Epicurismo Descomplicado: Ética Helenística

Epicurismo Descomplicado: Ética Helenística

Olá, marujos! Hoje, explicaremos o epicurismo de um jeito descomplicado. Epicurismo é o nome de uma das éticas da filosofia helenística. Vamos explicar a origem dessa escola filosófica, suas principais ideias filosóficas e a polêmica atual do termo hedonismo. Vamos lá!

Epicurismo Descomplicado: Origem e Etimologia

Epicurismo é uma escola filosófica do período helenístico. Ela foi fundada em 306 a.C. por Epicuro de Samos em Atenas.

Na ocasião, Epicuro comprou um jardim no subúrbio de Atenas, afastado do centro urbano. Por isso, a escola ficou conhecida na época como “O Jardim” e muitos se referiam ao local como “O Jardim de Epicuro”. O local era bem receptivo para a época, aceitando mulheres e escravos. Já na entrada, os visitantes eram recebidos com as frases “Estranho, você ficará aqui com prazer; aqui, o prazer é nosso bem maior”.

Semelhante às outras escolas que surgiram nessa época, o epicurismo também dá enfoque na ética, ensinando seus discípulos a encontrarem a felicidade individualmente.

O epicurismo prosperou bem até o século 3 d.C., quando começou a cair em declínio especialmente porque sua doutrina ia de encontro aos valores cristãos, que estavam em ascensão na época e que se consolidaram na idade média. Por esse motivo, a grande maioria das obras escritas por Epicuro se perderam.

O epicurismo só foi resgatado como doutrina filosófica no renascimento.

Epicurismo Descomplicado: Filosofia

Prazeres

A felicidade, para os epicuristas, estava em viver uma vida de prazeres. Isso se explica porque os epicuristas eram materialistas, ou seja, compreendiam que toda a realidade é esse nosso mundo material, não tendo nada além dele. Logo, a felicidade deveria estar em algo concreto, nesse mundo.

Porém, o epicurismo não defendia apenas prazeres físicos. Ele também defendia prazeres mentais. Dessa forma, temos:

Prazeres corpóreos: são prazeres sensíveis, proporcionados pela satisfação das necessidades do corpo. São imediatos e passageiros (passam quando a experiência que causa o prazer termina). Exemplo: deitar na sua cama quando se está cansado, tomar uma bebida refrescante quando se está com sede, comer algo quando se está com fome.

Prazeres mentais: são os prazeres de bem-estar que sentimos quando temos a sensação de que tudo está bem. Esses prazeres estão no presente, no passado e no futuro porque podem se apresentar como uma sensação de bem-estar no momento (relaxamento enquanto se está em uma espreguiçadeira à beira da piscina no começo de suas férias), como uma lembrança agradável (recordação de um momento feliz vivido) ou como uma expectativa de bem-estar futuro (quando você imagina algo bom que está por vir, tipo uma viagem, e se sente bem).

Para os epicuristas, os prazeres mentais são mais valiosos e bem quistos do que os prazeres corpóreos.

Cada um desses tipos de prazeres (os corpóreos e os mentais) também podem ser de dois tipos. São eles:

Prazeres cinéticos: é a sensação de prazer advinda de uma ação que causou uma mudança em você. Por exemplo, a sensação de saciedade que temos assim que comemos algo porque estávamos com fome; ou a sensação de alegria ao rir de uma piada que recordamos.

Prazeres catastemáticos: é a sensação de prazer advinda de um estado de bem estar vivenciado por uma pessoa. Por exemplo, a tranquilidade que uma pessoa possa ter porque sabe que não passará fome; ou a tranquilidade que uma pessoa pode ter ao se sentir amada por seus pais.

Aponia e Ataraxia

Quando se estuda a filosofia epicurista, percebe-se que, para eles, o prazer está muito mais associado a ausência da dor. Dessa forma, o prazer máximo estaria na ausência de dor física ou mental.

O termo grego para ausência de dor física é aponia. E o termo grego para ausência de dor mental é ataraxia. Logo, o fim último da filosofia epicurista é alcançar a aponia e a ataraxia.

Os relatos bibliográficos dizem que Epicuro sofria de cálculos renais. Sendo isso verdade, faz muito sentido a filosofia epicurista colocar como meta de vida a ausência de dor, já que seu mestre passou a vida toda tendo que lidar com uma dor incômoda em seu corpo.

Em outras palavras, os epicuristas não querem sofrer, seja fisicamente seja mentalmente. Contudo, sabendo que é praticamente impossível viver uma vida sem nenhum sofrimento, a sabedoria filosófica dos epicuristas estava em equilibrar as sensações de prazer com os sofrimentos, aproveitando os prazeres com moderação.

Desejos

O maior “inimigo” das pessoas seriam os seus desejos. Não porque os desejos são maus em si mesmos, mas porque alguns deles nos fazem querer muitas coisas e, quando não as obtemos, sofremos. Dessa forma, a prática epicurista ensinou como identificar os tipos de desejos para controlá-los, atendendo apenas àqueles que nos causam prazer e aprendendo a ignorar aqueles que só nos causarão sofrimentos.

São três os tipos de desejos:

a) os desejos naturais e necessários: esses desejos são naturais porque nascem com os seres humanos e são necessários porque são eles que nos fazem agir para alcançar a felicidade, para evitar as dores e para sobreviver. São, por exemplo, os nossos desejos de nos alimentar, hidratar, dormir, nos proteger do frio, querer estar com amigos.

b) os desejos naturais e não necessários: são naturais porque nascem conosco, mas não são necessários porque são estrapolações desnecessárias dos desejos naturais e necessários. Ou seja, desejar comer uma comida gostosa é ir além de simplesmente se alimentar; querer dormir em uma cama confortável é ir além de simplesmente querer dormir.

c) os desejos não naturais e não necessários: como o nome já sugere, esses desejos não nascem conosco e não precisamos satisfazê-los. Segundo os epicuristas, eles são vaidosos e vazios. Esses são desejos que surgem ao longo de nossas vidas, são ilimitados e impossíveis de serem satisfeitos. São exemplos os desejos de poder, fama e riquezas.

Os desejos não naturais e não necessários devem ser completamente ignorados porque eles só nos levarão ao sofrimento já que é impossível satisfazê-los (porque nunca seremos poderosos, famosos ou ricos suficientemente, sempre acabaremos querendo mais).

Os desejos naturais e não necessários devem ser evitados porque demandam mais esforço para serem atingidos e, no final, o prazer que eles nos darão será semelhante ao prazer dado pelos desejos naturais e necessários. Ou seja, a saciedade dada por um filé mignon será a mesma dada por um peito de frango; a alegria em reunir os amigos será a mesma, seja com um super buffet em um salão de festas chique ou com um almoço no quintal de casa.

Já os desejos naturais e necessários devem sempre ser buscados e satisfeitos o mais rápido possível. O motivo é simples: se esses desejos apareceram, é porque algo está nos incomodando (seja no corpo ou na mente) e precisamos satisfazer esses desejos para voltar ao estado de paz e tranquilidade física ou mental.

Vale relembrar que tudo deveria ser moderado, até mesmo a própria moderação. Dessa forma, os epicuristas consideravam saldável vez ou outra satisfazer os desejos naturais e não necessários (como, por exemplo, fazer uma festa em uma data especial ou dormir até tarde em um final de semana sem compromissos).

Epicurismo Descomplicado: O Tetrapharmakos

O termo tetrapharmakos significa literalmente quatro remédios. Isso era um composto feito de cera, resina de pinheiro, breu e gordura animal utilizado como remédio na Grécia antiga (não sei para que!).

O epicurista Filodemo de Gádara se apropriou do termo para resumir as quatro primeiras máximas de Epicuro, considerando que elas servem como um remédio contra o sofrimento humano. São elas:

a) Não tema a Deus;

b) Não se preocupe com a morte;

c) O que é bom é fácil de conseguir;

d) O que é terrível é fácil de suportar.

A interpretação dessas máximas é a seguinte:

a) para os Epicuristas, se existe Deus, ele é um ser perfeito. Se é perfeito, ele não se perturba com nada. Se não se perturba com nada, ele ignora completamente a existência humana, seja positiva ou negativamente. Dessa forma, nada que aconteceria em nossas vidas é advindo do amor ou castigo de Deus. Deus em nada nos afetaria.

b) como toda a realidade é material, não existiria nada além da vida. Dessa forma, a morte é o fim de tudo. Logo, não existem motivos para temer aquilo que nos aguarda após a morte, porque nada nos aguarda. Uma frase famosa atribuída a Epicuro dizia mais ou menos assim: “Quando estou, a morte não está; quando a morte está, eu não estou”.

c) o termo “bom”, aqui, deve ser entendido como felicidade. E, conforme foi apresentado acima, a felicidade é facilmente alcançável se a buscarmos nos prazeres naturais e necessários. Conforme os exemplos e explicações dados anteriormente, não é difícil se sentir feliz quando se entende que aquilo que se precisa para ser feliz é apenas satisfazer os desejos naturais e necessários (e nada mais).

d) o termo “terrível”, aqui, deve ser entendido como dor. Para os epicuristas, o normal é existirem dores fortes e rápidas ou dores fracas e prolongadas. Dessa forma, ou viveremos uma experiência intensa de dor “de uma tacada só” (tipo, chutar uma pedra) ou teremos uma dor incômoda, mas suportável (tipo, dor de cabeça). Sendo assim, conseguiríamos suportar todas as dores. Uma dor insuportável, segundo eles, levaria inevitavelmente à morte (e, com isso, recorreríamos à segunda máxima para nos tranquilizar).

Epicurismo Descomplicado: Hedonismo Ontem e Hoje

Hedonismo é o nome dado para doutrinas filosóficas que possuem como finalidade o prazer, e esse é o caso do epicurismo. Contudo, como vimos até aqui, o prazer defendido pelos epicuristas não é um prazer louco e desvairado, mas um prazer moderado, controlado.

Na modernidade, uma corrente filosófica que se propôs também hedonista foi o utilitarismo. Nessa ética, o critério para se agir também era baseado na busca pelo prazer e fuga da dor (ambos, nos mesmos moldes do epicurismo).

Infelizmente, hoje, o termo hedonismo normalmente se refere a uma vida de prazeres frívolos e superficiais. Hedonistas seriam pessoas que viveriam uma vida no aqui e no agora, curtindo-a ao máximo, extraindo delas todas as experiências possíveis não importando as consequências. Porém, como deve ter ficado claro, não era essa a proposta dos epicuristas e, portanto, não pode ser atribuída a eles essa culpa.

Epicurismo Descomplicado: Ensinando esse Conteúdo

Caso precise ensinar esse conteúdo em sala de aula e queira fazer alguma coisa diferente, recomendo a leitura do artigo: Epicurismo Através de Dinâmica.

Epicurismo: Obras e Comentários

     
           

Epicurismo Descomplicado: Conclusão

Com isso, concluímos esse artigo descomplicado sobre o Epicurismo. Nele, aprendemos sobre a origem dessa escola filosófica e suas principais teorias filosóficas. Também esclarecemos sobre a confusão que fazem com o termo hedonismo, mostrando como ele é compreendido hoje e como ele era compreendido no passado.

E aí? Gostou desse artigo descomplicado sobre o epicurismo? Compartilha! Quer uma reflexão detalhada sobre algum filósofo epicurista? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Você viveria uma vida tal como defendida pelos epicuristas? Comenta!

Epicurismo Descomplicado: Referências

WIKIPÉDIA. Verbete Epicurismo (português, inglês e sueco) e Tetrapharmakos (inglês)

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.