Uma Reflexão sobre O Despertar da Primavera: O Conturbado Desabrochar da Juventude

Uma Reflexão sobre O Despertar da Primavera: O Conturbado Desabrochar da Juventude

Uma Reflexão sobre O Despertar da Primavera: O Conturbado Desabrochar da Juventude

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre o musical O Despertar da Primavera. Esse é um dos meus musicais preferidos, que me marcou profundamente e que guia até hoje o olhar que tenho para com meus alunos. O principal tema dessa reflexão serão os conflitos vividos por cada um dos quatro personagens principais. Para quem não viu o musical ainda, a reflexão dará alguns spoilers da história, mas evitarei discutir as principais surpresas e conseqüências dos personagens. A ideia é que esse texto agrade tanto quem viu o musical, relembrando-o, quanto quem não viu, estimulando-o. Vamos lá!

Sobre o Musical

Montagem

O Despertar da Primavera é a versão brasileira do musical da Broadway Spring Awakening, que, por sua vez, foi inspirado em uma peça de teatro de mesmo nome. A peça original, de Frank Wedekind é de 1892 e era tão polêmica para a época que foi censurada. O musical americano estreou em 2006 e ganhou oito Tonys (o Oscar dos musicais).

A versão brasileira estreou pela primeira vez em 2009 pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, sendo muito bem recepcionada e premiada. Re-estreou em novembro de 2019 no Rio de Janeiro. Destaco a questão da versão porque ela é diferente do original. Enquanto que na montagem original, os atores cantavam com microfones, no estilo “astros do rock”, na versão brasileira eles cantam de forma natural, como se a música expressasse o pensamento deles.

História

O Despertar da Primavera se passa no final do século XIX na Alemanha. Não é citada nenhuma cidade, mas aparentemente é uma pequena cidade ou vila do interior, onde “todos se conhecem”.

O musical acompanha o despertar dos jovens da cidade, especialmente da sexualidade. Várias questões “polêmicas” (umas mais, outras menos, dependendo de cada tipo de formação e educação que cada expectador teve) são abordadas, tais como: masturbação, gravidez na adolescência, estupro, violência contra menor, aborto, homossexualidade. Outras questões não exatamente ligadas à sexualidade também são abordadas, com destaque para a padronização da educação e suicídio.

Cada jovem tem seus dilemas e luta para entender as mudanças que estão acontecendo com ele, ou para ser aceito. Constantemente existe um embate entre o conservadorismo dos adultos com o a busca de novidade e ousadia dos jovens.

Cada personagem, através de seus problemas e suas escolhas vai tendo diferentes desfechos, mostrando a complexidade dessa fase ao mesmo tempo em que fica a esperança de melhora, de que surja uma sociedade que possa compreendê-los melhor.

Uma Reflexão sobre O Despertar da Primavera: Os Dilemas Internos da Juventude

A imaturidade de Wendla

Wendla representa a imaturidade juvenil. Ela é aquela garota que ainda tem a mentalidade de criança, mas corpo e idade de adolescente. Podemos culpar essa situação tanto a sua mãe, que se recusa a explicar as questões ligadas à sexualidade; quanto a ela mesma, que parece não querer enxergar que algo está mudando dentro dela e que ela precisa “ser mais atenta”.

Wendla vive duas situações conflitantes: não conhece a dor nem o prazer. Nunca apanhou de seus pais e nunca se envolveu sexualmente com um menino. No musical, parece que essas duas forças andam juntas, já que seu apetite sexual por Melchior desperta depois que ela pede para ele lhe bater e ele consente.

Entretanto, isso não é tão estranho quanto parece. Wendla manifesta ao mesmo tempo as duas grandes pulsões teorizadas por Sigmund Freud: Eros (pulsão sexual) e Tânatos (pulsão agressiva). A pulsão sexual expressa a força inconsciente de criação enquanto a pulsão agressiva expressa a força inconsciente de destruição. E não só ela, mas todos nós temos essas pulsões e precisamos extravasá-las. Mas cada um escolhe um jeito diferente, dependendo de sua forma de pensar e agir, e do que a sociedade lhe permite.

Em nenhum momento o musical está defendendo a violência sexual, mas sim mostrar as duas maiores forças que nos movem e nos determinam. Ambas as pulsões se manifestam de diferentes formas em nosso cotidiano. Por exemplo, ao criar esse artigo, estou extravasando minha pulsão sexual, pois estou criando algo. Quando pratico uma luta, estou extravasando de forma regrada a minha pulsão agressiva, soltando no meu oponente a vontade inconsciente que tenho de querer destruir as coisas que me incomodam.

A imaturidade de Wendla simboliza a nossa imaturidade (ou imaturidade do jovem) em saber lidar com ambas as forças, não sabendo extravasá-las ou dominá-las. Suas escolhas acontecem desse jeito porque ela não teve uma preparação social para aquilo e também não soube entender seu eu.

A irresponsabilidade de Melchior

Melchior representa a irresponsabilidade juvenil. Ele, por ser um ávido leitor, descobriu nos livros as “verdades” do mundo que os pais costumam esconder dos filhos. Seus pais não são rigorosos e, por isso, ele tem muita liberdade de pensar e agir.

Melchior “sabe das coisas”, ele entende muito bem o que é o sexo e suas peculiaridades. Ele é o responsável por “ensinar” seu amigo Moritz (na teoria, com um escrito e conversa) e Wendla (na prática, tendo uma relação sexual com ela). Ele aparenta para os seus amigos ter alguma experiência, mas no final parece que era só aparência. Seu conhecimento era somente técnico.

Melchior é o tipo de pessoa que “bate de frente”, que questiona os padrões. Podemos aproximá-lo do questionador Nietzsche, que incansavelmente criticou os padrões sociais de sua época, especialmente os padrões morais. Melchior não teve medo de expor aquilo que sabia e ajudar a disseminar seu conhecimento. A questão aqui é como que isso foi feito.

Podemos considerar que Melchior foi absorvendo as informações aos poucos, ele foi aprendendo devagar sobre as coisas, mas na hora de transmitir, ele foi explosivo. De uma “tacada só” expôs tudo o que sabia. Ele fundiu a mente de Moritz e deflorou Wendla. Ele foi irresponsável.

Assim como ele, muitos jovens são irresponsáveis. Os jovens descobrem um grande universo, o mundo para além daquilo que conheciam enquanto criança e acabam se perdendo nele. Melchior sabia das coisas, mas não teve responsabilidade com a informação que possuía. Sua atitude gerou sérias conseqüências àqueles que estavam próximos dele.

Uma Reflexão sobre O Despertar da Primavera: Os Dilemas Externos da Juventude

A Inocência Roubada de Ilse

Ilse representa a inocência roubada dos jovens. Ela teve que fugir de casa porque seu pai lhe batia e abusava sexualmente. É uma situação muito delicada e difícil de resolver. Ainda hoje temos muitos casos desses, não só com pais, mas padrastos, tios, irmãos…

Ilse não pode descobrir ao seu tempo sua sexualidade, mas foi obrigada a amadurecer. Quando não aguentou mais, fugiu de casa. Sem rumo, porque a sociedade “honesta” não a acolheu, terminou na vida boêmia, perdida entre os devassos. Através de seus relatos, ela mostra uma profunda experiência sexual, assim como abuso de drogas. Ela se escondeu nesse mundo para lidar com a dor de ter sido violada.

Sem generalizar, vemos muitos casos de pessoas que recorrem ao vício como forma de esquecer seus problemas. Como o efeito passa e os problemas continuam, vivem na busca constante de se manterem drogados (aqui também incluo o álcool).

Infelizmente, boa parte das pessoas julga sem saber o que aconteceu. Disparam críticas sem entender a real situação que culminou naquilo. Aqueles que não julgam, também não costumam ajudar. Fingem que o problema não é deles. Ilse tem uma frase forte que é mais ou menos assim (não consigo lembrar exatamente): “Amanhã, quando todos acordarem, eu estarei ali, jogada no lixo”. Em outras palavras, as pessoas veem e nada fazem, elas somente observam o jovem se destruindo. Sabem criticar, mas não estendem a mão.

A Depressão de Moritz

Moritz representa o problema da depressão que assola os jovens. Ele é um garoto ainda confuso, em um momento de transição e amadurecimento sexual. Seus dilemas e descobertas o atrapalham a estudar e se concentrar. Mas, segundo a escola e seu pai, esses não são motivos justificáveis para seu baixo rendimento escolar. Se outros alunos conseguem, por que ele não?

Essas constantes cobranças e comparações estão cada vez maiores, especialmente com a competição cada vez mais acirrada por vagas em universidades e postos qualificados de trabalho. Os jovens não podem mais viver a sua individualidade, o seu tempo, o seu momento. Eles são obrigados a entrar na formatação capitalista, que somente quer uma massa de trabalho qualificada. As funções a serem exercidas são padronizadas, os produtos são padronizados, isso facilita a produção e treinamento. Consequentemente, a escola já começa a trabalhar essa padronização, instruindo o jovem (porque me recuso a chamar isso de educação!).

Marx e Engels desenvolveram um conceito chamado de Alienação para se referirem ao trabalhador que não se reconhece no seu trabalho. A filósofa Marilena Chauí percebeu que também existe a Alienação Social, que se refere ao indivíduo que não se sente criador de sua realidade social. Ele acaba se subjugando ou se rebelando, rejeitando essa realidade em que ele não é uma participante ativo.

Moritz passa duplamente por essa alienação porque ele não se encaixa nem na escola, porque segue esse estilo padronizado, retratado no musical por uma recitação decorada de versos em latim; nem na sociedade, que não dialoga com ele nas suas angústias (tanto físicas quanto acadêmicas). Assim acontece com muitos jovens que não se enquadram na forma de ensinar que existe e vigora na maioria dos países.

A consequência disso é um grande surto de depressão na adolescência, porque esse jovem não consegue lidar com a pressão que recebe e se isola, se fecha em si mesmo, já que ninguém parece querer lhe ouvir. Espetacularmente, no musical, tem uma música em que o refrão é “blá, blá, blá…”, representando exatamente como muitos adultos ouvem o jovem, como esses adultos praticamente ignoram as manifestações das angústias da juventude. E depois não se entende porque o adolescente é tão fechado no seu mundinho.

Uma Reflexão sobre O Despertar da Primavera: Conclusão

Concluindo essa reflexão sobre O Despertar da Primavera, eu poderia citar outros assuntos trabalhados no musical, seja com outros personagens ou com o desfecho dos personagens principais, mas eu sinceramente não quero estragar a surpresa e a emoção que você irá ter a cada desenrolar dessa trama. Acredito que só os pontos trabalhados aqui já são suficientes para uma boa reflexão e a percepção que esse musical é fantástico e merece ser visto por todos.Tenho certeza que ele muito ajudaria nossa sociedade, tanto para os jovens se identificarem quanto para os adultos repensarem suas ações para com a juventude atual.

E aí? Ficou empolgado com o artigo? Já viu o musical? Deixa aí nos comentários suas impressões (spoiler total liberado nos comentários)! Considera que esse artigo já é suficiente para um bom debate sobre as angústias juvenis? Compartilhe-o com seus contatos! Quer desabafar seus problemas, mas não tem com que falar? Entra em contato comigo! Eu irei te ouvir e te ajudar a enfrentar esse momento de transição.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.