Reflexão sobre Utopia: O que Você Fez para Merecer estar Nesse Mundo?

Reflexão sobre Utopia: O que Você Fez para Merecer estar Nesse Mundo?

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série Utopia da Amazon Prime. Nessa série, conhecemos um grupo de fãs de um quadrinho chamado Utopia, os quais acreditam que esse quadrinho aponta acontecimentos reais no mundo. E é verdade! Juntos, eles acabam se unindo com a heroína da história e enfrentando o vilão desse quadrinho, que é real. Durante a série, um personagem usará constantemente a frase “O que você fez hoje para ganhar o seu lugar nesse mundo lotado de pessoas?” e será sobre os benefícios e perigos da interpretação dessa frase que falarei nesse artigo. Tanto o resumo da série quanto a reflexão terão spoilers importantes, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Utopia (COM Spoilers)

Utopia é uma série americana da Amazon Prime que estreou em 2020. Ela é um remake de uma série inglesa de mesmo nome. Infelizmente, a série foi cancelada após sua primeira temporada.

A trama gira em torno de um grupo de superfãs do quadrinho Distopia. Esse grupo acreditava que o quadrinho havia previsto uma série de doenças que aconteceram depois de sua publicação, em uma espécie de teoria da conspiração.

Tudo começa a se movimentar quando é encontrado o quadrinho Utopia, que seria a continuação do Distopia. Esses fãs acreditavam que Utopia traria respostas sobre como derrotar o inimigo do quadrinho, o Senhor Coelho.

Reunidos presencialmente pela primeira vez, o grupo tenta comprar o quadrinho em um leilão durante um evento nerd. Eles fracassam porque surge um colecionador profissional e oferece muito dinheiro. O que ninguém esperava era o aparecimento de dois assassinos, que começam a matar todos que participaram do leilão, menos o grupo que acompanhamos porque eles foram embora mais cedo, frustrados por perderem o leilão.

As coisas ficam ainda mais loucas quando aparece a verdadeira Jessica Hyde (Sasha Lane), a heroína do quadrinho. Ela revela para o grupo de fãs que toda a história de Distopia e Utopia é real, e ela também quer o quadrinho para salvar seu pai e derrotar o Senhor Coelho. Só que ela não é o tipo de heroína boazinha, e vai maltratar bastante o grupo, deixando claro que eles só serão importantes para ela enquanto forem úteis para o seu objetivo.

Paralelamente a tudo isso, conhecemos Kevin Christie (John Cusack). Ele é um cientista e dono de uma enorme empresa que busca fabricar uma carne artificial, fora outros empreendimentos farmacológicos. Ele, em um primeiro momento, é acusado de disseminar uma doença viral altamente contagiosa. Mas, depois, consegue mostrar que ele não é o culpado e que possuía uma vacina para essa doença.

O que acaba sendo revelado é que Kevin Christie é o Senhor Coelho e que ele tinha um grande plano mirabolante:

Ele disseminou sim uma doença viral. Com essa doença, ele queria fazer todos se vacinarem. O grande truque estava no conteúdo da vacina: uma tecnologia esterilizadora, que impediria os seres humanos de se reproduzirem durante algumas gerações.

Para o vilão, os seres humanos se reproduziram além do que a Terra suporta e isso levaria tudo a um colapso. Ele se considera o salvador da humanidade, colocando um freio temporário nessa super reprodução humana. Com isso, ele esperava restabelecer o equilíbrio da natureza.

O grupo de superfãs irão atacar os depósitos de vacina enquanto Jessica Hyde irá na sede do vilão encontrar seu pai.

Eles terão um sucesso temporário, com a série deixando um gancho para uma continuação (que não acontecerá).

Reflexão sobre Utopia: “O que você fez hoje para ganhar o seu lugar nesse mundo lotado de pessoas?”

Essa frase do subtítulo é dita várias vezes ao longo da série, especialmente pelo Kevin Christie / Senhor Coelho.

Basicamente, essa frase serve como uma frase motivacional. Todas as vezes em que ela é dita, ela tem o propósito de despertar no interlocutor uma reflexão sobre os seus atos.

A interpretação dela não é difícil: qual é o seu valor? Por que você merece estar vivo? O que você fez de bom hoje? O que você pode oferecer de bom ao mundo?

A grande questão é pensar se estamos certos ou não em ver ou buscar um propósito em nossa existência. Algo que poderia ser óbvio, em um primeiro momento, se torna questionável quando vemos pessoas fazendo atrocidades em nome desse propósito maior.

Vamos então analisar as duas possibilidades: se vale ou não a pena acreditar em um propósito para nossa existência.

Reflexão sobre Utopia: A Vida Precisa de um Sentido

O cérebro humano é uma máquina de reconhecer padrões. O sucesso evolutivo do homo sapiens se deu exatamente por essa capacidade, que lhe permitiu sobreviver bem no mundo, se adaptar a mudanças, e prosperar mais do que qualquer outra espécie animal.

Tendo isso em vista, a existência como um acaso é inconcebível para o ser humano. Por mais que a ciência não consiga achar uma justificativa do porquê surgiu a vida, o ser humano busca a qualquer custo um sentido para a existência, seja a da humanidade ou apenas a sua. Normalmente, recorre-se à espiritualidade ou à filosofia para isso.

O Caminho da Espiritualidade

As religiões concebem, normalmente, a existência de um Deus criador ou uma força superior que deu origem a tudo e rege tudo. Nós, seres humanos, somos sua criação, normalmente vistos como a mais perfeita e/ou mais querida.

Sendo assim, nosso propósito de vida se torna abraçar essa fé, seguir as orientações desse Deus / Força Superior, aproveitar a vida terrena que ele nos deu (que foi um presente ou um teste), e aguardar o encontro definitivo com essa divindade.

Até aí, tudo parece aceitável e uma boa solução. Mas se isso é a verdade, como ficam as pessoas que não compartilham dessa visão? Ou pior, como saber quem está certo já que existem diversas religiões / espiritualidades, e a maioria se considera a certa e as demais erradas?

São esses confrontos religiosos, as imposições religiosas de um grupo sobre outro que fazem muitos desconfiarem do propósito divino. Na tentativa de acertar, todos os fieis acabam errando na sua função de conversão / adequação do mundo à vontade divina.

Se existe um Deus / Força Divina, porque ele não facilita as coisas e se revela de tal forma que não sobrem dúvidas? Porque não ajeita essa bagunça e faz todo mundo entender qual caminho é melhor e qual é pior? Nós somos seres teimosos e as coisas não vão se resolver se não tivermos uma prova clara e evidente, de preferência que afete a todos de uma vez só!

Eu não vejo problema nenhum em ter sido criado por um Deus e saber que viverei eternamente com ele em algum lugar bom. Mas seria legal saber se aquilo que acredito ser Deus e seus mandamentos é o certo! E se eu estiver indo pelo caminho errado?

Será que vale a pena ter um propósito de vida errado? Passar minha vida buscando algo que, no final se revelará errado? E quanto mal eu poderia ter feito achando que estava fazendo o bem?

O Caminho da Filosofia

A filosofia aristotélica é defensora da virtude e da felicidade. A felicidade seria a meta a ser alcançada no fim da vida, a realização da nossa natureza. A virtude seria o caminho, que nada mais é do que buscar a excelência naquilo que fazemos.

Em outras palavras, o sentido de nossa existência seria a realização plena das nossas capacidades, buscando ser excelentes naquilo que fazemos.

Tendo esse propósito em mente, podemos entender que todos nós temos uma função na vida. Todos nós somos bons em alguma coisa e devemos nos esforçar ao máximo para realizar essa capacidade. Seriam os nossos talentos.

A questão é saber se somos capazes de administrar nossos talentos e entender se nossas capacidades estão bem ou mal empregadas.

Na série, o Senhor Coelho convence todos de sua família / grupo que eles têm a missão de salvar o planeta e a humanidade dela mesma. Dessa forma, buscam nas doenças artificiais meios de controlar a população.

A lavagem cerebral é tamanha que pessoas aceitam se sacrificar ou matar outros por esse propósito. Mas como condená-los se eles foram convencidos que existe um propósito no mundo para eles e aquela é a função que eles precisam desempenhar, o famoso “eu nasci para isso”?

É interessante pensar que a existência de um propósito para nós tira, em certo sentido, o nosso livre-arbítrio. Se existe uma função que precisamos desempenhar, para a qual fomos criados e somos bons, não nos resta muita escolha a não ser “seguir o plano”. Do contrário, somos fadados ao sofrimento de não termos cumprido a nossa missão.

E se não gostarmos de nossa missão? Se aquilo em que sou bom não é aquilo que quero fazer? Como que ficamos?

Ter um propósito na vida é interessante quando se combina o propósito com o o nosso desejo. Quando aquilo que gostamos de fazer também é aquilo que nos faz sentirmos realizados. Mas nem sempre é assim.

Na série, alguns personagens entrarão em conflito existencial quando descobrirem que a vida tinha outras possibilidades diferentes daquelas que lhes foram impostas como as únicas alternativas possíveis para terem uma vida digna.

Reflexão sobre Utopia: A Vida Não Precisa de um Sentido

Sartre vai dizer que o ser humano é o único ser em que a existência precede a essência. Em outras palavras, ele nos diz que primeiro existimos e depois criamos o nosso projeto de vida, através de nossas escolhas responsáveis.

Para ele, não existe propósito na vida. A própria vida é um absurdo porque não possui um sentido em si. Por mais perturbador que possa ser em um primeiro momento, depois esse fato se torna libertador. 

Outro filósofo que também defende essa ideia é Nietzsche. Se a vida não possui propósito, eu também não tenho que cumprir nenhum propósito. Sendo assim, sou livre para levar a minha vida como bem entender. Não tenho que dar satisfações a ninguém e nem me importar com aquilo que os outros pensam de mim. Não preciso viver pelos outros, viverei por mim mesmo.

Essa vida livre tira de nós o peso de termos que fazer algo.

Todos nós queremos fazer algo de nossas vidas. O problema é quando tentam nos dizer o que fazer, ou querem nos convencer que existe uma caminho certo a ser seguido. É esse peso da responsabilidade que nos angustia e nos incomoda, nos corrói por dentro.

Sofremos porque não conseguimos atender às expectativas que criam para nós, às expectativas que criamos por acharmos que é isso que esperam de nós.

O livro O Guia do Mochileiro das Galáxias brinca com a necessidade de sentido da vida ao dizer que a resposta para isso é 42, ou seja, algo aleatório. Tudo é aleatório. A vida é aleatória, nossa existência é aleatória.

Para que ficar sofrendo na busca por um propósito, que pode, em algumas circunstâncias, nos levar a atitudes erradas se é mais fácil aceitar que não existe propósito e tudo é aleatório? A resposta, incrivelmente, é mais simples do que parece.

Sendo assim, relaxa e aproveita!

Reflexão sobre Utopia: Conclusão

No final dessa reflexão sobre Utopia, percebemos que não existe resposta certa para o problema da existência ou não de um propósito para nossas vidas. O que percebemos, infelizmente, é que muitas coisas ruins acontecem quando pessoas acham que sabem o propósito da vida e estão erradas. Dessa forma, parece mais seguro defender a ausência de propósito, porque isso tira a obrigação das pessoas em fazerem alguma coisa e as deixam mais tranquilas para aproveitarem a vida como quiserem, sem pressão.

E aí? Para você, após essa reflexão sobre Utopia, a vida possui ou não um propósito? Deixa sua opinião nos comentários! Conhece algum fã da série ou alguém que precisa refletir sobre o que está fazendo da sua vida? Compartilha essa reflexão sobre Utopia com ela! Quer sugerir algum tema para reflexão no blog? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.