Reflexão sobre A Plataforma: Explorando O Poço (Parte 1)

Reflexão sobre A Plataforma: Explorando O Poço (Parte 1)

Reflexão sobre A Plataforma: Explorando O Poço (Parte 1)

Olá, marujos! Hoje vamos fazer uma reflexão detalhada sobre A Plataforma / O Poço. No primeiro artigo, eu fiz uma reflexão geral sobre o filme. Nesse e no próximo (porque ficou muito grande), eu vou explorar cena por cena que me chamou a atenção. Esse artigo terá muitos spoilers do filme, então minha dica é: se você é o tipo de pessoa que gosta de filmes provocadores, gosta de tentar entender as nuances por trás de um filme autoral, vê primeiro o filme e depois lê o artigo (porque, assim, eu não te “contamino” com minhas ideias e você vai poder comparar suas impressões com as minhas). Entretanto, se você é o tipo que se irrita e se frustra quando não consegue entender logo a proposta do filme e acaba desmotivado, lê primeiro o artigo para que você possa acompanhar o filme vendo um sentido nele. Vamos lá!

Sobre A Plataforma

A Plataforma é outro nome dado para o filme O Poço da Netflix.

O enredo conta a história de Goreng (Iván Massagué), um cara que entra voluntariamente em um experimento social estranhíssimo, em que a comida é colocada em uma plataforma flutuante e decida para que as pessoas, que estão alocadas em diversos andares, possam comer, cada um na sua vez. A não ser que você esteja no andar 1, você sempre come o que as pessoas que estão no andar anterior deixaram para você. Óbvio que isso vai dar problema…

Para ter uma apresentação melhor sobre o filme, uma visão mais detalhada do enredo, confere o primeiro artigo que escrevi.

Reflexão sobre A Plataforma: Cena a Cena (Nível 0)

Início (preparação das comidas)

O estilo da roupa dos funcionários e a aparência dos maquinários remetem a algo antigo, o que não corresponderá com a tecnologia de elevação da plataforma. Isso pode ser um indício que o filme é uma fábula.

Frase inicial “Existem três tipos de pessoas…”

A frase diz que existem as de cima, as de baixo e as que caem. Isso significa que as estruturas são permanentes: cima e baixo. Sempre vai ter alguém em cima e sempre terá alguém embaixo. Remete ao conformismo e uma estratificação social rígida. As pessoas que caem seriam o terceiro tipo porque elas sofrem um revés, elas pioram de vida.

Quem nasce em uma classe econômica aprende a viver naquele mundo. Quem sobe, não necessariamente muda e também não sofre. Entretanto, quem cai se torna outra pessoa porque ela perdeu o que tinha. E é esse medo de cair que faz uma pessoa revelar o seu pior.

Reflexão sobre A Plataforma: Cena a Cena (Nível 48)

Mal começou o mês e a pergunta é “O que vamos comer?”

Essa frase do Trimagasi (Zorion Eguileor) mostra a preocupação básica da vida: a sobrevivência.

Assim que Goreng (Iván Massagué) acorda, e após confirmar que estava no poço, a primeira coisa que lhe é dita tem relação com a sobrevivência.

Temos aqui uma relação com o nascimento, em que a preocupação inicial do ser que nasce é buscar alimento, algo instintivo.

Quem são as pessoas lá de cima?

Quando Goreng quis saber quem são as pessoas lá de cima, Trimagasi responde com “as que estão no nível 47”. O primeiro ponto a se destacar é a impessoalidade. Não interessa quem é, mas sim onde estão.

O segundo ponto é a referência ao que é mais próximo: na verdade, as sobras são de todos os que estão em cima, desde o andar 1. Mas só foram citados os do andar 47 (lembrando que Goreng começa no andar 48). Isso é uma reflexão sobre o fato de primeiro reclamarmos de quem está diretamente acima de nós, como se eles fossem os culpados pelo que nos acomete; mas esquecemos que antes deles vieram outras pessoas ditando as regras.

Podemos fazer uma relação tanto com a ordem direta da hierarquia (um funcionário que culpa o seu chefe, mas esquece que ele responde a alguém acima dele) ou com a cultura de uma sociedade (reclamamos dos erros dos nossos pais e esquecemos que eles herdaram um mundo “criado” pelos nossos avós).

Olhando o poço pela primeira vez

Goreng olha primeiramente para baixo e não vê o fundo do poço. Depois, olha para cima, e também não vê o começo do poço. Temos aqui uma reflexão sobre a impossibilidade de saber o limite de uma sociedade. Eu costumo dizer que sempre haverá alguém mais pobre que você e alguém mais rico que você. Logo, não adianta ficar só reclamando ou procurando culpados.

Em que consiste o poço?

A essa pergunta, Trimagasi responde com um óbvio, seguido de comer. Ou seja, todo a vida social consiste em se alimentar, ou, em outras palavras, ficar vivo.

Quando questionado sobre quantas pessoas têm embaixo, o velho se cala e induz um “óbvio” dito por Goreng, mas depois responde “em breve haverá menos”, indicando que alguns morrerão.

Na nossa sociedade, sempre teremos muitos abaixo de nós, sendo impossível calcular a quantidade. A única certeza é que eles terão menos chances do que nós e que não irão muito longe. Essa é a realidade triste, mas óbvia.

Não chame as pessoas lá de baixo

Trimagasi diz a Goreng que não se deve conversar com as pessoas de baixo porque elas estão embaixo. Ou seja, não tente se mostrar amigo delas porque seria falso; querer fazer amizade com alguém em nível inferior sendo que você não vai nem se rebaixar nem conseguir elevar alguém corresponderia a um falso moralismo.

Pela mesma lógica, quem está acima não liga para você. Logo, só te sobra as pessoas da mesma classe. E essa atitude “óbvia” faz com que a sociedade continue igual na sua desigualdade.

Cuspindo na comida

Questionado sobre o porquê de cuspir na comida, Trimagasi não dá uma justificativa. Ele manifesta apenas um ato que provavelmente já fizeram com ele (os de cima já cuspiram na comida que ele comeu).

Temos aqui um questionamento dos nossos atos de perpetuar coisas que não gostamos que fizeram com a gente. É o famoso “descontar em alguém”. Existe algo de perverso em não querer se o último humilhado, e querer passar adiante uma humilhação. Temos assim a continuidade da maldade e dos hábitos ruins.

Goreng e Dom Quixote

Goreng diz que entrou no poço voluntariamente. Ele queria parar de fumar e ler Dom Quixote. Nessa história de Miguel de Cervantes, temos um fidalgo (alguém da classe média) que após muito ler contos de cavalaria medieval começa a se considerar um cavaleiro. Ele sai pela Espanha em aventuras fictícias, em que ele idealiza grandes coisas sendo que na realidade não é nada disso.

Podemos entender que Goreng personifica Quixote ao querer, durante o filme, lutar de forma idealizada contra o Sistema, sendo que a maioria das pessoas ficam lhe chamando à realidade.

Vale agora adiantar que Goreng não conseguirá terminar o livro, mas isso é bom. O livro termina com Quixote recobrando a sanidade e entendendo que tudo o que fez foi loucura (ele se conformou). Goreng, não chegando nessa parte, parando ainda nos momentos de idealização, continuou sonhando.

Samurai-Max e Samurai-Plus

Trimagasi explica por que foi para o poço. Sua história sobre como os comerciais o fizeram perder a cabeça mostra como nós somos facilmente influenciados pela mídia.

Vivemos em uma sociedade consumista, que nos faz comprar coisas consideradas essenciais, mas que logo depois se tornam obsoletas. E mesmo assim não aprendemos.

Os detalhes. Somos chamados a reparar os detalhes e são os detalhes que nos fazem pirar. Aqui, tanto se faz referência aos detalhes das propagandas e sua forma sutil de nos enganar, como também aos detalhes do filme e suas mensagens.

Mais à frente, veremos que será a samurai-plus (o produto que motivou o crime de Trimagasi) o item que ele escolheu para o poço. Isso nos revela o quanto apegado somos às coisas e o quão doente estamos ao ponto de saber o que nos faz mal e ainda assim persistir com aquilo.

Imigrante ilegal

Trimagasi fica extremamente irritado porque matou acidentalmente um imigrante ilegal. Ela argumenta que não teve culpa. A culpa seria do imigrante, que não era para estar lá.

Vemos aqui uma crítica dura a forma como tratamos as pessoas que querem tentar a vida em um lugar melhor. Quando somos nós que vamos, queremos ser bem tratados. Quando são eles que vem, e consomem nossos recursos, aí está errado.

Será que somos donos da terra? Dos recursos? Será que está certo pensar em imigrantes ou originários do local? Não seríamos todos imigrantes? Pensemos.

Você é comunista?

Quando Goreng tenta chamar a atenção das pessoas de cima para racionarem a comida de tal forma que chegasse para os que estão nos níveis mais abaixo, ele é chamado de comunista.

É engraçado que qualquer tentativa de distribuição de renda ou de busca pela igualdade social hoje em dia é considerado uma atitude comunista, como se isso fosse um xingamento.

A teoria comunista não é a mesma coisa do que as tentativas frustradas de implantar um comunismo (a propósito, vale a leitura desse meu artigo sobre o assunto).

Goreng responde dizendo que ele é razoável. Ou seja, ele não propõe o comunismo, apenas uma atitude mais nobre dos que estão acima.

Mijando nos outros

Trimagasi mija nos que estão abaixo quando eles começam a reclamar pedindo para deixar vinho para eles. Questionado se não vê problema que amanhã eles poderão estar em cima, ele diz que eles irão fazer de qualquer jeito. Voltamos aqui ao conformismo.

Suicídio dos que estão acima

Quando uma pessoa se joga no poço, vinda dos níveis acima, Goreng não entende. Trimagasi explica que quem está acima, depois de passar muito tempo tendo comida farta, não tem muito mais o que esperar e muito a se pensar.

Vemos aqui que as pessoas que vivem de forma instintiva, apenas buscando atender suas necessidades básicas acabam tendo muito pouco o que fazer. Pensar nunca foi um problema se considerarmos que somos seres racionais. Mas se agimos de forma instintiva, pensar nos faria mal.

Vale aqui uma leitura sobre quem é o ser humano para Aristóteles e Platão, para mostrar a necessidade de o ser humano colocar um controle sobre o seu corpo.

Miharu e o quase estupro

Temos aqui a apresentação da personagem Miharu (Alexandra Masangkay) e sua busca pelo filho perdido. Goreng se mostra solidário, mas quando é testado, fraqueja.

Quando Miharu vai para o andar de baixo, é pega à força e está para ser violentada. Goreng grita e chama a atenção, mas isso não resolve nada. Trimagasi o questiona se ele vai pular para salvá-la, mas ele hesita.

É muito fácil criticar as coisas, mas difícil agir. Dizer que as coisas precisam melhorar é fácil, mas colocar “a mão na massa” para mudar é difícil. Na nossa sociedade, jogamos tudo na mão dos políticos e servidores públicos, porque eles “estão sendo pagos para isso”.

Quando Miharu vence seus agressores, Goreng relaxa. O problema pontual acabou, ela deu jeito. Ele “fez a parte dele” ou se convenceu de que não precisava ter se preocupado. Mas… e os andares mais abaixo? Será que ela aguentará? Vemos uma crítica ao falso moralismo no sentido de querer se convencer de que você fez alguma coisa, sendo que no fundo não fez nada.

Acredita em Deus?

Pela primeira vez, vemos uma referência religiosa. Trimagasi pede para Goreng rezar para que eles possam ir para um novo nível bom, pelo menos intermediário.

Trimagasi já deixa a entender que lutará para sobreviver e que não quer, nesse processo, prejudicar Goreng.

O velho ainda dá a entender que naquele mês foi possível crer em Deus, relativizando assim sua presença. Deus existe quando as coisas vão bem ou normal, mas quando as coisas vão mal, aí ele não existe.

Reflexão sobre A Plataforma: Cena a Cena (Nível 171)

A sobrevivência do mais forte

Começam aqui os problemas de Goreng. Trimagasi diz algumas coisas interessantes:

“É melhor comer do que ser comido” – Na luta pela sobrevivência, temos que assumir um lado, de preferência o lado mais forte.

“Sou alguém que tem medo” – O medo da morte nos faz destemidos para atitudes inimagináveis. Mais uma prova da ação do instinto de sobrevivência. Matar e comer alguém para sobreviver.

“As pessoas de cima me abrigam. Todos os 340 são responsáveis antes de mim” – Essa é a atitude de tirar a responsabilidade dos seus atos. Culpar o sistema, culpar o imediato superior, culpar o destino. Todos têm culpa, menos eu.

Vale aqui um aprofundamento do existencialismo de Sartre, que critica essa má-fé de tirar de si a responsabilidade e jogar para os outros.

Uma boa ação recompensada

Quando Trimagasi começa a comer partes de Goreng, Miharu chega pela plataforma e salva Goreng. Ela incapacita Trimagasi, solta Goreng e deixa ele terminar o serviço.

O velho estava incapacitado, mas mesmo assim Goreng foi lá descontar sua raiva e terminou de matar o velho com socos. Ele, naquele momento, se corrompeu ao sistema. Em uma visão com Trimagasi, mais para frente, o velho deixa claro que agora eles são iguais.

Essa dicotomia é muito interessante porque ele foi salvo por uma boa ação dele, mas acabou agindo de forma desmedida com seu agressor. Pensemos aqui em quantas vezes queremos penas de morte, ou que criminosos sofram. Somos pessoas “do bem” querendo o sofrimento do outro em vez da sua recuperação.

Comendo carne humana pela primeira vez

Um gesto bonito, mesmo sendo meio grotesco pela situação, foi Miharu mastigando a carne humana para dar de comer a Goreng.

Goreng tentou comer de forma “normal” (uma lasca de carne), mas não conseguiu.

Assim como a mãe passarinho faz com seus filhotes, Miharu introduz aos poucos Goreng naquela nova vida, na vida “real”.

Reflexão sobre A Plataforma: Conclusão

Chegamos ao fim da parte 1 dessa reflexão sobre A Plataforma / O Poço. Até aqui, vimos os dois primeiros andares habitados por Goreng, o que corresponderia ao primeiro terço do filme. Na parte 2, veremos o restante, do seu encontro com Imoguiri (Antonia San Juan) até sua descido ao fundo do poço. Espero que tenham gostado dessa forma de reflexão nerd, bem mais detalhada.

E aí? O que gostaria de acrescentar ou debater algo citado nessa reflexão sobre A Plataforma / O Poço? Deixa nos comentários! Gostou desse aprofundamento sobre o filme? Compartilha! Gostou ou não dessa forma detalhada de reflexão sobre A Plataforma / O Poço? Me manda uma mensagem dizendo o que você achou!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.