Reflexão sobre O Bom Lugar: Paraíso e Ética (Parte II)

Reflexão sobre O Bom Lugar: Paraíso e Ética (Parte II)

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre O Bom Lugar, série da Netflix que nos apresenta de forma divertida como seria o pós-vida. Nessa reflexão, iremos abordar dois temas muito interessantes: a definição de paraíso e o valor da ética em nossas vidas. Teremos spoilers da série, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre O Bom Lugar

O Bom Lugar é o título nacional da série conhecida como The Good Place. Ela está disponível na Netflix e já finalizou.

Esse artigo é a segunda parte de uma longa reflexão sobre a série. Por isso, para lerem um resumo completo da série (caso não saiba o que aconteceu nela ou não lembre), acesse: Reflexão sobre The Good Place: O que é Alma Gêmea? (Parte I).

Reflexão sobre O Bom Lugar: O que é o Paraíso?

Basicamente, a noção ocidental de paraíso é o céu cristão. Seria um lugar tranquilo, calmo, onde encontraríamos todos os nossos entes queridos que já morreram. Também encontraríamos Deus face a face e estaríamos plenos do seu amor.

Essa noção é muito próxima do paraíso grego antigo, os Campos Elísios. Os Campos Elísios são um lugar reservado, sendo o destino de heróis, santos, sacerdotes e poetas. O local também traz a noção de paz e tranquilidade. A grande diferença é que o céu cristão é visto como uma morada celeste, nas nuvens. Enquanto que os Campos Elíseos é um campo verdejante (e fica localizado no Hades, o reino dos mortos).

É também interessante pensar que a noção de paraíso não é padronizada. Para os nórdicos, o paraíso é o Valhala. Esse seria um palácio gigante onde os guerreiros que morreram em combate poderiam viver. Lá, eles festejariam noite e dia, bebendo muito hidromel e lutando entre si só por diversão. Dessa forma, vemos que o paraíso nórdico é muito mais agitado que os paraísos cristão e grego.

Na série O Bom Lugar, o paraíso é um bairro residencial onde as pessoas convivem. A grande diferença é a existência de duas portas: uma te leva para qualquer lugar do planeta, para você ter a experiência de visitar ou revisitar um lugar quantas vezes quiser; e a outra porta te transporta para qualquer experiência que você queira ter, até mesmo as “malucas” (como a de Jason [Manny Jacinto], que queria andar de kart com macacos).

O que todos os conceitos de paraíso possuem em comum é o fato de você poder viver a vida que você sempre quis sem ter os estresses da vida terrena. O paraíso tranquilo foi criado por pessoas que viviam épocas em que a vida era penosa e agitada; o paraíso agitado foi criado por pessoas que curtiam esse tipo de vida; e o paraíso de O Bom Lugar reflete o pensamento da sociedade moderna: poder fazer tudo o que sempre se quis e viajar para todos os lugares que já se sonhou.

Porém, a melhor definição de paraíso que a série nos dá está em uma fala do personagem Chidi (William Jackson Harper). Enquanto ele estava junto de sua alma gêmea Eleanor (Kristen Bell), ele diz: “O paraíso é ter tempo para ficar com quem você ama”.

Eu considero perfeita essa definição porque as concepções de paraíso sempre pressupõem uma eternidade. Ou seja, ter tempo ilimitado.

Um dos grandes problemas da atualidade é a vida frenética que levamos. Estamos sempre correndo para resolver problemas, para trabalhar, para estudar. Nós sempre estamos fazendo alguma coisa e nos sentimos culpados quando estamos “à toa”.

Além disso, o principal argumento que damos para a correria de nossas vidas é “estou fazendo isso agora, desse jeito, para proporcionar uma vida melhor para mim e/ou para a pessoa que amo” e “estou correndo agora que tenho disposição para depois, no futuro, poder descansar e curtir a vida”. Ou seja, o nosso corre-corre atual tem sempre como objetivo reunir recursos que nos permitam descansar, normalmente junto com alguém que amamos muito (e, aqui, podemos pensar cônjuge, filhos, pais ou até a si mesmo).

A reflexão que a frase de Chidi, na série, nos coloca é: será que precisamos mesmo esperar morrer para poder ter tempo para ficar com quem amamos? E a resposta é: não!

O nosso grande problema é querer criar um ambiente perfeito no futuro sendo que esse ambiente provavelmente nunca ficará perfeito. Pode ser que você corra a sua vida toda para juntar recursos para um merecido descanso ao lado de quem ame e não consiga juntar o suficiente. Pode ser que você junte o suficiente, mas quando chegar a hora a pessoa com quem você gostaria de estar já não está mais. E pode ser que você mesmo não consiga chegar ao futuro.

Sendo assim, o que a série propõe é que vivamos agora o nosso paraíso. Em vez que querer preparar o futuro perfeito para curtir com quem nós amamos, nós precisamos “pisar no freio” e aproveitar mais o agora com quem nós amamos.

Muitas vezes, nós supomos o que é o melhor para as pessoas que amamos e esquecemos de perguntar se é isso mesmo que elas querem. Pais que passam o dia todo trabalhando para darem um celular de última geração para o filho sendo que ele se contentaria com um celular de linha intermediária se tivesse os pais mais presentes no seu dia-a-dia. Filhos que nunca tem tempo de visitar os pais idosos porque passam o dia trabalhando para pagar a casa de repouso ou o cuidador, sendo que mais importante seria o filho estar cuidando dos pais. Cônjuges que passam um ano inteiro quase sem se ver só para pagarem uma viagem de final de ano para conseguirem passar uma semana juntos, sendo que poderiam ter passado um ano inteiro juntos se não corressem atrás do dinheiro para a viagem.

Para deixar claro, não estou menosprezando o sacrifício diário de ninguém. O que estou dizendo é que, muitas vezes, escolhemos fazer o tal sacrifício sem saber se ele irá agradar a pessoa para quem o sacrifício é feito. Por isso, antes de pensar em comprometer todo o seu tempo, pare para perguntar o que a pessoa que você ama quer. Às vezes, ela só quer passar um tempo com você e nada mais.

Reflexão sobre O Bom Lugar: Qual o Valor da Ética?

A série O Bom Lugar é um grande curso de ética. Um dos personagens principais é professor de ética e ele passa a série toda ensinando ética para os demais personagens. No final da série, são seus conhecimentos de ética que “salvam” as almas do lugar ruim, lhes dando chances de chegarem ao bom lugar.

Ética é a área da filosofia que busca responder a pergunta “Como eu devo agir?” entendendo esse agir como qual é a melhor ou a forma correta de agir no mundo.

Os animais agem por instinto na natureza. Por isso, eles são seres amorais. Eles não têm consciência daquilo que fazem. Já os seres humanos, dotados de razão, fazem escolhas conscientes. Dessa forma, somos seres morais e responsáveis pelos nossos atos, seja positivamente seja negativamente.

Desde os primórdios da humanidade, existiam regras morais, sobre o que se podia fazer e o que não se podia fazer. Eram as regras de convivência. Na maioria dos casos, essas regras eram fundamentadas em uma religião. Dessa forma, o modo como as pessoas deveriam agir se baseava naquilo que supostamente o deus deles disse que poderiam fazer ou não fazer.

Com o advento da filosofia, começou-se a buscar a fundamentação das nossas ações, a reflexão sobre a moral através da razão. Seria a nossa razão que diria como devemos agir.

Ao longo dos aproximadamente 2500 anos da filosofia, já existiram diversas propostas éticas. Vários filósofos, à luz de suas experiências de vida e utilizando-se dos seus conhecimentos, buscaram dar uma resposta que pudesse revolver as disputas e conflitos de interesses entre as pessoas, encontrando a única e correta forma de agir no mundo. Porém, infelizmente (ou felizmente), nenhum desses princípios éticos conseguiu se impor como o definitivo.

Dessa forma, fica a pergunta: porque ainda existe a ética e para que seguir uma ética se nenhuma resolve o problema do como devo agir? E a resposta é: porque é somente dentro de uma ética que nossas ações ganham algum sentido.

No dia a dia, temos diversas ações automáticas que não dizem respeito à ética diretamente: acordar, comer, caminhar, ir no banheiro. Ninguém para para pensar se está certo ou errado fazer uma dessas coisas. Mas atos como ajudar ou não alguém, seguir ou não uma regra, cuidar ou não de si mesmo são atos morais e exigem uma reflexão sobre o porquê de se estar fazendo ou não fazendo isso.

Foi a ética de Aristóteles que nos ensinou que todos agimos para, no fundo, alcançar a felicidade. Foi a ética de Kant que nos ensinou que algumas ações estão certas ou erradas em si mesmas mesmo que o resultado não saia como esperado. Foi a ética utilitarista que nos ensinou a querer ajudar o máximo de pessoas possível e se preocupar com as consequências de nossas ações. E esses são só alguns exemplos.

Assim, percebemos que a ética é fundamental para nos auxiliar durante a vida porque ela nos dá pistas e caminhos sobre como agir no mundo e o motivo dessa ação ser a melhor para nós e para as demais pessoas. Sem a ética, viveríamos agindo apenas pelos instintos e não iríamos nos distinguir dos demais animais. Viveríamos somente o presente, buscando sobreviver, sem saber porquê e para que vivemos.

Reflexão sobre O Bom Lugar: Conclusão

Finalizando a segunda parte dessa reflexão sobre O Bom Lugar, percebemos que não precisamos morrer para estar no paraíso, precisamos apenas dedicar mais tempo a quem amamos. Além disso, percebemos como a ética é importante para nós, mesmo quando não sabemos que nossas escolhas são guiadas por princípios éticos. Sem a ética, nossas ações no mundo ficariam sem sentido, sem propósito.

E aí? O que achou dessa segunda parte da reflexão sobre O Bom Lugar? Comenta! Conhece alguém que precisa ter mais tempo com seus entes queridos? Compartilha essa reflexão sobre O Bom Lugar com ela! Quer sugerir temas para reflexão no blog? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.