Reflexão sobre A Origem (Inception): Ideias, Sonhos e Devaneios

Reflexão sobre A Origem (Inception): Ideias, Sonhos e Devaneios

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre o filme A Origem (Inception). Esse é um filme intrigante de ação, em que pessoas conseguem “invadir” sonhos das outras para extrair informações ou tentar implantar ideias novas. Nessa reflexão, veremos algumas posições filosóficas sobre temas trabalhados no filme a respeito do surgimento das ideias e da relação conflituosa entre sonho e realidade. Essa reflexão não terá spoilers do filme, então fiquem tranquilos. Vamos lá!

Sobre A Origem [Inception] (SEM Spoilers)

A Origem (ou Inception, nome original que também é muito usado no Brasil) é um filme de 2010 do diretor Christopher Nolan. Podemos dizer que ele é do gênero ação e assalto (roubo).

Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) e Arthur (Joseph Gordon-Levitt) são dois assaltantes de ideias, um tipo de espionagem ultrassofisticada em que os espiões entram nos sonhos da vítima para roubar um pensamento (uma senha, uma informação privilegiada, um segredo etc.). A história do filme gira em torno de um novo trabalho, muito mais complexo e arriscado, que não consiste em roubar um pensamento, mas em implantar uma ideia de tal forma que a vítima tenha certeza que aquela ideia sempre foi dela.

Para realizar a tarefa, Dom e Arthur contratam outras pessoas para o time e montam uma força-tarefa para criar o plano perfeito. Obviamente, as coisas não sairão de forma esperada e acompanharemos todo o desenrolar do plano e das estratégias do grupo para contornar os problemas que forem surgindo.

Ao mesmo tempo, também conheceremos mais sobre a vida de Dom Cobb, como ele entrou nesse negócio, os problemas que ele teve com o uso dessa técnica e as motivações que o levaram a aceitar realizar esse trabalho tão arriscado.

Reflexão sobre A Origem: Entendo o Título do Filme

A tradução mais literal da palavra inception é começo ou início. No inglês, a palavra inception mais comumente é usada para se referir ao início, ao ponto de partida de uma instituição ou atividade.

Dito isso, acredito que a tradução não está tão longe do título. O problema foi que o termo inception é empregado dentro do filme para se referir à capacidade de inserir uma ideia nova no subconsciente de uma pessoa. Não sei dizer se a palavra foi usada como um neologismo ou se ela já permitia essa interpretação.

Fato é que na cultura pop (inclusive no Brasil) o termo inception é constantemente usado quando queremos dizer que alguém quer colocar uma ideia em nossas cabeças sem percebermos.

Reflexão sobre A Origem: de Onde Vem as Ideias

A primeira reflexão que fazemos se refere à capacidade de sermos convencidos a pensar algo sem o nosso livre consentimento. Eu lembro muito das famosas frases subliminares, que eram usadas conscientemente por empresas (como o SBT piscando a marca Jequiti durante seus programas) para tentar nos vender um produto sem fazer uma propaganda direta, tentado fazer com que achássemos que partiu de nós a ideia de comprar o produto.

O conhecimento nunca é espontâneo, ele sempre vem permeado de experiências que tivemos. Uma longa disputa filosófica que existiu foi se o conhecimento se originava na razão (racionalistas) ou na experiência (empiristas). Kant resolveu o problema mostrando que o conhecimento procede de ambos, no sentido de que a informação nova vem da experiência, mas ela precisa ser processada por algumas faculdades mentais que já existem na razão humana.

Logo, uma grande ideia nunca surge sozinha, do nada. Ela geralmente é uma sacada, um insight que tivemos ao combinar diferentes informações que tínhamos a disposição. Às vezes, essa combinação também pode vir acompanhada de uma intuição, algo do tipo “e se eu pegar isso e isso e testar nisso aqui para ver se funciona”. Assim acontece com o progresso das grandes áreas do conhecimento, como a filosofia, a matemática e as ciências. Mesmo que a sua grande ideia seja negar tudo e olhar por outro ângulo, não se pode ignorar o fato de você já saber o que foi feito e por isso poder arriscar outros caminhos.

Sendo assim, acredito que todas as informações que absorvemos na vida, das mais banais às mais eruditas, podem contribuir em algum momento e de alguma forma para gerar uma grande ideia nossa. É por isso que tenho orgulho de produzir essas reflexões nerds, porque defendo a cultura nerd / pop como criadora de conteúdos que podem agregar (diferente de muitas pessoas que acham que tudo isso é só perda de tempo).

Mas voltando à discussão inicial, é muito provável que em muitos momentos você não lembre “a origem” da sua ideia (agora o título em português do filme faz sentido!). Contudo, isso não quer dizer que ela não teve uma inspiração, que ela surgiu aleatoriamente na sua cabeça. Tudo aquilo que pensamentos foi, de alguma forma, influenciado por experiências que tivemos ao longo da vida.

Agora, essa capacidade de colocar uma ideia totalmente nova em nosso subconsciente, entendo essa ideia como uma tomada de decisão (como é apresentado no filme) já é algo mais ficcional do que real. Nós somos seres facilmente influenciáveis quando mexem com nossas emoções e não precisaria de muita coisa para fazermos algo inesperado (as empresas de marketing conseguem constantemente fazer isso com a gente… kkk).

Reflexão sobre A Origem: Sonho x Devaneio x Realidade

O filme brinca constantemente com essa dualidade sonho-realidade. Volta e meia nós iremos nos perder, não sabendo mais se estamos no sonho de alguém ou se estamos na realidade. Até mesmo os personagens passam por esses dilemas e precisam de artifícios para conseguirem se localizar.

A discussão sobre o que é real e o que é sonho está presente na obra de Descartes, quando ele aponta a facilidade de tomarmos o sonho como real e o real como sonho. Isso seria, para ele, prova de que o fato de crermos na realidade do mundo não é suficiente para fundamentar a verdade do conhecimento porque aquilo que tomamos como real poderia se um sonho e vice-versa.

Gaston Bachelard, nos seus estudos poéticos, irá valorizar bastante o devaneio, o sonho acordado. Ele colocará a imaginação criadora à frente da realização racional, dizendo que o mundo é primeiro devaneado (imagens direcionadas), para só depois ser concretizado em ideias e realizações. Sendo assim, o devaneio é o campo criador do ser humano, é onde ele coloca toda a sua capacidade criativa para fora. Isso pode ser muito bem percebido no filme quando a equipe elabora, criar, arquiteta o plano. Nesse momento, eles estão devaneando, colocando suas histórias para fora. Como não chamar de devaneio a capacidade que eles têm de estruturar um sonho que será utilizado na operação?

Dito isso, nos sobra a realidade. Por mais apegados que nós somos ao mundo, a realidade nunca é aquilo que gostaríamos que fosse. É interessante pensar como gostamos de sonhar vivermos outras vidas, imaginar situações inusitadas, mas nunca nos arriscamos a fugir da realidade. Por mais que possamos odiar nossa realidade, sempre temos medo de tentar viver um sonho ou um devaneio. Esse apego materialista geralmente é o que nos torna escravos de nós mesmos, prisioneiros de nossos medos de ousadia.

Fica-se assim o convite: se gostamos tanto do que sonhamos, se constantemente devaneamos como poderia ser melhor a nossa vida, porque não arriscar abandonar a realidade e viver esse onirismo? Se a coisa está tão ruim que te faz reclamar sempre do que você está vivendo hoje, porque não “chutar o balde” e viver uma experiência totalmente nova? Lembremos de Bachelard e sua ideia de que tudo começa nas imagens, só depois elas se tornam ideias e se concretizam. Pega essas imagens e se joga! Com certeza, pelo menos nesse momento, você vai se sentir realmente vivo.

Reflexão sobre A Origem: Conclusão

No final dessa reflexão sobre A Origem, percebemos que uma ideia nunca nasce do nada e que pode valer muito a pena abandonar a realidade e viver um sonho. Temos medo de sermos controlados e acabamos colocando controles sobre nós mesmos. Deixamos a ousadia apenas nas imagens do sonho / devaneio e acabamos ficando com a nossa realidade sem graça (da qual nos arrependeremos depois). A minha dica é: não ligue se o peão está girando ou não.

Aprofundando o Assunto

Caso não tenha visto o filme ainda ou queira rever, ele está disponível na Netflix. Se você quiser ter uma cópia física, segue um link para comprar o filme: DVD ou Blu-ray.

Caso queiram ler os trabalhos de Descartes, Locke, Kant e Bachelard citados aqui, sugiro:

Meditações metafísicas (René Descartes)

Draft A do ensaio sobre o entendimento humano (John Locke)

Crítica da razão pura (Immanuel Kant)

A Poética do Espaço (Gaston Bachelard)

E aí? O que você pensa dos assuntos abordados nesse artigo? Deixa abaixo seus comentários! Gostou dessa reflexão? Compartilha a apresenta para mais pessoas! Quer um artigo dedicado ao pensamento poético de Bachelard? Entra em contato comigo e pede!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

Posted in Filmes, Reflexões Nerds and tagged , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , .

Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.