Criticismo de Kant Descomplicado

Criticismo de Kant Descomplicado

Olá, marujos! Hoje, vamos explicar a teoria filosófica conhecida como Criticismo de Kant de um jeito descomplicado. Vamos lembrar quem foi o filósofo Immanuel Kant, comentar sobre sua obra Crítica da Razão Pura, e explicar sua teoria filosófica. Tudo com uma linguagem o mais simples possível e vários exemplos. Vamos lá!

Immanuel Kant

Kant foi um filósofo moderno. Ele nasceu e morreu na cidade de Königsberg (atual Kaliningrado) entre os anos de 1724 e 1804. Nunca se casou nem teve filhos. Sua teoria filosófica é considerada o ápice da Filosofia Moderna, porque ele consegue apresentar toda a autonomia do ser humano, concretizando a proposta antropocêntrica da modernidade. 

Crítica da Razão Pura

A obra Crítica da Razão Pura foi a primeira grande crítica produzida por Kant. Nesse livro, ele se propõe a estudar a razão humana e compreender como ela produz conhecimento, como podemos confiar no conhecimento que ela produz e se existem limitem para o conhecimento produzido por ela. O termo usado “crítica” possui aqui o seu sentido original de julgamento, de investigação, porque Kant se propôs a julgar a razão humana e, assim, compreendê-la.

Criticismo de Kant Descomplicado: Resolvendo a Disputa Racionalismo x Empirismo

O criticismo de Kant pode se considerado uma resposta à disputa entre as teorias racionalistas e empiristas. Basicamente, essas duas correntes filosóficas se opunham no que se refere ao modo como adquirimos conhecimento. Enquanto que os racionalistas acreditavam que o conhecimento verdadeiro só pode vir da razão, os empiristas defendiam que o conhecimento procedia da experiência sensorial (os sentidos). Kant, em sua crítica, perceberá que, na verdade, tanto a razão quanto a  experiência são necessárias para se produzir o conhecimento.

Utilizando o binômio matéria-forma para explicar sua teoria, Kant vai dizer que a experiência sensorial contribui com a matéria do conhecimento, enquanto que a razão contribui com a forma. Sendo assim, o conhecimento depende tanto da experiência quanto da razão para acontecer. O que temos aqui é uma complementaridade: um complementa o outro e, separados, não produzem um conhecimento considerado verdadeiro.

Nas palavras de Kant: “Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência”. Com essa frase, Kant mostra que o conhecimento começa com a experiência; porém, precisa da razão para se fazer compreendido e estabelecido.

Um exemplo que pode te ajudar a compreender melhor isso: pensa que o ser humano é um smartphone, a razão humana é o sistema operacional e as experiências do mundo são os aplicativos. Um smartphone só com o sistema operacional e sem os aplicativos não faz nada porque o sistema operacional é só a base de processamento. Um smartphone sem o sistema operacional, mas com os aplicativos instalados também não faz nada porque não tem como interpretar os dados do aplicativo e fazê-lo “rodar”. Para funcionar adequadamente, o celular precisa tanto do sistema operacional quanto dos aplicativos, ambos trabalhando juntos para que as funções do aparelho funcionem adequadamente.

Criticismo de Kant Descomplicado: Tipos de Juízos

Kant considera que o conhecimento se dá através de juízos. Juízos são afirmações que fazemos sobre algo; por exemplo, “Essa cadeira é azul”. Sendo assim, o ser humano produz conhecimento quando ele emite juízos sobre as coisas. O problema é garantir que esses juízos estão certos, e, consequentemente, o conhecimento ser verdadeiro.

Kant vai dizer que existem dois tipos de juízos: os juízos analíticos e os juízos sintéticos.

  1. Juízos Analíticos: ocorrem quando fazemos uma análise de uma coisa. Análise aqui significa identificar uma característica contido em uma coisa, baseando-se na lógica. Exemplo: um quadrado tem quatro lados. Esse é um juízo analítico porque eu analisei a figura geométrica “quadrado” e extraí uma afirmação sobre ele. Esse é um juízo verdadeiro (porque é necessário e universal). Contudo, esse juízo não trouxe uma informação nova sobre o quadrado porque ele foi somente uma constatação. 
  2. Juízos Sintéticos: ocorrem quando fazemos uma síntese de uma coisa. Síntese aqui significa apresentar uma informação nova sobre uma coisa, baseando-se na experiência. Exemplo: todo ser humano é mortal. Nesse caso, a definição de ser humano não é ser mortal, mortal é uma característica que existe na realidade e que estamos atribuindo-a ao ser humano devido a constantes experiências que temos de pessoas que morrem ao longo da história e, ao mesmo tempo, ausência de experiência com alguém que está vivo eternamente. O problema desse juízo, segundo Kant, é que ele é provável (porque é contingente e particular), já que é impossível conhecer todos os seres humanos e constatar que não existe ninguém aí que está vivo eternamente. Kant vai chamar esse tipo de juízo de sintético a posteriori porque depende só da experiência.

Kant dirá que é preciso um juízo que ao mesmo tempo traga informações novas sobre uma coisa e seja verdadeiro (necessário e universal). Kant chamará esse juízo de sintético a priori. Perceba que esse tipo de juízo junta tanto a necessidade da experiência quanto a garantia dada pela razão.

Criticismo de Kant Descomplicado: As Faculdades do Ser Humano

Kant vai dizer que todos os seres humanos possuem duas faculdades que os possibilitam alcançar o conhecimento:

  • Sensibilidade: faculdade receptiva, é aquela que recebe os estímulos externos vindos da experiência sensorial;
  • Entendimento: faculdade responsável pelo pensar e produzir conceitos, é aquela que processa os estímulos externos vindos da experiência sensorial.

Kant compreende que, se todos os seres humanos possuem as mesmas faculdades, todos são capazes de compreender a mesma ideia se for explicada de um modo adequado. Essa compreensão é essencial para que o conhecimento produzido pelo juízo seja universal (sirva e signifique a mesma coisa para todos).

Criticismo de Kant Descomplicado: As Formas a priori

Kant defenderá que um juízo sintético pode levar a um conhecimento verdadeiro porque o ser humano possui formas a priori tanto na sensibilidade quanto no entendimento. Essas formas a priori não foram adquiridas pela experiência, mas “nasceram” juntas com as faculdades, sempre estando ali. Essas formas, que não dependem da experiência e são inatas, garantem a compreensão humana daquilo que ele experimenta no mundo exterior.

As Formas a priori da Sensibilidade

Kant dirá que existem duas formas a priori na sensibilidade, que ele também chama de intuições puras: espaço e tempo.

Para o filósofo, espaço (entendido como lugar / posição) não é algo concreto, mas uma intuição que temos e precisamos usar para compreender algo na realidade. Tudo o que pensamos e experimentamos está em algum lugar, possui uma localização. Exemplos: essa mesa está aqui. A maçã está sobre a mesa.

Como exercício, tente pensar algo que não esteja em um lugar ou em alguma posição. Mesmo que você pense no espaço sideral ou no vácuo, essas coisas ainda estão em algum lugar.

Já o tempo se refere a uma acontecimento. Tudo o que experimentamos está ocorrendo agora, ocorreu no passado ou poderá ocorrer no futuro. Não tem como pensar em algo que exista fora do tempo, tudo precisa existir em algum momento. Exemplo: você está agora lendo esse artigo. Esse artigo foi escrito a um tempo atrás. Você poderá voltar futuramente para ler outro artigo do blog.

Como exercício tente pensar em algo real que não esteja localizado em algum tempo ou época. Não tem como…

Assim, Kant mostra que só podemos captar os estímulos sensíveis pela sensibilidade porque as formas a priori do espaço e tempo criaram as condições de compreensão sensível das coisas, que estão em algum lugar e em algum momento.

Importante: Se você pensou em Deus para responder meus dois questionamento anteriores, leia esse outro artigo sobre Kant em que eu explico sobre a noção de Deus para o filósofo.

As Formas a priori do Entendimento

Kant vai dizer que o entendimento possui doze categorias, que são suas formas a priori. Essas categorias, inspiradas nas categorias aristotélicas, não foram adquiridas pela experiência sensorial. Ao contrário, sempre estiveram presentes no entendimento e sem elas tudo aquilo que recebemos de estímulo externo não poderia ser processado e entendido.

As categorias se subdividem:

  • Quanto à quantidade: unidade (noção de que uma coisa é unitária), pluralidade (noção de que um conjunto de coisas forma um grupo de mais de uma unidade) e totalidade (noção de que aquilo que observo representa todo um conjunto fechado de coisas).

Por exemplo: quando você pede uma pizza para quatro pessoas, você pede uma pizza gigante. Quando o entregador chega, você a divide em quatro grandes fatias. Você teve a noção de que aquela é uma pizza (unidade), que foi dividida em quatro pedaços (pluralidade) e que somados novamente gerariam a totalidade da pizza.

  • Quanto à qualidade: realidade (o que descrevo é real), negação (o que descrevo é irreal) e limitação (o limite daquilo que descrevo).

Por exemplo: Quando pensamos na luz, podemos dizer que ela é real. O escuro seria a negação da luz, ou seja, ausência de luz. A feixe de luz viaja a uma velocidade limitada (velocidade da luz)

  • Quanto à relação: inerência e acidente (se aquilo que observo é a coisa em si ou apenas uma característica dela), causalidade e dependência (se aquilo que observo causa algum efeito ou é efeito de alguma causa) e reciprocidade (se aquilo que observo é causa e efeito ao mesmo tempo).

Por exemplo: Quando distingo a laranja da cor dela (pois uma coisa é a fruta, e outra coisa é a cor dela). Quando compreendo que ao empurrar (causa) uma bola ela vai rolar (efeito). Quando compreendo que ao chutar uma pedra estarei ao mesmo tempo causando um força nela que poderia movê-la para frente e sofreria uma força de resistência dela que culminaria no efeito de dor no meu pé.

  • Quanto à modalidade: possibilidade-impossibilidade (se algo é possível ou impossível), existência-inexistência (se algo existe ou não existe) e necessidade-contingência (se algo é obrigatório ou opcional).

Por exemplo: É possível ficar embaixo d’água, mas é impossível respirar debaixo d’água. Existem cavalos e inexistem unicórnios. É necessário que mantenhamos nosso corpo hidratado, mas é opcional se isso será feito apenas com água, ou também com suco ou água de coco.

Perceba que as doze categorias não são apreendidas do mundo, mas elas são indispensáveis para compreender o mundo. Sem elas, todas as informações recebidas não conseguiriam ser processadas pelo nosso entendimento.

Criticismo de Kant Descomplicado: Conclusão

Kant, com seu criticismo, vai nos mostrar que é possível produzir um conhecimento novo e verdadeiro, que é a base da Ciência, graças ao juízo sintético a priori. Com esse tipo de juízo, o ser humano extrai uma informação nova sobre o mundo que é verdadeira e possível de ser compartilhada porque ela é processada por formas presentem na constituição racional do ser humano e que são comuns a todos eles, independentemente das experiências que eles tiveram ao longo de suas vidas.

Assim, Kant vai dizer que esse é o limite do conhecimento verdadeiro da razão. Tudo o que não pode ser compreendido dentro do tempo, do espaço ou das categorias está para além da razão e não é objeto do conhecimento, mas da especulação metafísica. Para entender isso melhor recomendo a leitura desse artigo: Dialética Transcendental de Kant Descomplicada.

E aí? Ficou alguma dúvida? Deixa nos comentários que eu explico melhor. Conseguiu finalmente aprender o criticismo de Kant? Compartilha esse artigo e ajuda outras pessoas. Quer sugerir algum tema ou apontar algum equívoco no texto? Entra em contato comigo.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

ARANHA, Maria Lúcia Arruda. Filosofar com textos: temas e história da Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.

Coleção Ensino Médio 2° ano. Belo Horizonte: Bernoulli Sistema de Ensino, 2020. (Volume II)

Wikipédia (os artigos utilizados estão na forma de hiperlink dentro do texto).

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.