Reflexão sobre The Good Place: O que é Alma Gêmea?

Reflexão sobre The Good Place: O que é Alma Gêmea? (Parte I)

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre The Good Place. Nessa série, acompanhamos quatro humanos que morreram e foram para “o bom lugar”, que nada mais é do que um bairro perfeito. O problema é que alguns deles acham que não deveriam estar lá ao mesmo tempo em que coisas bizarras começam a acontecer. Ao longo da série, muitas reflexões filosóficas são feitas, mas essa primeira parte da reflexão destacará o conceito de alma gêmea. Teremos grandes spoilers da série, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre The Good Place (COM Spoilers)

The Good Place é uma série americana da Netflix. Ela estreou em 2016 e encerrou em 2020 com 4 temporadas. Cada temporada tem aproximadamente 12 episódios de 25 minutos cada (com algumas exceções). A série é considerada um sitcom de comédia.

Eleanor Shellstrop (Kristen Bell) descobre que morreu. Ela é recepcionada pelo arquiteto Michael (Ted Danson), o responsável por ter criado o bairro em que ela morará no Bom Lugar (o que seria, nas concepções mais tradicionais, o céu ou o paraíso). Ele explica que existe um sistema de pontos durante a vida e quem atinge uma certa pontuação mínima conquista a vaga no Bom Lugar.

Michael dá as principais informações sobre o que é o Bom Lugar e como ele funciona. Ele também a elogia muito por Eleanor ter sido uma pessoa excelente em vida. No final do tour, Michael diz a Eleanor que no Bom Lugar ela tem uma alma gêmea, e apresenta Chidi Anagonye (William Jackson Harper), um professor de ética.

Eleanor e Chidi também conhecem Tahani Al-Jamil (Jameela Jamil), uma socialite e a alma gêmea dela Jianyu Li (Manny Jacinto). 

No dia seguinte após a chegada de Eleanor, coisas bizarras começam a acontecer no bairro. Isso faz Eleanor confessar para Chidi que ela não é a verdadeira Eleanor Shellstrop. Ela realmente tem esse nome, mas não viveu nada daquilo que é dito sobre ela. Ao contrário, ela foi em vida uma pessoa bem ruim e egoísta.

Chidi, então, resolve ajudar Eleanor a ser uma boa pessoa e merecer estar lá. Para isso, ele começa a dar aulas de ética para Eleanor. Porém, Eleanor não é o ideal de aluno e eles terão muitas dificuldades. As coisas ainda piorarão quando Jianyu confessar que se chama Jason Mendoza, outro erro.

Com o desenvolvimento da trama, Eleanor, Chidi, Tahani e Jason descobrirão que o Bom Lugar na verdade é o Lugar Ruim, e que eles estavam sendo torturados aquele tempo todo. Mas assim que eles descobrem, eles são reiniciados por Michael e começam tudo do zero. 

O problema é que mais cedo ou mais tarde, os quatro sempre descobrem a trama e precisam ser reiniciados. Isso faz com que Michael comece a acreditar que os quatro humanos estão melhorando após a morte, o que invalidaria o sistema de pontuação, o qual para de contar no momento da morte.

Dessa forma, começa uma corrida para que eles consigam uma audiência com a Juíza Gen (Maya Rudolph), que seria a autoridade máxima no universo. Conquistada a audiência, o veredito é um retorno à Terra no momento em que eles morreram, para ver se eles de fato conseguem melhorar e, assim, conquistar o Bom Lugar.

Nessa nova experiência, descobre-se que o sistema de pontos tal como foi elaborado no início do universo não funciona mais porque ele considera e calcula variáveis desconhecidas decorrente das ações das pessoas (por exemplo, você perde pontos se comer uma fruta que foi plantada por agrotóxicos, mesmo se você não sabia disso). A conclusão chegada é que a vida ficou muito complexa.

Uma nova audiência é solicitada e dessa vez estão presentes não só a Juíza, mas também o líder do Lugar Ruim e os líderes do Bom Lugar. O problema dos pontos é debatido e a resolvesse criar um novo experimento com mais quatro humanos no Lugar Ruim disfarçado de Bom Lugar para ver se os humanos sempre melhoram quando não existem as variáveis desconhecidas.

O experimento se torna muito complexo porque os humanos escolhidos pelo líder do Lugar Ruim eram bem complicados de se lidar. No final de um ano, das quatro cobaias, três melhoram e uma piora um pouquinho. A Juíza, então, decide reiniciar o universo! 

Para evitar isso, o grupo de humanos propõem a transformação do Lugar Ruim em uma espécie de purgatório: as almas que não atingem a pontuação necessária na Terra vão para lá e ficam sendo testadas até se aperfeiçoarem o suficiente para irem para o Bom Lugar.

A proposta é aceita e esse gesto nobre concede muitos pontos aos quatro humano e eles conseguem ir para o Bom Lugar. Chegando lá, descobrem que o local ficou entediante já que tudo é possível e, com isso, chega uma hora que cansa. Para resolver esse problema, o grupo propõe para Michael (que se tornou o arquiteto do Bom Lugar) a criação de um portal para o fim de tudo. Quem estivesse enjoado do Bom Lugar poderia dar um fim à sua existência no universo.

Resolvidos todos os problemas, enfim os quatro humanos conseguem aproveitar suas eternidades felizes até o momento em que cada um deles percebe que chegou a hora de deixar de existir. 

Na cena final, vemos que após a alma passar pelo portal ela se torna uma espécie de ponto de energia que volta para a Terra. Quando essa energia toca uma pessoa, essa pessoa começa a tomar atitudes positivas. Dá-se a entender que as antigas almas do Bom Lugar se tornam a força do Bem que motiva as pessoas da Terra a serem boas.

Reflexão sobre The Good Place: Como Surgiu a Ideia de Almas Gêmeas

A história das almas gêmeas remonta a Platão, que narra a história no seu livro Banquete (que é uma reflexão sobre o amor). 

Na história do livro, vários personagens estão em um banquete e resolvem fazer elogios ao deus Eros (amor). Um desses convidados é Aristófanes, que conta mais ou menos a seguinte história: 

A muito tempo atrás, os seres humanos eram esféricos e possuíam duas cabeças, quatro braços, quatro pernas e dois sexos (podendo ser dois masculinos, dois femininos ou misto). Esses seres humanos eram muito poderosos e, por isso, quiseram subir até o céu dos deuses olímpicos e destroná-los. Como forma de punição e controle, Zeus jogou seu raio nos humanos e os dividiu em dois. Dessa forma, além de enfraquecerem, os humanos agora passariam suas vidas buscando reencontrar a sua metade perdida.

A moral dessa história é mostrar que que todos nós temos um par ideal e que precisamos encontrar esse par para sermos completos.

No começo da série The Good Place, é esse o sentido dado por Michael aos humanos torturados. Só que, como acabei de dizer, era uma tortura. Logo, as pessoas apresentadas como alma gêmeas umas das outras eram pessoas que não combinavam em nada (uma pessoa egoísta e imoral com uma pessoa solícita com extremo senso de justiça / uma pessoa que fala “pelos cotovelos” com uma pessoa que fez voto de silêncio). 

Reflexão sobre The Good Place: Como Seriam as Almas Gêmeas de Fato

Ao longo de vários períodos de tortura e reinicializações, Eleanor e Chidi sempre acabam se encontrando e se juntando como um time. Em algumas das vezes, até chegavam a se apaixonar e declarar amor um ao outro.

Em certo momento, quando tanto Eleanor quanto Chidi estavam para começar o plano que poderia salvar a humanidade e tomaram consciência de tudo o que já haviam vivido juntos, Chidi questiona Michael se de fato existem almas gêmeas.

Michael responde que não existe no sentido original do termo, entendido como uma única pessoa destinada a você; só podendo ser ela. Por outro lado, a história de encontros e reencontros que ele presenciou entre Eleanor e Chidi o fez perceber que almas gêmeas não surgem prontas, mas são construídas ao longo da vida (ou, nesse caso, pós-vida).  

Dessa forma, a conclusão é: almas gêmeas não são encontradas, e sim criadas.

O amor se torna algo ativo porque, se é criação, demanda vontade e disposição do criador em fazer a construção. Claro que essa ideia deve ser entendida como uma via de mão-dupla, ou seja, os dois lados devem ter a disposição em “fazerem por onde” para que o amor cresça.

O problema da alma gêmea como encontro é que, após o suposto encontro, surge a acomodação. É o famoso “já fiz a minha parte”. É esse o grande problema dos casais modernos: acham que já fizeram a sua parte, acham que só tinham o trabalho de encontrar a alma gêmea e depois disso tudo se acertaria sem esforço.

Surge a ideia de que “eu não preciso mudar porque, se ela me ama, ela tem que me aceitar como sou” ou “não preciso fazer nada porque fomos feitos um para o outro”. Só que não é assim! O amor tem que ser construído ao longo do relacionamento e, como qualquer construção, sempre existe algo a se melhorar, algo a se consertar, algo a se reformar. A atividade do amor é perpétua.

Alguém pode achar que isso seria cansativo, mas não pode ser encarado dessa forma. Existe aquele ditado que diz “damos mais valor àquilo que conquistamos do que aquilo que ganhamos”. Esse ditado pode ser aplicado ao contexto aqui trabalhado porque uma alma gêmea dada pelo destino tira a motivação de se esforçar para qualquer coisa e, se não teve esforço, não se dá o devido valor. Já uma alma gêmea que foi criada (entendida como conquistada), em que houve luta para se ter aquilo, existe valor porque ela é fruto do seu trabalho.

Conclusão

Ao fim dessa primeira parte da reflexão sobre The Good Place, podemos concluir que almas gêmeas são reais. Porém, diferentemente do que se pensava, as almas gêmeas são criadas quando duas pessoas se conhecem e se importam uma com a outra ao ponto de quererem construir um relacionamento. Esse relacionamento nunca é acabado, precisando sempre ser melhorado, adaptado e remodelado conforme as pessoas mudam. Para se ter uma alma gêmea, é preciso uma vontade e uma atividade constante. 

Para ler a segunda parte dessa reflexão sobre The Good Place, acesse: Reflexão sobre O Bom Lugar: Paraíso e Ética (Parte II).

E aí? Qual conceito de alma gêmea faz mais sentido para você? Comenta! Conhece algum fã da série ou que precisa entender o que é alma gêmea? Compartilha essa reflexão sobre The Good Place! Quer sugerir outros temas para reflexão nerd? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.