento. Para isso, o senhor deve pressupor que o escravo é alguém dotado de consciência para compreender a sua ideia (ou seja, é um sujeito e não uma coisa).

Dessa forma, já começamos a perceber que o senhor deve, desde o princípio, valorizar a capacidade intelectual do escravo. Senão, não faria sentido o senhor tentar convencer o escravo da sua ideia. Seria a mesma coisa que eu tentar explicar matemática para uma planta!

Do outro lado, o escravo, ao aceitar uma ideia do senhor, toma consciência que ele é um sujeito de ideias ao mesmo tempo em que se submete à ideia do senhor.

Contudo, essa “aceitação” da ideia do senhor por parte do escravo coloca o escravo como senhor. Porque, como falei antes, a ideia só ganha sentido se ela for aceita. E o aceite não depende do senhor, mas sim do escravo. A palavra final é do escravo. Nesse momento, ele assume papel de domínio!

Pensem em uma sala de aula: o professor (senhor) detém o conhecimento da matéria. O aluno (escravo), se está lá para aprender, é porque não sabe aquela matéria. Quando o professor explica a matéria, ele está ao mesmo tempo assumindo que o aluno não sabe o conteúdo como também é capaz de aprender esse conteúdo. O aluno, quando ouve o conteúdo, está assumindo que não sabe o conteúdo e que é capaz de aprender esse conteúdo.

A questão é que o aprendizado só se dará quando o aluno disser que aprendeu o conteúdo. Enquanto ele não assumir isso, o professor ficará esperando que o aluno entenda a matéria, reexplicando quantas vezes forem necessárias. Se observarmos, nessa posição, quem está obedecendo é o professor, explicando quantas vezes forem necessárias; e quem está mandando é o aluno, pedindo quantas reexplicações forem necessárias!

Esse processo também é o que ocorre na filosofia: um filósofo A propõe uma tese filosófica como certa (senhor). Se ele faz isso, pressupõe que as demais teses filosóficas sobre aquele assunto estão erradas e seus companheiros filósofos B, C e D não sabem o que dizem (escravos).

Contudo, somente emitir a tese filosófica não quer dizer nada. O filósofo A precisa convencer os outros (B, C e D) que ele (A) está certo, para que os novos pensamentos de B, C e D usem aquilo que A disse como base. Nesse momento, o filósofo A se torna escravo, porque ele se torna dependente da aceitação por parte de B, C e D.

Assim, temos a síntese hegeliana: o senhor ganha autoconsciência quando acredita que o escravo é capaz de compreender a sua ideia; e o escravo ganha autoconsciência quando compreende que é seu o poder de aceitar ou não a ideia do senhor.

Dialética do Senhor e do Escravo Descomplicada: Conclusão

A dialética do senhor e do escravo parece muito simples em um primeiro momento; mas, com vimos, ela tem muitas nuances que a tornam mais complexa do que parece. Esse artigo é apenas uma explicação superficial da profundidade proposta por Hegel, que somente será melhor compreendida quando se tem conhecimento de todo o seu sistema filosófico e a compreensão adequada de todos os termos técnicos que ele utiliza.

Aprofundando o Assunto:

Para ler a dialética do senhor e do escravo nas palavras de Hegel, você precisa ler a seção A do capítulo IV do seu livro Fenomenologia do Espírito (1807).

Como forma de auxílio para compreensão adequada dos termos técnicos de Hegel, recomendo: Dicionário Hegel (Michael Inwood).

E aí? Ainda ficou com dúvidas sobre o tema desse artigo? Diz nos comentários quais foram os problemas, que irei esclarecer! Conhece algum fã de Hegel ou alguém que se interessaria por esse conteúdo? Compartilha esse artigo com essa pessoa! Tem algum conteúdo filosófico que você não consegue entender? Entra em contato comigo para pedir esse tema!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Dialética do Senhor e do Escravo Descomplicada: Referências

INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1997.

NICUIA, Eurico Jorge. O papel do escravo em Aristóteles e Hegel. 2010. 105 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. Acessado em 08 mar. 2021.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.