Reflexão sobre Lobo Solitário: Honra e Exemplo

Reflexão sobre Lobo Solitário: Honra e Exemplo

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o mangá Lobo Solitário. Nessa história, que se passa no Japão Feudal, acompanhamos a vida do samurai Itto Ogami e seu filho Daigoro, os quais viajam pelo seu país como assassinos de aluguel planejando uma vingança contra o clã Yagyu, que desonrou o nome da família Ogami através de uma falsa acusação. Essa reflexão vai falar sobre honra e exemplo porque o personagem Itto mantém em sua prática a honra dos samurais e dá esse exemplo para o seu filho. Não teremos spoilers de grandes acontecimentos do mangá. Vamos lá!

Sobre Lobo Solitário (SEM Spoilers)

Lobo Solitário é um mangá que foi publicado entre 1970 e 1976, escrito por Kazuo Koike e ilustrado por Goseki Kojima. Ele foi lançado no Brasil pela Panini. Existe uma série de filmes japoneses que contam a história do mangá (mas eu não pude ver ainda).

O mangá se passa no Japão Feudal, no período Edo (1603 a 1868). Itto Ogami é o executor oficial do Xogum, ou seja, ele é aquele quem acompanha os daimyos (equivalente a senhores feudais) quando estes precisam realizar o seppuku (cerimônia em que um condenado à morte tira a própria vida para morrer com honra).

Tudo estaria bem se não fosse o clã Yagyu, que já trabalhava para o xogunato (ditadura militar feudal) na função de assassinos secretos, mas queriam acumular também a função de executores oficiais do governo.

Para conseguir seus objetivos, o chefe dos Yagyu, Retsudô Yagyu, assassinou quase toda a família Ogami enquanto Itto estava fora e escondeu um falso documento que “demonstraria” uma traição de Itto e sua família para com o Xogum. Itto, ao chegar em casa, viu que seu filho Daigoro (de 3 anos) havia sobrevivido ao massacre e, juntos, partiram da cidade prometendo vingança.

Para se sustentarem e juntarem dinheiro para a vingança, pai e filho decidiram trilhar o caminho do meifumado, a estrada do assassino. Basicamente, Itto era um ronin (samurai sem senhor) que trabalhava como assassino de aluguel. Ele era tão habilidoso e vivia vagueando pelo país sem nunca se estabelecer que recebeu o apelido de lobo solitário.

Para saber se pai e filho conseguiram sua vingança, leia os mangás ou veja os filmes. 🙂

Reflexão sobre Lobo Solitário: O Caminho da Honra

Itto era um respeitável samurai. Quando a notícia de sua “traição” ao governo se espalhou, muitos estranharam como aquele homem tão respeitado poderia ter feito aquilo. Sua imagem era tão intocável que por muito tempo o próprio clã Yagyu preferiu não o assassinar diretamente, buscando meios indiretos para se livrarem do ex-executor do governo.

Além disso, durante toda sua experiência de assassino, Itto buscou manter sua honra de samurai intacta. Ele poderia, já que agora era um criminoso, agir sem nenhum escrúpulo e isso seria “aceitável” socialmente. Porém, como ele não entrou nessa vida por vontade própria, mas como único meio de redimir seu nome e o de sua família, ele quis manter em sua prática toda a honra que um samurai precisa ter em seu dia a dia.

A palavra honra pode receber muitas definições. No contexto do mangá, honra estaria associada a bons modos (forma de se vestir, forma de falar, forma de se portar diante de outras pessoas), ao respeito pelo outro, à manutenção da palavra dada e uma preocupação em fazer aquilo que é certo.

Mas aí você se pergunta: como ele pode achar certo matar inocentes por dinheiro? Para isso, Itto sempre ouvia a história por trás da encomenda do crime. Ele não matava ninguém que ele achasse que não merecia morrer. Por muitas vezes, ele recusou pagamentos maiores do que ele cobrava porque não considerava justo o assassinato. Ele também matava “de graça” quando achava justo o pedido, mas a pessoa não tinha como pagar.

Mesmo assim, isso seria certo? Depende! No contexto do mangá, Itto era alguém à parte da sociedade. Por isso, ele não se importava em seguir as leis vigentes. Ele seguia a própria lei, inspirada no Bushido, o código dos samurais. Conduto, ele não se sentia à vontade para fazer qualquer coisa que afrontasse às leis japonesas. Ele só transgredia naquilo que ele achava possível de transgredir, que seria uma lei positiva inferior à lei interior dele.

Nesse contexto, podemos fazer uma distinção interessante entre ética e moral. Ética seria os valores em que acredito após refletir racionalmente sobre eles; já moral seria os valores de uma sociedade, que não necessariamente são os mesmos no qual acredito.

Além disso, podemos ainda fazer uma distinção entre Ética e Legislação. O fato de existir uma lei que autorize uma certa prática não significa que essa prática é eticamente aceitável, assim como uma prática proibida por lei não necessariamente é antiética. Isso é retratado muito claramente no filme O grande desafio, que se passa em uma época nos EUA onde negros poderiam ser linchados. Um dos personagens desse filme, inclusive, usa uma citação de Santo Agostinho que diz “uma lei injusta simplesmente não é lei” para justificar a desobediência civil.

Vale destacar que, muitas vezes, o personagem coloca a sua vida e a de seu filho em risco para honrar sua palavra ou dar direito ao inimigo de ter uma luta justa e morte honrada. Essa postura é bem perturbadora para nós brasileiros, que temos tendência ao “jeitinho brasileiro” e não gostamos de aceitar uma situação que nos coloque em desvantagem.

Dessa forma, somos levados a concordar com os atos de Itto Ogami, aceitando seus argumentos e considerando-o um homem extremamente honrado.

Reflexão sobre Lobo Solitário: O Exemplo do Pai

Outro destaque do mangá é que pai e filho trocam pouquíssimas palavras durante toda a saga. Isso nos choca um pouco porque somos acostumados com uma relação muito carinhosa entre pai e filho; porém, esse excesso de carinho não era tão comum no Japão feudal e menos comum ainda em famílias de samurai.

Contudo, a falta de conversa não significava que pai e filho não dialogavam. Itto sempre sabia o que Daigoro estava precisando, e Daigoro aprendeu a ser um samurai (e um ser humano) com as atitudes e exemplos de seu pai.

Desde o início do mangá, sempre que um adulto ia brincar com Daigoro, tratando-o como uma criança comum, levava um susto. Daigoro não tinha a postura infantilizada de uma criança, não tinha atitudes mimadas da maioria das crianças, não se comportava com total imaturidade. Ao contrário, desde muito pequeno, Daigoro já apresentava a postura de um samurai, imitando (dentro do possível) as atitudes do pai.

Chegava a existir momentos em que certos adultos tinham inveja de Itto porque queriam filhos tão nobres em postura como Daigoro. Contraditoriamente, também existiam pais que achavam um absurdo Daigoro não ser parecido como uma criança “normal”.

Porém, vale destacar que sempre que Daigoro encontrava outras crianças, ele brincava com elas de igual para igual, como qualquer outra criança. Ou seja, Daigoro era tão maduro que se portava como criança diante de outras crianças e como adulto diante de outros adultos.

Daigoro sabia, mesmo muito novo, tudo o que estava acontecendo com ele, seu pai e o nome da família. Itto nunca escondeu a verdade do filho, Itto nunca fingiu que estava tudo bem para seu filho, Itto nunca tratou seu filho como alguém incapaz de assumir responsabilidades e entender seu papel no mundo.

É interessante notar que, atualmente, muitos psicólogos aconselham os pais a não deixarem seus filhos alheios ao mundo a às dificuldades da vida. Da mesma forma, os pais são aconselhados a dizerem sempre a verdade, inclusive demonstrando vulnerabilidade para os filhos. Ou seja, uma criança que é criado ao estilo “leite com pera” não vai desenvolver sua inteligência socioemocional de forma adequada, culminando em um adulto com problema de frustração e adaptação à vida real.

Com isso, percebemos que o exemplo de Itto foi fundamental para formar um filho ciente da realidade do mundo. Além disso, vale lembrar também que Itto e seu filho viviam como andarilhos, comendo e vivendo somente com o necessário. Dessa forma, não existem desculpas para dizer que uma família pobre ou solo (somente um dos pais) não tem condições de educar bem seus filhos.

Conclusão

Lobo Solitário é, até o momento, o meu mangá preferido. Independentemente da minha opinião, esse mangá é considerado uma obra prima do seu gênero e grande influenciador de vários artistas famosos e outras obras de arte de diferentes tipos. Com essa reflexão, destaquei a forma como Itto viveu uma vida sofrida, mas honrada, sem deixar que a condição em que lhe colocaram abalasse seus ideias e valores. Também mostrei como o exemplo do pai é essencial para a formação de um filho, e isso pode se dar dentro de qualquer família e de diversas formas.

E aí? Gostou dessa reflexão sobre Lobo Solitário? Compartilha! Quer uma reflexão sobre outros mangás? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Tem outro tema de Lobo Solitário que lhe chamou atenção ou algo a acrescentar a essa reflexão? Comenta!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.