Reflexão sobre Round 6: Desigualdade Social e Voyeurismo Social

Reflexão sobre Round 6: Desigualdade Social e Voyeurismo Social

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série Round 6, também conhecida como Squid Game. Nessa série, acompanhamos um grupo de pessoas endividadas disputando entre si para ganharem um prêmio milionário. O diferencial? Os jogos são brincadeiras infantis e quem perde morre! Nessa reflexão, vou trabalhar a questão da desigualdade social (que leva pessoas a toparem esse tipo de situação) e o nosso voyeurismo (que é o que alimenta esse tipo produto). Teremos alguns spoilers da série, mas nada que comprometa os grandes acontecimentos. Vamos lá!

Sobre Round 6 (SEM Spoilers)

Round 6, também conhecida como Squid Game (Jogo da Lula) é uma série sul-coreana que estreou em 2021 e está disponível na Netflix. O nome original, jogo da lula, faz referência a uma brincadeira infantil da Coréia do Sul. Já o nome brasileiro faz referência ao fato da disputa ser composta por seis jogos diferentes.

Na trama, acompanhamos Seong Gi-hun (Lee Jung-jae), um adulto desempregado que mora com a mãe, gasta seu pouco dinheiro em corridas de cavalo, não consegue ser um pai presente para sua filha, e ainda está devendo uma fortuna para agiotas.

Em mais um de seus dias de merda, ele é abordado por um cara misterioso que o convida para um jogo que pode lhe render muito dinheiro. Sem perspectiva de conseguir a grana que precisava por meios mais tradicionais, ele aceita.

Já no local das disputas, ele descobre que são ao todo 456 competidores. Cada um desses competidores gera um prêmio de aproximadamente R$85.000,00. Quem chegar até o final, leva o dinheiro acumulado. A maioria dos jogadores podem até desistir no meio do caminho, mas aí o dinheiro vai para os perdedores.

Apesar de todo ar de mistério (já que o local é desconhecido, os instrutores usam máscaras e outras bizarrices), tudo parecia apenas uma excentricidade. Dessa forma, todos se encaminham para o primeiro jogo, chamado de “Batatinha Frita 1, 2, 3”, que nada mais é que o nosso “jogo de estátua”.

A regra do jogo é simples: para passar, tem que atravessa o percurso dentro do limite de tempo. Só pode andar quando o líder (uma boneca robô gigante) não está olhando. Quando ela olha, tem que parar. Se ela te ver se mexendo, você perde. Até aí, nenhum problema, né? O problema começa quando o primeiro jogador a ser pego pelo olhar da boneca leva um tiro! Pois é: aqui, perder o jogo significa morrer!

Agora, o que já era bizarro ficou ainda mais! Os jogadores terão que levar muito a sério seus jogos porque perder significa perder a vida. E, como toda competição, você cria alianças e desavenças que impactarão seus resultados…

E aí? Quem vencerá no final? Quem terá a melhor estratégia ou sorte?

Reflexão sobre Round 6: Desigualdade Social e o Cruel Jogo da Vida

No final do primeiro jogo, os jogadores sobreviventes estavam completamente desnorteados por tudo o que estava acontecendo. Nunca eles imaginaram que perder o jogo fosse igual a morrer. Mesmo que eles tivessem muitas dívidas, muitos não queria colocar sua vida em risco. Já outros, apesar dos riscos, estavam dispostos a continuarem jogando.

Após muitas discussões, fizeram uma votação e, por causa de um voto, ganhou o grupo que queria parar o jogo. Com isso, todos foram devolvidos a suas vidas habituais. Nesse momento, acompanhando um pouco da vida de cada um dos personagens principais, constatamos uma coisa: a vida deles é uma merda! Por diferentes motivos, cada um deles está desesperado e, sem dinheiro, não poderão viver vidas tranquilas.

Após um dia de volta à realidade, eles são convidados novamente para o jogo, para retomarem de onde pararam. Como vocês podem imaginar, a maioria acabou voltando. E isso é algo muito interessante de se refletir.

Normalmente, quem está confortável em algum aspecto da sua vida, costuma julgar aqueles que estão desesperados nesse aspecto como se bastasse a essas pessoas uma mudança de atitude para tudo se resolver. Trazendo para o exemplo da série, é fácil para nós, que estamos confortavelmente em casa, dizer que é um absurdo que aquelas pessoas tenham decidido voltar ao jogo mesmo sabendo dos riscos. É muito fácil julgar de fora.

A verdade é que só quem está vivendo a situação sabe “até onde seu calo aperta”, sabe o que dá ou não para suportar. Nós não temos direito de julgar as escolhas alheias.

Entendendo a Desigualdade Social

Desigualdade social é qualquer tipo de desigualdade presente em alguns aspecto da sociedade. Existir diferença entre cor de pele ou sexo é normal. Mas se torna uma desigualdade social quando esse fator biológico te abre ou fecha oportunidades sociais, como conseguir um trabalho, por exemplo. Também é uma desigualdade social possuir ou não dinheiro porque o dinheiro é uma criação da sociedade.

Dito isso, percebemos que o grande motivador daquelas pessoas a voltarem para o jogo é o fato delas não terem condições de levarem uma vida normal se não conseguirem o dinheiro de que precisam. O grande abismo que separa uma minoria que muito tem e uma maioria que pouco tem é gigantesco. E só não percebe isso quem quer fingir que não vê para não se importar!

O mais engraçado é que todos guardam em suas cabeças os ideais revolucionários franceses de liberdade, igualdade e fraternidade. Porém, quem de fato os cumpre? Como você exerce a sua fraternidade vendo pessoas passando necessidade? Como você exerce a igualdade quando dá preferência para fulano ou cicrano só porque essa pessoa é seu parente, amigo ou indicado? Como você defende a liberdade se existem pessoas que não podem fazer um monte de coisas porque suas condições sociais não as permitem?

Exemplo Real

Eu nunca vou esquecer de um aluno presidiário que tive (sim, eu já dei aula em presídios). Ele dizia que era mecânico e que, quando saísse da cadeia, queria abrir sua oficina ou trabalhar na oficina de alguém. Porém, ele dizia, se não conseguisse nem emprego nem abrir seu negócio, ele não hesitaria de voltar a rouba porque não iria suportar sua família passando fome.

Nessa situação, você vê que não basta a pessoa saber o que é ou o que não é o certo. Mais importante do que a consciência, nesses casos, são as condições para que alguém mude.

E digo mais: essas condições de mudança devem ser compatíveis com a realidade da pessoa e da sociedade em questão. Se não, se tornam humilhantes e não resolvem o problema. Podem, ao contrário, agravar a situação ainda mais.

Por exemplo, não adianta dizer que a solução está em um auxílio governamental que não chega a meio salário mínimo sendo que esse valor claramente não sustenta uma família nem em alimentação nem em gastos como aluguel, luz, água… Dar uma esmola para um mendigo não faz com que ele saia da sarjeta!

Igualdade de Oportunidades

É nesse contexto também que faz sentido a declaração de um dos “caras de macacão vermelho”, de que dentro do jogo deve ser oferecida uma luta igual para quem sempre lutou em desigualdade.

Mesmo que nitidamente o jogo é algo totalmente fora da legalidade e um desrespeito aos direitos humanos, em um certo sentido, todos os jogadores estavam ou deveriam estar jogando apenas com suas forças e habilidades, sem nenhum tipo de favorecimento externo.

Dizer que todas as pessoas competem em pé de igualdade pelas oportunidades sociais sabendo que a sociedade em si é preconceituosa e que famílias com dinheiro conseguem pagar por condições de vida muito melhores que famílias pobres aponta uma discrepância enorme já no começo. E se a largada é desigual, a disputa será desigual se nada for feito.

Resumindo

Dessa forma, pense bem se realmente é justo julgar alguém que fez escolhas consideradas erradas. Provavelmente, ela mesma não queria ter feito essas escolhas, mas as condições sociais de sua vida não lhe deram melhores oportunidades ou não lhe permitiram vislumbrar outros caminhos.

Reflexão sobre Round 6: Somos Todos Voyeurs da Desgraça Alheia

Outro ponto importante da série era a motivação daquilo tudo estar acontecendo. A grande questão era: quem estava patrocinando aqueles jogos e por qual motivo?

No final, descobrimos que não existia nenhuma grande lição de moral naquilo tudo. Eram apenas bilionário os quais não tinham mais o que fazer com suas riquezas e decidiram gastar seus dinheiros dessa forma macabra.

Talvez, essa atitude egoísta e discriminatória desses abastados, que desperdiçam suas fortunas com luxos e humilhações alheias podem nos revoltar. Porém, já parou para pensar que todos nós somos um pouco dessas pessoas em menor escala?

Nosso Voyeurismo

Assim como os VIPs gastavam seu tempo e dinheiro vendo outras pessoas se humilhando e se matando, nós também estávamos fazendo isso ao ver a série! Nós poderíamos estar usando esse tempo para ler um livro de literatura, estudando algum assunto filosófico ou sociológico para nossa formação como cidadãos, poderíamos estar curtindo esse tempo com alguém da nossa família ou até mesmo nos dedicando a atividades religiosas ou filantrópicas. Mas não, estávamos vendo pessoas se matando por dinheiro!

Mas aí você pode dizer: “mas eu estou vendo uma série! São só atores interpretando um papel…” E eu te pergunto: e os vários programas de reality show e/ou auditório que você vê? Nesses programas, temos pessoas reais que possuem problemas reais e decidem expor suas vidas ao público pela chance de conseguirem algum dinheiro extra ou realização de um serviço / sonho. Do Big Brother Brasil ao Lata Velha, passando pelo The Voice e Lar Doce Lar, são só alguns exemplos de diversos programas que expõem as intimidades de diversas pessoas que, no fundo, só fazem aquilo porque foi a única forma que encontraram de conseguir o que precisavam.

Também podemos julgar as horas que passamos vendo perfis de redes sociais de conhecidos e desconhecidos, vendo elas fazerem dancinhas, joguinhos ou desafios só para conseguirem engajamento e, com isso, conseguir uma grana de patrocínio ou anúncio. Pensem criticamente se as pessoas fazem isso porque elas estão à toa querendo se divertir ou fazem isso porque essa é a forma que elas encontraram de ganhar dinheiro: se expondo aos outros.

Nossa Culpa

Cada vez mais eu percebo que todos nós somos culpados em um certo grau por pessoas que precisam se expor em concursos e desafios midiáticos para terem uma pequeníssima chance de serem reconhecidas pelo seu talento ou terem algum sonho realizado. Para todas elas, tenho 99% de certeza que não passariam por isso se lhes fossem dadas oportunidades mais razoáveis de conseguirem atingir seus objetivos.

Logo, se cada vez mais empresas de mídias monetizam esse tipo de conteúdo, trazendo programas ou aplicativos cada vez mais diversificados ou até mesmo bizarros, a culpa é toda nossa que dá audiência para esses conteúdos e faz girar a máquina do dinheiro para as empresas e da humilhação para os participantes.

Reflexão sobre Round 6: Conclusão

Ao fim dessa reflexão sobre Round 6, percebemos duas coisas bem interessantes. Primeiro, que a desigualdade social obriga muitas pessoas a passarem por situações de risco desnecessárias e não temos o direito de julgá-las se nós não oferecemos meios para que elas não precisem recorrer a esses riscos. Depois, vimos que boa parte da culpa pelo excesso de exposições e humilhações públicas pelas quais passam diversas pessoas em Reality Shows e redes sociais são, em grande medida, culpa nossa que consome esse tipo de conteúdo, incentivando a criação de mais e mais deles.

E aí? Gostou dessa reflexão sobre Round 6? Compartilha! Quer uma reflexão sobre outras séries sul-coreanas? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Tem outro tema de Round 6 que lhe chamou atenção ou algo a acrescentar a essa reflexão? Comenta!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.