Gamificação da Filosofia: Estética e Filosofia da Arte / Jogo DIXIT

Gamificação da Filosofia: Introdução à Estética e Filosofia da Arte / Jogo DIXIT

Olá, marujos! Hoje vamos falar novamente de gamificação da filosofia, ou seja, vou trazer mais uma forma de introduzir um tema filosófico através de um jogo. Se você não sabe o que é gamificação da filosofia, você pode ler nosso primeiro artigo sobre o tema,  acessando aqui. O tema de hoje será introdução à estética e filosofia da arte, e o jogo será DIXIT. Sem mais delongas, vamos lá!

Introdução à Estética e Filosofia da Arte

Estética e Filosofia da arte são, para mim, irmãs gêmeas. É muito fácil confundir no debate filosófico se você está tratando de um assunto ou de outro. Normalmente, quase todo o debate filosófico dessa área de interpretação do belo e da obra de arte toca ambas. Filosofia, no passado, era uma coisa só: pensar de forma racional a vida, a existência e seus problemas. E isso era visto como um todo. Depois, com as especializações, ganhou-se, por um lado, o aprofundamento em diversos problemas; mas também criou-se essas dificuldades de olhar questões filosóficas como partes e não como um todo.

Curiosamente, estética e filosofia da arte são duas das áreas mais “interdisciplinares” que existem, porque elas dialogam muito bem com o mundo exterior à filosofia, bem como com as diversas áreas filosóficas. Eu, que gosto dessa visão macroscópica da filosofia, acabei me especializando justamente nessa linha de formação. Mas voltemos ao tema em questão!

A proposta básica da estética é estudar o que é a beleza, qual a sua definição, ou melhor, qual o seu ser ou essência. Entender se existe uma beleza objetiva, para além dos objetos; se a beleza é subjetiva, dependente do prazer do expectador; se a beleza é uma construção simbiótica entre a razão do expectador e um determinado objeto que possui as corretas características; se beleza é apenas uma construção histórica, sempre mutável; se beleza é a singularidade no meio de uma vastidão de repetições; e por aí vai… Já a filosofia da arte costuma focar na compreensão da obra de arte em si, ou seja, o que define algo como arte. E isso é tão polêmico e complexo quanto definir o que é beleza… E vocês devem ter percebido que é extremamente difícil falar de arte sem falar de beleza, e vice-versa.

No final, a maioria dos currículos (do ensino básico à pós-graduação) acaba dando quase que juntas essas disciplinas, como se fossem uma coisa só. E, como vimos, não deixa de estar tão errado. Talvez em um tema ou outro seja até fácil separar as duas áreas, mas normalmente não é. Eu, quando dou essa disciplina no ensino médio, trato as duas como uma coisa só. Eu trabalho diversos temas de debate que essas áreas suscitam sem me preocupar se estou falando de uma ou outra. Para mim, no final, tudo é filosofia e isso é o que importa.

Jogo DIXIT

DIXIT é jogo de tabuleiro moderno (se quiser entender mais sobre esse tema, dá uma conferida nesse artigo do meu amigo Renato Simões ou visite o site Ludopedia). Nesse board game (termo americano desse tipo de jogo) você deve percorrer um tabuleiro e ser o primeiro a completar todas as casas. A forma de vencer é simples, mas a graça do jogo está em sua mecânica e, especialmente, na sua proposta lúdica.

O jogo começa com um baralho de cartas secretas e uma distribuição de cartas aleatórias (quem nem um jogo de baralho comum, tipo sueca, poker, buraco etc). O jogo é individual e jogado em turnos, e em cada turno um jogador assume a função de narrador. Todos tem chances de avançar casas no jogo por turno, mas de formas diferentes dependendo da sua função momentânea. Se você é o narrador, você deve escolher uma carta da sua mão e “apostá-la” de forma oculta. Enquanto faz a aposta, você deve descrever a sua carta de tal forma que algumas pessoas acertem e outras errem, ou seja, você não pode ser nem muito específico nem pode mentir, mas tem que conseguir um grau de generalidade que convença alguns e outros não que a sua descrição pertence àquela carta. Da mesma forma, os demais jogadores, ao ouvirem a sua descrição irão “apostar” uma de suas cartas para confundir os demais jogadores, e fazer com que eles escolham a carta errada. Após as “apostas” das cartas, segue-se uma votação secreta e posterior contagem dos votos de cada carta.

Se o narrador conseguir todos os votos ou nenhum voto, ele não anda naquele turno e todos os demais jogadores andar duas casas. Se ele conseguir apenas alguns votos, ele anda três casas assim como quem acertou a carta do narrador. Além disso, adicionalmente, quem teve sua carta votada enquanto não é narrador, ou seja, conseguiu enganar alguém, avança uma casa para cada voto.

A parte lúdica fica exposta em duas coisas: uma é que as cartas são belíssimas imagens totalmente fantasiosas e abstratas, podemos dizer oníricas (veja algumas aqui). Parecem ilustrações de um livro de fábulas infantil, mas que bem analisadas podem ser extremamente reflexivas e adultas. Essas imagens não são facilmente definidas como bonitas ou feias, ou que representam algo ou não representam nada. Elas são extremamente interpretativas, exigindo um alto grau de imaginação do jogador. A outra característica é que não existem limites para a fala do narrador (nem exigência que se use a fala!). Tal como a imaginação é necessária para “interpretar” a carta, a imaginação pode ser provocada para descrever ou comunicar o que a carta é: pode ser uma frase, uma palavra, uma música, um som, uma mímica… É um jogo para deixar a imaginação fluir.

Gamificação da Filosofia: Introdução à Estética e Filosofia da Arte / Jogo DIXIT

Aplicação tradicional

Existem duas formas de jogar em sala de aula esse jogo. Uma é a forma tradicional, ou seja, seguindo as regras do próprio jogo. Como o jogo normal vai de 3 a 6 pessoas (existe uma versão expandida para 12 jogadores), você terá que ter muitas cópias do jogo. Ou, você pode dividir a turma em grupos e a cada rodada ou ciclo, trocam-se os jogadores para fazer uma rotatividade dos alunos. Após ensinar as regras básicas e conduzir uma rodada demonstrativa, estipule qual será o critério de fala do narrador e deixe o jogo fluir e veja-os interpretando as cartas e se divertindo. É muito comum escutar comentários como “que lindo / feio”, “isso não significa nada”, “o que você falou não tem nada a ver com a sua carta”, “nossa, que profundo” e várias outras manifestações estéticas enquanto se joga, seja pela sua carta, pela carta do outro, ou pela forma como a carta foi descrita. Faça quantas rodadas forem necessárias para que você se sinta confiante que todos tiveram algum momento estético, ou seja, se sentiram tocados por uma das cartas e ou interpretação delas.

Aplicação diferenciada

A segunda forma de trabalhar o jogo é usando apenas as cartas dele, e não o jogo em si. Nesse caso, coloque a turma em círculo e distribua aleatoriamente uma carta DIXIT por aluno, de forma oculta. Quando todos tiverem suas cartas, peça para que eles olhem e interpretem o que veem de forma silenciosa. Após esse momento, dê a chance deles trocarem as cartas entre si. Sem maiores explicações, apenas um “quem quiser, pode trocar sua carta com um colega”. Após as trocas, vá perguntando de um em um sobre a sua carta, se ele trocou ou não e porquê, se ela achou bonita ou feia e porquê, e o que ele interpretou da carta e porquê. Para cada resposta do aluno ou no final das três questões, assuma a fala brevemente e relacione o que ele disse com algum dos conceitos que serão trabalhados durante o período. Exemplo: “você disse que a carta é bonita porque tem um gato bem desenhado, então quer dizer que beleza para você significa representar bem alguma coisa”. Ou “Você interpretou esse desenho como o amor de sua mãe por você e gostou dele, logo, sua experiência estética com essa imagem está no fato dela despertar um sentimento importante em você”. E por aí se segue, sempre medindo o tempo e os comentários de tal forma que não fique muito cansativo para  os alunos nem repetitivo nas suas colocações. É muito importante dar a chance de todos falarem, e até bom provocar um mínimo de expressão daqueles que não gostam de falar em público.

Objetivo da atividade

O objetivo é despertar nos alunos uma visão estética da arte e da vida. Nesse primeiro momento, a intenção é mostrar que eles são capazes de interpretar obras de arte e que existem diversas formas de interpretá-las, bem como diferentes motivos para chamar algo de bonito e feio. Entretanto, o mais importante que eles precisam aprender é que não existe interpretação errada do ponto de vista formal. Ou seja, toda a interpretação feita de forma sincera, com real intenção de se envolver com a arte é válida. 

Será também proveitoso que a atividade desperte neles a vontade de conhecer mais obras de arte visuais clássicas como pinturas, fotografias, esculturas; ao mesmo tempo que diminua o preconceito com a chamada arte de museu. Será ótimo que eles queiram ver as outras imagens do jogo e também conhecer artistas que façam pinturas diferentes, provocativas, como essas de DIXIT.

Gamificação da Filosofia: interdisciplinaridade

Você pode aproveitar essa atividade não só para filosofia, mas também, como sugestão: Artes e Educação Física.

Artes: era quase que óbvia essa relação, né? Então, aqui, o professor pode trabalhar alguns estilos artísticos, como a pintura abstrata. Ele também pode fazer um trabalho em que cada aluno crie uma carta de DIXIT.

Educação Física: como a forma de “falar” a carta é livre, podemos usar o corpo para isso como uma mímica, por exemplo. Aqui, o professor vai poder trabalhar as questões do corpo, como expressão, postura, movimento.

Gamificação da Filosofia: Conclusão

DIXIT já é um jogo mais difícil de ser encontrado e também mais caro. Mas o investimento vale muito a pena. Esse é um dos exemplos de gamificação da filosofia que se o professor não falar nada de filosofia propriamente dita, o jogo falará sozinho. Isso porque a mecânica do jogo e a sua proposta é exatamente viver uma experiência estética, e o objetivo final do professor de filosofia é, no final desse curso, dar melhores condições para o aluno ser um bom apreciador de arte, capaz de fazer uma avaliação estética consciente. E DIXIT irá despertar nele essa vontade de conhecer e entender um pouco mais sobre arte, beleza e como entendê-las.

E aí? Gostou dessa gamificação da filosofia? Já experimentou jogar DIXIT em uma aula? Deixa nos comentário como foi! Não teve a chance de jogar ainda? Mostra para o seu professor esse artigo para ver se ele se anima a testar a ideia. Gostou da proposta de jogar DIXIT com objetivo pedagógico? Compartilha esse post!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.