Reflexão sobre Escritores da Liberdade: O Dever de Fazer a Coisa Certa

Reflexão sobre Escritores da Liberdade: O Dever de Fazer a Coisa Certa

Reflexão sobre Escritores da Liberdade: O Dever de Fazer a Coisa Certa

Olá, marujos! Hoje vamos fazer uma reflexão sobre o filme Escritores da Liberdade, um filme muito sensível e inspirador sobre o poder da educação e sobre o dever que todos devem assumir de fazer a coisa certa dentro das suas realidades de vida, seja familiar, social, profissional etc. Vou fazer um resumo do filme e desenvolver a reflexão sobre alguns acontecimentos. Teremos spoilers, então fiquem avisados. O roteiro é meio previsível, então acho que vale a pena ler o artigo mesmo sem ter visto o filme antes. Vamos lá!

Sobre Escritores da Liberdade

O filme Escritores da Liberdade foi produzido em 2007 e inspirado em fatos reais. Ele é baseado nos relatos contidos no livro The Freedom Writers Diary (O Diário dos Escritores da Liberdade), lançado em 1999, que expõem experiências de vida dentro e fora das aulas de inglês (o que equivaleria às nossas aulas de português) de estudantes de um colégio americano, escrito em forma de diário.

No filme, acompanhamos a história da professora Erin Gruwell (Hilary Swank) e seus alunos de inglês da sala 203 na escola Woodrow Wilson Classical High School. Essa escola era uma escola de alto padrão, mas viu seu nível despencar depois que ela passou a receber estudantes da periferia da cidade, devido a um programa de integração governamental.

A maioria dos alunos da sala 203 são pessoas que já sofreram medidas socioeducativas e que são envolvidas com gangues. Lá, a sua origem / raça é muito importante, o que motiva diversos conflitos raciais dentro e fora da escola. A professora Erin é recém formada e pega essa turma como primeira experiência de magistério.

No começo, ela tenta dar aula do jeito tradicional, ensinando o currículo básico. Sem sucesso e vendo aumentar os conflitos raciais dentro da sala de aula, ela dá uma bronca na turma, citando o Holocausto como um grande acontecimento mundial motivado pelos mesmos problemas. Surpreendentemente, ela descobre que praticamente ninguém da turma conhecia a história do Holocausto e começa, então, a mudar a sua forma de ensinar.

A primeira coisa que ela faz é, inspirada no livro Diário de Anne Frank, propor aos alunos que façam relatos diários em um diário de papel sobre suas vidas ou qualquer coisa que eles queiram falar. Outras atitudes foram a compra e distribuição de um livro sobre um jovem negro da periferia americana, uma visita ao Museu da Tolerância, e um jantar com sobreviventes dos campos de concentração.

Essas ações motivaram os estudantes a mudarem seus comportamentos e acreditarem na possibilidade de ter uma convivência pacífica em sala de aula. Também os motivaram a acreditar que poderiam mudar suas vidas e no poder da educação. Por conta própria, eles realizaram diversos eventos para angariar fundos e proporcionarem uma visita de Miep Gies, a mulher que escondeu Anne Frank dos nazistas.

Como última tarefa, a professora Erin Gruwell propôs aos alunos que digitassem seus relatos dos diários para criarem um livro, que posteriormente foi publicado.

Reflexão sobre Escritores da Liberdade: O Dever de Ser o Melhor Profissional

Como todo bom filme sobre professores, temos aqui um professor novo na escola que vai propor coisas diferentes do padrão, que vai revolucionar o seu meio e irritar seus colegas de trabalho que já entraram no modo automático do magistério.

Erin Gruwell se deparou com uma turma de alunos desinteressados e muito mal alfabetizados. Ela percebeu que a escola e a educação em si eram o menor dos problemas daqueles jovens. Seu desafio foi mostrar que a educação pode transformar e que a escola não é um lugar apenas para decorar conteúdos, mas também para formar cidadãos.

Já a alguns anos a pedagogia entendeu que ser professor não é “vomitar” uma série de conceitos, leis, regras e dados para os alunos. Hoje, com o advento da tecnologia, tudo isso pode ser consultado com dois cliques do mouse ou toques na tela de um celular. O papel do professor é de ser um guia para o estudante, dando-lhe pistas e auxílio para aprender coisas novas, interessantes e que façam sentido para a vida dele.

Outro aspecto importante, que a cada dia está sendo mais valorizado e buscado (apesar das resistências) é o ensino inclusivo e personalizado. Essa proposta começou com a preocupação pela inclusão dos alunos com deficiência ou necessidades especiais, mas hoje se tornou uma proposta para todos os estudantes. Compreende-se, hoje, que cada aluno possui uma realidade, uma característica, uma forma de aprendizado diferente. Por isso, quanto mais variedades e pessoalidades forem possíveis trazer para a sala de aula, melhor. Em uma sala com trinta alunos, cada um deles é diferente, mesmo que não pareça a princípio. O desafio do professor é conseguir atender as particularidades de cada um. Se isso for impraticável, pelo menos deve-se fazer o esforço de atender às particularidades de cada turma, que foi o que fez a professora Erin Gruwell.

Erin percebeu que a turma que ela lecionava era diferente. A realidade deles era muito específica e não funcionaria aplicar um plano de aula previamente elaborado, para uma turma fictícia, perfeita. Erin percebeu que ensinar Homero para alguém que não conhece nada além de Rap e Hip-Hop seria inviável. E eu não estou aqui criticando esses estilos musicais, apenas apontando que a forma como eles produzem seus versos é muito diferente da forma como Homero produziu os seus.

A professora, então, assumiu o compromisso de começar a sua educação por aquilo que eles entendiam e dominavam. Além de trazer esses estilos musicais para a sala de aula, ela também começou a ensinar usando as expressões e estilos dos alunos, fazendo explicações da história do nazismo comparando-o a uma gangue americana. Ela contextualizou o assunto e assim eles conseguiram assimilá-lo. Até hoje eu lembro de um episódio da série Cidade dos Homens em que Acerola explicou a matéria de uma aula de história contextualizando com a realidade das favelas.

Eu não sei a realidade de outros professores, mas eu aprendi muito pouco de filosofia no meu Ensino Médio. O caminho que me levou para a filosofia foi já na fase adulta. Porém, acredito que mesmo os professores que já ingressaram na faculdade de licenciatura vindo do Ensino Médio não dominavam todos os conteúdos da sua disciplina de escolha. Creio que muitos escolheram o magistério como profissão porque gostavam muito daquele assunto, mas não sabiam tudo sobre ele. É por isso que eu acredito que o papel do professor é encantar os seus alunos para aquilo que ele está ensinando. Mais importante do que decorar um conteúdo é aprender um assunto instigante, que vai ficar na sua cabeça depois das aulas, que vai te fazer pensar, que vai te levar a querer saber mais daquilo ou, pelo menos, realmente entender sobre a sua importância.

Reflexão sobre Escritores da Liberdade: Um Caso Prático

Até aqui, você já deve ter percebido, ainda mais se você já acompanha o blog, que esse trabalho que faço no Nau dos Loucos tem tudo a ver com aquilo que acredito na educação. Eu busco descomplicar a filosofia, criando e divulgando formas de gamificar e dinamizar as suas aulas, além de fazer reflexões de temas variados da cultura ou da mídia Nerd / Pop (alguns artigos, como o desse filme, não é exatamente nerd, mas o fato de ser um filme já o coloca como uma mídia mais “palatável” do que um livro de filosofia).

Esse filme Escritores da Liberdade é excelente para trabalhar a ética kantiana, que foi a primeira Ética do Dever. Um dos momentos mais impactantes do filme foi a senhora Miep Gies (aquela que abrigou Anne Frank), ao ser chamada de heroína por Marcus (Jason Finn), dizer que ela não fez nada além do que o seu dever. Miep ensinou para aqueles jovens que existe uma força moral dentro de cada um de nós que nos impulsiona a fazer a coisa certa, mesmo que isso possa trazer consequências ruins. Agir corretamente não deve ser tratado como heroísmo porque essa deveria ser a conduta comum, normal de qualquer pessoa.

O relato de Miep irá fazer com que a estudante Eva Benitez (April Lee Hernández), contrariando as orientações de seu pai e de sua gangue, testemunhe contra seu namorado, confessando que foi ele o atirador em um caso de assassinato. Eva estava em um conflito moral porque lhe tinham ensinado que ela deveria sempre proteger os seus (ou seja, o seu grupo étnico), independentemente de tudo, estando certos ou errados. Ao ver a atitude da senhora Gies, Eva tomou uma decisão. E essa decisão está de acordo com aquilo que Kant chama de Imperativo Categórico.

Para o filósofo, é a razão humana que deve guiar as nossas condutas, e não as nossas emoções, sentimentos ou relacionamentos pessoais. Para ele, somente conseguiríamos agir corretamente se obedecêssemos ao dever de agir de forma reta, respeitando as máximas de só fazer aquilo que qualquer pessoa pudesse fazer e sempre respeitar o ser humano como um fim, nunca o tratando como meio de se conseguir algo. Para Kant, se todos agissem assim, conseguiríamos uma sociedade justa.

Esse filme, e em especial essas cenas, servem como forma de ensinar algo filosófico aos meus alunos. Em vez de os fazer decorar os conceitos kantianos, é muito melhor passar esse filme e depois debater a questão do dever de agir corretamente, como se distingue o que vem da razão e o que vem dos sentimentos, quais são os critérios “técnicos” que serviriam para nortear esse pensamento, se é fácil ou difícil agir dessa forma e porquê. A parte teórica só seria passada no final, como forma deles saberem que alguém já havia teorizado aquilo e, muito provavelmente, inspirou indiretamente a ação da senhora Miep Gies porque os valores não surgem do nada, mas são elaborados e transmitidos (Kant era austríaco assim como a senhora Gies e, muito provavelmente, ela aprendeu a agir dessa forma inspirada em alguém que aprendeu de alguém que aprendeu de alguém que leu Kant).

Conclusão

No fim dessa reflexão, reafirmo que Escritores da Liberdade é um filme muito bonito e inspirador. Serve para qualquer público porque ele dialoga com praticamente todas as realidades. Seu eixo norteador é a compreensão que todos nós podemos fazer a diferença: “dentro de nossos próprios pequenos caminhos, [podemos] acender uma pequena luz em um quarto escuro”. Eu, como professor e blogueiro morador de Araruama (Rio de Janeiro), e você, na sua realidade profissional e social, somos chamados a cumprir o nosso dever ético de fazermos o melhor dentro de nossas profissões e realidades sociais. Boa sorte para todos nós!

E aí? Já passou por alguma situação em que agir pelo dever poderia te colocar em problemas? Deixa aí nos comentários! Acha que mais pessoas precisam ser impactadas por essa reflexão sobre Escritores da Liberdade? Compartilha esse artigo! Quer sugerir outros filmes ou aprender mais sobre Kant? Entra em contato comigo.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.