Cinismo Descomplicado: Ética Helenística

Cinismo Descomplicado: Ética Helenística

Olá, marujos! Hoje, explicaremos o cinismo de um jeito descomplicado. Cinismo é o nome de uma das éticas da filosofia helenística. Vamos explicar a origem desse termo, suas principais ideias filosóficas, seus principais representantes, sua relação com o cristianismo e sua reinterpretação atual. Vamos lá!

Cinismo Descomplicado: Origem e Etimologia

Cinismo é uma das quatro correntes filosóficas mais famosas do período helenístico. Ele se iniciou no final do século V a.C. com Antístenes (ex-discípulo de Sócrates), declinou de importância após o século III a.C., mas perdurou até o século V d.C., com alguns representantes e citações de outros filósofos a respeito dos adeptos dessa filosofia.

O termo cinismo vem da palavra kinos, que em grego significa cachorro ou cão.

Uma primeira justificativa para o nome era porque Antístenes (fundador dessa corrente filosófica) ensinava sua filosofia em um local chamado Cinosarges, um ginásio público em Atenas. Cinosarges significa “lugar do cachorro branco”.

Posteriormente, o termo cínico foi atribuído de modo depreciativo aos praticantes dessa filosofia por eles viverem como animais. Curiosamente, os adeptos do cinismo gostaram dessa comparação e a adotaram em sua filosofia e prática de vida.

Dessa forma, ser um cínico seria viver como um cachorro. Na proposta de vida cínica, o ser humano deveria viver como um cão, ou seja, com o mínimo necessário, apenas o suficiente para sobreviver.

Uma observação curiosa é que, nos dias atuais, os animais de estimação são tão bem tratados, tão cheios de regalias, que até o sentido original do termo não faz mais sentido. Exceto, é claro, quando pensamos nos nossos vira-latas! 🙂

Cinismo Descomplicado: Filosofia

Felicidade e Autossuficiência

Como todas as principais correntes filosóficas helenísticas, os cínicos também buscavam a felicidade.

Para eles, felicidade era viver segundo a natureza (physis). Ou seja, entendendo que o ser humano é mais um participante desse grande todo do qual tudo faz parte.

Para atingir esse objetivo, o ser humano deveria buscar a virtude. E, para eles, a virtude estava em abrir mão de qualquer coisa que não fosse natural, em especial a riqueza, fama e poder.

Para os cínicos o ser humano deveria ser autossuficiente. Ou seja, deveria ser capaz de viver sem depender de muita coisa, somente o básico, o necessário.

Tudo o que o ser humano precisa para viver é água, comida, uma roupa e um local para dormir. E nada disso precisa ser demais ou luxuoso.

Vida Ascética e Exemplo

Os cínicos também defendiam práticas ascéticas para educar o corpo e a mente nessa condição de vida mínima. Eles deliberadamente escolhiam viver uma vida mais difícil.

Para esses filósofos, a vida tem que imitar a filosofia. Por isso, eles viviam tal como pregavam.

Dessa forma, todos eles viviam como mendigos. Eles só tinham sua roupa do corpo e um lugar na rua para dormir. A água e a comida conseguiam na hora que estavam com sede ou fome.

Como vemos, os cínicos viviam tal como vivem os nossos famosos “vira-latas”.

Pregação e Crítica às Convenções Sociais

Esses filósofos também tinham a prática de ficar pregando sua doutrina para as pessoas na cidade, não se importando em serem insultados e humilhados pela vida que escolheram. Eles se consideravam “cães de guarda” da humanidade por apontarem os erros das demais pessoas que viviam de forma mais opulenta e abastada desnecessariamente.

Os cínicos também tinham a prática de chocar a sociedade ignorando convenções sociais. O exemplo mais comum era fazer as necessidades fisiológicas (urinar e defecar) em locais públicos, a vista de todos. Alguns também se masturbavam e faziam sexo dessa forma quando estavam “necessitados”. Tudo para mostrar para as pessoas que coisas naturais, como excretar e se reproduzir, foram desnaturalizadas, se tornando coisas ocultas da vista social.

Cinismo Descomplicado: Principais Representantes

Antístenes (c. 445-365 a.C.)

Antístenes foi um filósofo grego cujo pai era ateniense e a mãe era trácia ou frígia. Dessa forma, Antístenes não era um ateniense puro. Ele foi aluno do sofista Górgias até conhecer Sócrates, a quem começou a seguir e permaneceu com ele até a morte do mestre. Inclusive, relatos dizem que Antístenes foi fundamental para o reconhecimento público do erro de julgamento de Sócrates.

Da filosofia socrática, a parte que mais permaneceu em Antístenes foi a possibilidade de alcançar a felicidade pela virtude, e não pelos prazeres. Além disso, ficou-lhe marcado a possibilidade de ensinar a virtude para as pessoas.

Dessa forma, Antístenes começou a pregar sua filosofia no local conhecido como Cinosarges. Era sabido da sua vida austera porque ele acreditava que os prazeres do corpo poderiam levar o ser humano para a infelicidade. Porém, não negava os prazeres da alma, tais como a amizade.

Os relatos dizem que ele usava uma capa vermelha em referência a Sócrates, seu mestre, e um cajado em referência a Hércules, um herói que representava a vida ascética para ele. Os alunos de Antístenes acabaram adotado essa vestimenta como “uniforme” e praticamente todos os cínicos futuros eram identificados na rua exatamente por causa dessa combinação de capa e bastão.

Além dessa parte ética, que foi a marca principal da escola cínica, Antístenes também produziu trabalhos na área da física, lógica e filosofia da linguagem. Porém, seus escritos se perderam e nos restam apenas fragmentos e comentários.

Apesar de Antístenes ser considerado o fundador do cinismo, não existem relatos oficiais de que ele fundou formalmente uma escola filosófica com esse nome. De qualquer forma, sua filosofia foi a base para o movimento cínico sem sombra de dúvidas.

Diógenes de Sinope (c. 412–323 a.C.)

Para um artigo dedicado a Diógenes de Sinope, acesse: Diógenes de Sinope Descomplicado: Biografia e Filosofia.

Diógenes é considerado o maior expoente do cinismo. Existem diversos relatos sobre a sua vida, alguns mais fantasiosos e outros mais realistas. Mas o fato é que ele realmente viveu literalmente como um cão, vagando pela cidade como um vira-lata. Adorado por uns e odiado por outros.

Diógenes não se importava com convenções sociais, nem com hierarquias. Apenas se preocupava em viver com o mínimo necessário e alertar as pessoas que deveriam viver uma vida mais austera.

Crates de Tebas (c. 365-c. 285 a.C.)

Crates era de uma família abastada em Tebas, mas abriu mão de sua riqueza para viver a mendicância em Atenas, no estilo de vida cínica.

Apesar de sua crítica aos costumes, ele era muito bem quisto pelos cidadãos atenienses. Os relatos dizem que estava sempre feliz.

Ele casou-se com Hipárquia, e ambos viviam uma vida cínica. A grande novidade desse casamento era o tratamento igual que existia entre os dois, algo que contrariava o costume da época (que considerava a mulher alguém abaixo do homem).

Crates também é famoso por ter sido professor de Zenão de Cítio, futuro fundador do estoicismo. Dessa forma, percebemos a grande influência do cinismo no estoicismo.

Cinismo Descomplicado: Influência no Cristianismo

Existe um grupo de pesquisadores os quais acreditam que Jesus Cristo foi uma espécie de cínico judeu. Parece que Gadara, uma cidade próxima de Nazaré, era um centro de filosofia cínica. Se considerarmos que toda aquela região também pertencia ao império romano helenizado, faz algum sentido. Jesus tinha em seu estilo de vida e pregação uma crítica ao excesso e defesa ao desapego e a uma vida simples. Mas, como falei, esse pensamento não é unânime e existem exemplos dentro do judaísmo de pessoas que levaram vidas simples também.

Por outro lado, já comprovado está uma relação entre o cinismo e o cristianismo primitivo. São vários os relatos de relações entre os primeiros cristãos e filósofos cínicos. Mesmo assim, o cristianismo não é uma espécie de religião dos cínicos porque uma das principais atitudes cínicas, que é o afrontamento aos costumes sociais, era severamente criticado pelos cristãos. Mas a parte da vida ascética era muito bem vista e até praticada por alguns monges.

Cinismo Descomplicado: Interpretação Moderna

O pensamento cínico foi revisitado no século XIX e utilizado para cunhar o termo tal como o conhecemos hoje.

Cinismo, atualmente, é a atitude de desconfiança que temos de alguém porque não acreditamos nas motivações que levaram aquela pessoa a pensar e agir daquela forma.

O termo “cínico” também pode se referir a alguém que não segue os padrões sociais e regras morais estabelecidas. Sendo, portanto, capaz de fingimento em suas atitudes.

Como podemos ver, ficou para os dias atuais uma interpretação negativa da filosofia cínica. Apenas a parte da atitude crítica foi preservada e reformulada. O objetivo do cinismo, que era a busca da felicidade pela virtude, acabou sendo ignorado.

Cinismo Descomplicado: Livros para se Aprofundar no Assunto (português e inglês)

     
           

Cinismo Descomplicado: Conclusão

Com isso, concluímos essa explicação descomplicada sobre o cinismo na história da filosofia e suas principais contribuições para nossa sociedade. Destacamos, obviamente, o pensamento original, que buscava a felicidade e a prática da virtude, através de uma vida ascética e natural.

E aí? Gostou desse artigo descomplicado sobre o cinismo? Compartilha! Quer uma reflexão detalhada sobre algum filósofo cínico? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Você teria coragem de viver uma vida tal como defendida pelos cínicos? Comenta!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

WIKIPÉDIA. Verbete Cinismo, Antístenes, Crates e Cinismo Contemporâneo (todos em inglês)

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.