Contra o Método Descomplicado: Feyerabend e o Anarquismo Teórico

Contra o Método Descomplicado: Feyerabend e o Anarquismo Teórico

Olá, marujos! Hoje explicaremos a teoria conhecida como “Contra o Método” de Paul Feyerabend de um jeito descomplicado. Essa é uma proposta filosófica polêmica, que nega a existência de um método científico correto para o desenvolvimento das ciências. O próprio Feyerabend se considera um anarquista teórico. Vamos explicar as principais ideias por trás dessa filosofia e também fazer uma breve biografia do filósofo. Vamos lá!

Sobre Feyerabend

Paul Feyerabend nasceu em 13 de janeiro de 1924 em Viena, na Áustria. Fez o ensino fundamental e médio como qualquer outra criança.

Em 1942, após concluir o ensino médio, foi para Reich Labour Service, uma organização da Alemanha nazista que garantia a ocupação das pessoas desempregadas, realizar atividades braçais. Posteriormente, serviu como oficial durante a segunda guerra mundial. Em um movimento de retirada de tropas, foi alvejado três vezes e passou o resto da guerra se recuperando dos ferimentos.

Foi só após a segunda guerra mundial que ele pode começar seus estudos. Estudou história, sociologia e física antes de se decidir pela filosofia. Desde essa época, já tinha escolhido como foco das suas pesquisas filosóficas a Filosofia da Ciência. Ele chegou a estudar com Karl Popper, com quem inicialmente concordava filosoficamente, mas depois rompeu.

Ele começou sua carreira acadêmica em 1955 em Universidade de Bristol, Inglaterra. A partir de então, trabalhou em diversas universidades em diferentes países (EUA, Inglaterra, Nova Zelândia, Alemanha). Foi nesse período acadêmico que escreveu suas principais obras de epistemologia e filosofia da ciência.

Feyerabend se aposentou em 1991 e iniciou sua autobiografia. Ele faleceu em 11 de fevereiro de 1994 de um tumor cerebral em Zurique, Suíça.

Contra o Método Descomplicado: Anarquismo Teórico

Feyerabend ficou famoso por suas críticas ao método científico. Para quem não lembra, o método científico é a base do conhecimento científico porque ele constitui o conjunto de regras aos quais o cientista deve obedecer para encontrar respostas válidas e verdadeiras sobre os fenômenos da natureza. Só é conhecimento científico se o resultado for obtido através de um método científico.

Feyerabend é veemente contra essa concepção de ciência. Para ele, deveríamos viver um anarquismo teórico em que todas as formas de obtenção de conhecimento seriam válidas. Para ele, o método científico engessa e limita a pesquisa do cientista, lhe obrigando a seguir um monte de pressupostos que o atrapalham a descobrir coisas novas ou até mesmo anulam descobertas importantes só porque não estão dentro do formato aceito pela comunidade científica.

O filósofo mostra, com alguns exemplos, que muitos avanços científicos ocorreram exatamente quando os cientistas ignoraram os métodos aceitos naquela época e examinaram a natureza de uma forma totalmente nova. O caso mais famoso é a heliocentrismo: as pesquisas que provavam que o Sol é o centro da universo ignoravam os métodos científicos vigentes na época.

Como exemplo fictício, imaginem que o método atualmente aceito para fazer um estudo geológico seja coletar uma amostra de solo e pulverizá-la para podermos analisar na poeira restante os elementos que compõe aquele solo. Dessa forma, todas as amostras trazidas da lua, marte e meteoritos que aqui caem passam por esse processo. Conduto, um cientista decide não pulverizar sua rocha lunar e realiza uma série de testes com pedaços da lua. A princípio, tudo o que ele descobrisse não seria aceito como científico porque ele não seguiu o método padrão de pesquisa para rochas. Entretanto, ele descobre um elemento químico novo, que sempre era perdido porque o processo de pulverização destruía esse elemento. Essa descoberta só foi possível porque ele ousou em desafia o método.

Para Feyerabend, a insistência no uso de um método científico pré-aprovado para se fazer ciência estaria tolhendo, limitando o atual avanço científico, impedindo novas descobertas.

Contra o Método Descomplicado: Contra a Consistência do Critério

Na ciência, quando existem duas teorias distintas que tentam explicar a mesma coisa, vence a teoria que mais “respeita” antigas teorias. E perde a teoria que não funciona tão bem combinada com antigas teorias.

Para Feyerabend, isso é um erro. Segundo o filósofo, essa escolha é menos racional e mais estética. É mais uma preferência pessoal do que um rigoroso critério.

O fato de ter uma teoria nova que não funciona com teorias antigas não é prova de que a nova está errada. Pode ser que a nova esteja certa e as antigas erradas. Só não sabemos ainda como explicar isso. Simplesmente ignorar a novidade científica porque ela não “agrada” às velhas teorias é uma atitude emocional segundo Feyerabend.

Imaginem o seguinte cenário fictício: encontram-se uma cratera enorme em marte que não estava lá a alguns dias. Buscam-se respostas e surgem duas teorias: a primeira diz que a cratera foi causada por um meteoro que caiu lá e pulverizou; a segunda diz que a cratera foi causada pela pegada de um ser vivo gigante que acabou de deixar aquela marca lá. Automaticamente, aceita-se a primeira hipótese porque ela respeita muito mais as antigas teorias, que mostram a ausência de traços de vida em marte.

Para Feyerabend, isso estaria errado. Só porque não temos provas de que existe vida em marte não significa necessariamente que não existam seres vivos gigantes. Ao ignorar a hipótese da pegada, fecha-se uma linha de investigação que poderia resultar em excelentes trabalhos e descobertas.

Contra o Método Descomplicado: Contra o Falsificacionismo

O falsificacionismo é uma corrente filosófica a qual defende que uma teoria é científica a partir da possibilidade de ser falseada. Tendo isso em vista, uma teoria científica permanece vigente até que alguém prove que ela está errada, que ela não serve para uma determinada situação. Nesse momento, a teoria é abandonada e busca-se outra solução para os problemas.

Feyerabend critica essa atitude porque o fato da teoria não funcionar em um determinado caso não significa que ela não serve. Às vezes, ignorar essa falha (ou fazer uma “gambiarra” científica para contorná-la) é o melhor caminho porque a teoria, mesmo falseada, ainda conseguiria trazer novas descobertas para o campo científico. Não é porque ela falha em uma situação que ela não serve mais.

Como exemplo, o filósofo cita a renormalização na mecânica quântica. Esse procedimento, segundo Feyerabend, é um artifício que os cientistas quânticos usam para encaixar a matemática quântica ao fenômeno quântico observável. Ou seja, os fatos contradizem os cálculos. Mas, em vez de ignorar a equação, usa-se um artifício e ela continua funcionando muito bem e resolvendo outros problemas científicos que seriam insolúveis se a referida equação fosse abandonada.

Como exemplo fictício, imaginem que a ciência atual aceita como certa a teoria da gravidade. Supreendentemente, descobre-se que em uma região específica da Terra, uma ilha nunca antes explorada, não existe gravidade! Se fossemos rigorosos com o falsificacionismo, a teoria da gravidade seria abandonada porque ela não é mais universal como se pensava. Entretanto, para Feyerabend, essa “falha” não seria motivo suficiente para abandonar a teoria da gravidade, porque muitos dos avanços científicos decorreram dela.

Nesse caso, o filósofo considera que o melhor é utilizar uma hipótese ad hoc.

Contra o Método Descomplicado: A Favor das Hipóteses ad hoc

Hipóteses ad hoc foi um artifício muito usado antigamente na ciência quando uma determinada teoria científica funcionava bem na maioria dos casos, mas vacilava em uma situação específica. Seriam explicações sem comprovação técnica do motivo pela qual a teoria funciona sempre nas situações normais, mas falha em um caso específico.

Atualmente, teorias que possuem hipóteses ad hoc normalmente são vistas com descrença, como se fossem pseudocientíficas. Contrariamente a essa visão, Feyerabend defende as hipóteses ad hoc. Segundo o filósofo, esse artifício mantem a teoria válida até que surjam novos avanços técnicos que darão conta de explicar o motivo da teoria falhar em um caso específico. Sendo assim, seria um erro desprezar uma teoria que poderia trazer grandes contribuições científicas só porque ela não dá conta de um determinado caso.

Como exemplo, Feyerabend mostra que na época de Galileu, as teorias óticas não conseguiam dar conta daquilo que era observado pelos telescópios. Contudo, não se abandonou as observações. Pelo contrário: elas foram mantidas através de regras ad hoc, explicações sem justificativas técnicas. Só com o avanço da ciência foi que pudemos entender teoricamente aquilo que já era observado.

Como exemplo hipotético, imagine que um astrônomo identifique um OVNI (objeto voador não identificado). Segundo os padrões de movimento observados, não existe uma teoria que explique como um objeto inanimado fez aquele movimento. O cientista, então, vai argumentar que a única explicação plausível é uma nave espacial extraterrestre. Na atual situação, ele seria ridicularizado pelos seus colegas. Contudo, para Feyerabend, essa teoria poderia ser aceita temporariamente, até que novos avanços científicos conseguissem provar ou não a existência de naves espaciais extraterrestres.

Contra o Método Descomplicado: Ciência através da Contra-indução

Enquanto que a ciência normalmente trabalha através da indução (ou seja, partindo de experiências de casos particulares para se criar uma teoria geral), Feyerabend vai propor que a ciência aceite o método contra-indutivo.

Basicamente, o que o filósofo quer falar é: devemos aceitar todas as teorias científicas, mesmo que elas não encontrem uma correspondência com os fenômenos observados atualmente. É na liberdade de atuação do cientista que o progresso ocorrerá. Mesmo que uma ideia pareça louca, sem nenhum fundamento, ela deve ser aceita porque pode trazer um resultado positivo no futuro. Para ele, “todas as ideias valem”!

Então, dessa forma, tudo seriam ciência? Não! Segundo Feyerabend, não é científica uma teoria que já parte de algum pressuposto ideológico fixo ou religioso. Por exemplo, teorias que tentam provar o arianismo (existência de uma raça pura, baseada na ideologia nazista) e o criacionismo (os seres humanos não evoluíram de outros primatas ancestrais, baseada na religião cristã) não seriam científicas porque elas não querem encontrar a verdade, mas sim justificar um dogma.

Contra o Método Descomplicado: Conclusão

O pensamento de Feyerabend é radical e controverso. Sua aceitação coloca em xeque a autoridade científica que muitas pessoas defendem. O próprio filósofo é contra essa autoridade científica frente a outras formas de conhecimento e acredita que isso é um mal para a sociedade. Sendo assim, a ciência deve entender que ela progride de diversas formas, que não é um método que vai dizer se algo é certo ou errado. Ela não é a detentora da verdade e deve libertar seus cientistas para ousarem mais em suas teorias. É essa ousadia que conduzirá a sociedade ao progresso.

Lista de Leitura (Aprofundamento em Paul Feyerabend e Contra o Método)

Caso queiram aprofundar seus estudos em Paul Feyerabend e sua teoria Contra o Método, segue uma sugestão de lista de leitura:

Contra o método (Paul Feyerabend)

A ciência em uma sociedade livre (Paul Feyerabend)

Matando o tempo – uma autobiografia (Paul Feyerabend)

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016.

Wikipédia. Verbete Paul Feyerabend.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.