Cultura de Massa Descomplicada: Mais uma Crítica Estética da Escola de Frankfurt (Adorno & Horkheimer)

Cultura de Massa Descomplicada: Mais uma Crítica Estética da Escola de Frankfurt (Adorno & Horkheimer)

Olá, marujos! Hoje explicaremos o conceito de cultura de massa da Escola de Frankfurt de uma forma descomplicada. Mostraremos como os pensadores Adorno e Horkheimer identificaram que a Indústria Cultural transformou os consumidores da arte em uma grande massa pasteurizada e acrítica. Também usaremos muitos exemplos para ajudar a entender a teoria na prática. Vamos lá!

Sobre a Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer

A Escola de Frankfurt é o nome como chamamos um grupo de intelectuais alemães que se reuniram na Universidade de Frankfurt para pensar os problemas sociais contemporâneos. Dentre os que mais se destacaram, estão Adorno e Horkheimer, que pertencem à primeira geração desse grupo e foram, inclusive, diretores do instituto que sediava o grupo.

Para saber mais sobre a escola e esses pensadores, visite o artigo: Indústria Cultural Descomplicada.

Cultura de Massa Descomplicada: Consequência da Indústria Cultural

Não podemos pensar o conceito de cultura de massa sem pensar o conceito de indústria cultural. Para quem não está familiarizado com o assunto, indico a leitura prévia do artigo Indústria Cultural Descomplicada.

Para quem já está por dentro do assunto, vale relembrar que a indústria cultural não está focada na produção artística em si, mas no lucro que ela pode dar. Partindo desse princípio, um produto artístico gera mais lucro quando mais pessoas o consomem. E para aumentar o número de consumidores, é preciso criar algo que sirva para o maior número de pessoas, algo que interesse a maioria do meu público. 

Na hora de fazer os cálculos e tomar as decisões, a obra artística em si é ignorada, juntamente com a capacidade criadora do artista. A única preocupação são os números. Da mesma forma, aqueles que vão receber a obra artística também se tornam números, dados, estatísticas. Não existe mais um ser humano por trás da criação artística e não existe mais ser humano por trás do público. Tudo se torna uma grande massa que recebe o nome de consumidores.

Cultura de Massa Descomplicada: A Pasteurização da Arte

Pasteurização artística é uma expressão utilizada para dizer que a obra de arte não possui mais personalidade, não é mais a expressão artística pura de um artista. Ao contrário, ela é um produto concebido por um grupo de empresários, moldada por um grupo de produtores e vendida por um grupo de marketing.

Por exemplo, antigamente, um artista era contratado para fazer um pintura. Dado o pagamento, ele se dedicava o tempo necessário para executar a tarefa. A interferência do pagante era mínima.

Ao contratar o artista, o pagante já sabia o que esperar. Ele estava pagando exatamente pela exclusividade daquela arte, sob o olhar e interpretação do referido artista. Simplificando a fala: “qualquer um pode pintar qualquer coisa”. Logo, quando eu contrato o pintor X, é porque eu quero a pintura naquele estilo.

Totalmente diferente é o funcionamento da indústria cultural. Ela não liga para a opinião do artista, ela liga para aquilo que as pessoas estão disposta à pagar. Sendo assim, quando um artista é contratado, ele tem que seguir regras estritas dos pagantes, para garantir que o produto saia da forma como o pagante quer e não da forma como o artista pensou.

Exemplo Hipotético 1:

Um grupo de produtores brasileiros e mexicanos querem fazer um filme do Chaves (personagem querido no povo brasileiro). Então, eles contratam um grupo de roteiristas. Eles escrevem uma história inédita que eles acreditam que merece ser contada (por exemplo, o Chaves ficando adulto e casando com a Chiquinha).

Aí os produtores pedem para o grupo de marketing fazer uma sondagem através de pesquisa para saber o que os fãs acham de ver um casamento entre o Chaves e a Chiquinha. Na pesquisa, descobrem que metade das pessoas não gostou da ideia de ver esses dois personagens casados. Consequência: os produtos pedem para mudar o roteiro da história!

Oras! Os roteiristas são artistas! Eles colocaram no papel as suas ideias! É a visão deles. Entretanto, estamos falando de dinheiro acima de tudo, e não é interessante para a indústria cultural investir dinheiro em um projeto que tem potencial de perder metade do seu público por causa da visão diferenciada dos roteiristas.

Exemplo Hipotético 2:

Agora, imaginem que após a pesquisa encomendada, descubra-se que o público sempre acreditou que Chaves e Chiquinha ficariam juntos quando crescessem. E que seria maravilhoso ver um filme que tivesse essa cena.

Dessa forma, a ideia dos roteiristas está mantida. Aí, parte-se para a contratação de um diretor. E surge um novo problema…

No roteiro, está escrito: “após a festa de casamento de Chaves e Chiquinha, eles terão sua noite de núpcias”. Até aí, nenhum problema. O problema é que o diretor defende que seja gravada uma cena de sexo dos dois. Agora eles são adultos e o público que acompanhou o seriado também é adulto. Logo, é normal que eles transem! Mas os produtores discordam…

O problema da cena de sexo é que o filme deixará de ter classificação livre para ser um filme indicado para maiores de 16 anos. Para o diretor, isso não é problema. Mas para os produtores, isso pode afastar a ida de famílias inteiras ao cinema e o público infantil, pode dificultar o plano de marketing e vai atrapalhar na venda de merchandising. 

Resumindo: para não perder público nem afetar o lucro, a cena de sexo vai ser tirada, limitando a visão artística do diretor.

Exemplo Real 1:

Na disputa entre Marvel e DC nos cinemas, a Marvel tem levado grande vantagem.

Muitos atribuem o sucesso aos produtores da Marvel, que alinham bem todas as histórias dos personagens e limita bastante a atuação dos roteiristas e diretores, contratando pessoas que façam o que é pedido e não que coloquem a sua visão particular na obra.

Já a DC costumava apostar no nome de grandes roteiristas e diretores e dar “carta branca” para eles criarem o universo que quisessem. Como nem sempre os filmes agradavam o público em geral, isso acaba prejudicando os produtores em criar o universo dos seus heróis e conectar as histórias para alinhar todo mundo.

Esse problema foi tão sério, que a DC decidiu tirar o diretor Zack Snyder do filme da Liga da Justiça porque os produtores acharam que o filme estava muito sombrio, e contrataram o diretor Joss Whedon para modificar um pouco as coisas e dar uma suavizada no clima do filme, trazendo um pouco de comédia.

Exemplo Real 2:

O vilão Mandarim da Marvel era originalmente um chinês. Conduto, a China é o segundo maior mercado consumidor dos filme das Marvel e os produtores acharam que poderia não pegar bem fazerem um vilão chinês.

Por esse motivo, os produtores decidiram mudar a história do vilão Mandarim para o filme Homem de Ferro 3. No roteiro cinematográfico, o Mandarim se tornou um terrorista árabe, algo mais “atual” e que evitaria problemas com o mercado chinês.

Curiosamente, essa decisão foi um dos maiores erros do universo cinematográfico da Marvel segundo os fãs. Muita gente criticou a decisão e considerou a medida desnecessária. Homem de Ferro 3 é um dos piores filmes da Marvel.

Consequência: a Marvel decidiu rever seu MCU e criou a história de que o Mandarim de Homem de Ferro 3 não é o verdadeiro Mandarim, e que o verdadeiro seria apresentado ao público em um novo produto cinematográfico.

Resumindo

Todos esses exemplos servem para mostrar que a cultura criada pela indústria cultural não é uma cultura diversificada, em que cada seguimento tem obras para o seu gosto. Ao contrário, boa parte do que é produzido é criado de uma tal forma que agrade a maioria das pessoas.

Dessa forma, perdemos a oportunidade de ver uma obra artística única e acabamos vendo mais do mesmo.

Com medo de arriscarem e perderem dinheiro, os produtores preferem ir pelo caminho seguro. E, devido a isso, perdemos a chance de sermos surpreendidos com algo inovador.

Curiosamente, quando alguém arrisca fazer diferente e acerta, todo mundo começa a imitar. Um grande exemplo nerd é o filme do Deadpool. Na época, todos achavam que seria um fracasso porque o filme era para adultos, com muitas cenas de sexo e violência explícita. Ninguém queria arriscar fazer um “filme de super-herói” dessa forma. O próprio ator Ryan Reynolds (que interpreta o personagem) teve que entrar na produção para tirar o filme do papel.

Com o grande sucesso, começaram a surgir outros filmes de heróis para adultos. O melhor exemplo é o filme Logan, que é considerado o melhor filme solo do Wolverine.

Cultura de Massa Descomplicada: Entretenimento Acrítico

Uma das grandes mudanças de finalidade da arte trazida pela indústria cultural foi priorizar o seu valor de entretenimento e diminuir o seu valor crítico.

Pode parecer estranho ouvir que arte serve como crítica, mas essa foi durante muito tempo a sua finalidade principal. O papel do artista foi por muito tempo o de ser alguém que enxerga a vida e os problemas decorrentes dela de uma outra forma. Essa outra forma era aplicada na sua obra de arte e as pessoas (o grande público) podiam tomar conhecimento disso através dela.

Em muitas situações, a arte foi usada como forma de subversão da cultura. O artista sendo aquele que enxerga as coisas de uma forma diferente e expõe na sua arte uma crítica à sociedade ou a um problema na sociedade. Um bom exemplo são as músicas durante a Ditadura Militar no Brasil, e você pode conferir alguns comentários sobre as músicas do Raul Seixas nesse artigo que escrevi: Reflexão sobre Raul Seixas: Filosofa Raul!.

Contudo, nem todos gostam de ser provocados pela arte. Tem muitas pessoas, inclusive, que recorrem às artes para esquecer dos problemas da vida e só relaxar. O famoso “desligar o cérebro”. Esse pensamento é contemporâneo e fruto de uma mudança cultural criada pela indústria cultural. Eles venderam a arte como fuga dos problemas e não mais como enfrentamento dos problemas.

A consequência disso é o esvaziamento do papel social da arte. Ela, agora, se tornou distração, entretenimento. Não serve mais para fazer pensar.

As pessoas querem gastar dinheiro para fugir dos problemas, e não para encará-los. E a indústria cultural atendeu essa demanda. Os filmes, músicas, programas de TV são formas de passatempo. Ninguém leva a sério.

Cultura de Massa Descomplicada: Manipulando a Massa

O ponto delicado nisso tudo é que a arte não perdeu o seu papel persuasivo. As pessoas podem até consumir arte achando que é passatempo, mas ela continua tendo poder de mudar pensamentos e ideias nas pessoas. Logo, surgiu todo um pensamento ideológico que se utiliza dessa arte tratada como banal para incutir pensamentos novos na população.

Sem perceber, as pessoas vão consumindo arte achando que é só diversão, mas estão absorvendo também uma série de ideias, pensamentos, valores propostos pelos produtores daquela arte.

Consequência: quem detém os meios de comunicação, detém o poder de manipular a grande massa sem ela perceber que está sendo manipulada. Se você lembrar do exemplo que dei no artigo sobre a indústria cultural, vai lembrar como o marketing feito em cima dos diamantes criou a cultura que temos hoje por essa pedra preciosa. Esse marketing foi especialmente feito nos filmes de Hollywood e na artista Marilyn Monroe.

Cultura de Massa Descomplicada: Conclusão

O que a classe dominante, especialmente aquela que detém os meios de produção, mais querem é dinheiro e poder. Para isso, eles vendem produtos artísticos que agradam a maioria das pessoas, mesmo que isso custe a visão original do artista. Eles também querem o controle sobre as pessoas e, para isso, difundem a ideia que arte é só diversão e entretenimento, mas, ocultamente, inserem uma diversidade de valores e ideologias que eles querem que as pessoas sigam e acreditem. No final, a grande massa consumidora desses produtos paga para ser manipulada e anestesiada. Todo mundo fica feliz. Exceto a razão, que fica triste por ser ignora e excluída dessa relação.

Aprofundando o Assunto

Caso queiram aprender mais sobre o tema Cultura de Massa, deixo como sugestão:

Dialética do Esclarecimento (Theodor Adorno e Max Horkheimer)

Indústria cultural (Theodor W. Adorno)

Cultura de Massas no Século XX – O Espírito do Tempo – Neurose e Necrose (Edgar Morin)

Teoria da cultura de massa (Luiz Costa Lima)

História da Filosofia: de Nietzsche à Escola de Frankfurt (Giovanni Reale e Dario Antiseri)

E aí? O que acharam desse artigo? Deixa nos comentários! Gostou? Compartilha esse artigo sobre Cultura de Massa Descomplicada e ajuda a divulgar! Quer sugerir novos temas filosóficos? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

Coleção Ensino Médio 2ª série: Manual do Professor. – Belo Horizonte: Bernoulli Sistema de Ensino, 2019. 64 p.: il. (Volume 4)

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.