Reflexão sobre Ela Dança, Eu Danço: a Experiência Estética

Reflexão sobre Ela Dança, Eu Danço: a Experiência Estética

Reflexão sobre Ela Dança, Eu Danço: a Experiência Estética

Olá, marujos! Hoje vou fazer uma reflexão sobre o filme Ela Dança, Eu Danço. Sempre gostei de filmes com dança e música e esse é um dos meus filmes preferidos. Mesmo tendo uma história simples, ele consegue de forma leve nos fazer refletir alguns pontos interessantes. Preparando minhas aulas de estética e filosofia da arte, esse filme me veio a mente quando buscava uma forma de falar com meus alunos sobre a Experiência Estética. Por isso, compartilho com vocês a reflexão que preparei para os meus alunos. Alerto que teremos alguns spoilers da trama. Vamos lá!

Sobre Ela Dança, Eu Danço

Ela Dança, Eu Danço é um filme de 2006 que ainda hoje continua produzindo sequências, mantendo a mesma premissa da dança como forma de expressão e crescimento pessoal. Às vezes, alguns personagens de filmes anteriores aparecem para dar uma ideia de continuidade, mas isso é praticamente irrelevante.

A história começa com jovem Tyler Gage (Channing Tatum) sendo sentenciado a 200 horas de prestação de serviços na Escola de Artes da sua cidade após ele e seus amigos Mac (Damaine Radcliff) e Skinny (De’Shawn Washington) terem invadido e depredado o teatro dessa escola. Ele não se dá bem com seus pais adotivos e vive na periferia, sem nenhuma perspectiva de vida.

Seu trabalho era de serviços gerais, especialmente limpeza. Enquanto trabalhava, ele observou que a aluna Nora Clark (Jenna Dewan) precisava de um parceiro de dança temporário para ensaiar, porque o parceiro fixo havia se machucado. Tyler se oferece para ajudar de forma despretensiosa. No começo, Nora recusa, mas depois de vê-lo dançando, ela o aceita.

O que começa como apenas uma parceria temporária se transforma em amor. Juntos, eles começam a enfrentar seus medos. A dança os unem e os fortalecem.

Tyler começa a descobrir que sua vida não precisa ser limitada, que ele pode ultrapassar as barreiras sociais que o atrapalham. Mais que isso, ele começa a ter confiança em si mesmo como alguém capaz de mudar sua vida, assumindo o controle sobre si mesmo e seu destino.

Reflexão sobre Ela Dança, Eu Danço: Só Aprecia a Arte quem Experimenta a Arte

A especialidade artística de Tyler é a Street Dance. Seus passos são improvisados, se utilizam dos acessórios que usa e da estrutura do local em que ele está. Como ele mesmo defende, a dança não é uma ciência, mas uma expressão natural do corpo. Por outro lado, Nora é adepta do balé clássico e dança moderna. Seus passos são marcados e coreografados. Ela expressa sua arte através da marcação, do rigor da técnica. Ambos se estranham porque aquilo que veem, em um primeiro momento, não lhes parece arte.

Na Filosofia da Arte, trabalhamos um conceito chamado de experiência estética. Nele, trabalhamos alguns pontos importantes: 

Gosto e Subjetividade

O conceito de gosto não deve ser encarado como uma preferência arbitrária e imperiosa da nossa subjetividade, ou seja, o meu “eu” passa a ser a medida absoluta de tudo: aquilo de que eu gosto é bom e aquilo de que eu não gosto é ruim. A experiência estética está em priorizar o “conhecer” e não o “preferir”. Dessa forma, ter gosto é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. Logo, devemos nos tornar disponíveis a experimentar aquilo que a obra de arte quer nos proporcionar (ARANHA, 2016).

Em um primeiro momento, vemos que ambos os personagens principais julgam a dança um do outro pelo seu gosto pessoal. Isso é um problema sério para a arte porque ela precisa ser encarada sem preconceitos. É interessante pensar que nenhum deles negou a habilidade artística um do outro, mas negou aquilo que eles faziam como arte.

A Atitude Estética

Apreciar as qualidades de uma obra de arte é bem diferente de avaliar suas propriedades. A experiência estética é uma atitude desinteressada e contemplativa, porque tem como características: não visar ao conhecimento lógico, medido em termos de verdade; não ter como alvo a ação imediata; e não poder ser julgada em termos de utilidade para determinado fim (Ibidem).

Nesse sentido, a arte produzida pelo Tyler se enquadra mais como arte do que aquilo que estava sendo produzido pela Nora. Entretanto, com a convivência e o aumento da relação entre eles, Nora começa a aceitar sugestões na coreografia. Essas mudanças fazem com que ela ganhe mais confiança no seu trabalho e a incentiva a confessar que tinha imaginado uma apresentação muito maior, mais complexa e com mais pessoas. Ela, por medo, tinha desistido, mas Tyler “comprou” a ideia e a pôs para frente. Com isso, vemos que Nora começa a tratar sua arte de uma forma mais leve, ela começa a ter uma atitude estética.

Quando pensamos em escola, avaliadores e críticos de arte, acabamos tendo aquela visão mecânica da arte. A arte engessada, criticada pelo Tyler. Mas a convivência fez com que Nora transformasse a sua apresentação “científica” em algo realmente estético. O filósofo Gaston Bachelard é um dos maiores críticos dos críticos de arte, exatamente porque, para ele, os críticos ficam presos aos detalhes técnicos em vez de fazerem uma experiência estética. 

A Recepção Estética

Para que o sujeito tenha uma autêntica experiência estética, ele deve estar presente à obra de arte. Só assim ele conseguirá vislumbrar tudo aquilo que a obra pretende mostrar ao seu expectador. Além disso, a obra tem que ser recebida com total disponibilidade, sem julgamentos predefinidos ou condições prévias. É preciso viver a arte tal como ela quer ser vivida (Ibidem).

No filme, o melhor exemplo que temos é a diretora Gordon (Rachel Griffiths) da Escola de Artes. Quando Nora disse que Tyler seria seu parceiro temporário, ela tentou dissuadi-la, apresentando diversos empecilhos e sugerindo até mesmo mudar a coreografia para uma dança solo. É compreensível a desconfiança da diretora com relação a postura de Tyler, mas em termos artísticos ela não poderia desconfiar dele. Ela nunca o tinha visto dançar, então como poderia julgá-lo? Ela só começa a mudar de atitude quando começa a observar os ensaios e começa a ver o potencial artístico dele.

A Compreensão pelos Sentidos

A arte desafia o nosso intelecto tanto quanto as nossas capacidades perceptivas e emocionais. Quando nos expomos a uma obra de arte sem preconceitos e sem impor limites à experiência, todo o nosso ser, tudo o que somos, pensamos e sentimos se faz presente e contribui para o surgimento de um sentido no sensível. Ao mesmo tempo, cada experiência estética educa o nosso gosto, torna a nossa sensibilidade mais aguda, nos enriquece emocional e intelectualmente, por meio do prazer e da compreensão que essa experiência nos proporciona (Ibidem).

Aqui, podemos destacar o amadurecimento do personagem Tyler, o quanto ele evolui e cresceu como indivíduo, depois de começar a dançar de uma forma mais séria, engajada. Mesmo a dança sendo uma manifestação natural do corpo, uma apresentação de dança precisa de compromisso e ele, aos poucos, foi conseguindo entender isso. Ao mesmo tempo em que ele se comprometia com a coreografia, ele também se comprometia com a vida e seu futuro. Ele chegou em um outro patamar, algo conseguido graças ao compromisso inicial com a apresentação de dança (que era o trabalho de conclusão de curso da Nora).

Reflexão sobre Ela Dança, Eu Danço: Conclusão

Como vocês podem ver, esse artigo foi praticamente uma aula minha… kkkk. Por mais que tenha sido diferente do que normalmente faço, acho que ele ficou bem legal. Tem alguns leitores os quais dizem que preferem reflexões nerds em que eu trago conceitos filosóficos para dentro do filme, e não fico apenas na reflexão em si. Esse artigo está recheado de filosofia e como ela pode ser percebida durante o filme. Novamente, recomendo o filme e sugiro, para quem já viu uma vez, que reveja depois de ler o artigo, para ter um novo olhar sobre ele.

E aí? O que achou desse estilo de artigo na reflexão nerd? Deixa nos comentários! Gostou do que aprendeu hoje com essa Reflexão sobre Ela Dança, Eu Danço? Compartilha esse artigo! Quer sugerir temas ou conteúdos nerds para serem trabalhados aqui? Entra em contato comigo. 

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referência

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.