Uma Reflexão sobre House of Cards: o problema do poder

Uma Reflexão sobre House of Cards: o problema do poder

Uma Reflexão sobre House of Cards: o problema do poder

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre a série House of Cards da Netflix, que terminou ano passado. Iremos ver como a postura do congressista Frank Underwood e de sua esposa Claire servem para refletirmos sobre o problema do poder. Veremos onde está localizado o poder, porque as pessoas o buscam e como sobreviver em um mundo de pessoas que lutam por esse poder. Não traremos spoilers dos principais acontecimentos da série nesse artigo, então você pode lê-lo tendo visto ou não a série.

 Sobre a Série House of Cards

A série da Netflix House of Cards é uma versão americana da série House of Cards britânica, que, por sua vez, foi inspirada em um livro. A série que iremos analisar será a americana. Ela começou em 2013, ganhou diversos prêmios, mas teve seu fim decretado em 2018, após surgirem escândalos sexuais envolvendo o ator principal Kevin Spacey.

A história da série se passa em Washington D.C. (capital dos EUA)  no que seriam os dias atuais americanos (inclusive, acompanhamos a evolução da tecnologia, especialmente os telefones!). A série começa com a comemoração da vitória do novo presidente Garret Walker (Michel Gill). Nessa comemoração, está o congressista Francis Underwood (Kevin Spacey) que tinha até então garantido um lugar no governo como Secretário de Estado.

O problema começa quando Frank não é nomeado ao posto conforme tinha sido prometido devido a uns acordos políticos. A partir desse momento, Frank começa a usar de toda a sua influência para buscar seus objetivos. Ele deixa a diplomacia partidária de lado e começa a usar dos “podres” das pessoas para manipulá-las.

Não que os demais políticos fossem santos, mas Frank mostra o lado mais cruel da politicagem. Ele agride pessoas, destrói carreiras de políticos aparentemente bons, manipula pessoas e a mídia, usa algumas pessoas e engana outras. Tudo com o apoio de sua esposa Claire Underwood (Robin Wright), que é tão ambiciosa quanto ele.

Ao longo da série, veremos Frank ir escalando sua vida política degrau a degrau, deixando um rastro de atitudes inimagináveis por onde passa. A cada episódio, mais raiva e admiração temos dele. Raiva porque sentimos que aquilo é errado. Admiração porque não podemos negar a sagacidade dele em fazer o que faz.

Um dos pontos mais interessantes dessa série é a frequente “quebra da quarta parede”. Esse é o nome que damos para momentos em que o personagem se vira para a câmera e fala diretamente com os expectadores. Nós nos sentimos observadores e observados, quase cúmplices de Frank em suas ações.

Uma Reflexão sobre House of Cards: A Síndrome de Deus

A postura de Frank Underwood mostra como alguém pode agir sem limites para conseguir o que quer. E mais do que isso, Francis não tem um objetivo específico. Ele no máximo tem metas a cumprir para crescer um pouco mais.

Frank se considera a melhor pessoa para os cargos que inveja, a pessoa mais preparada. E quando ele não tem sua vontade atendida, ele se revolta. Mas se perguntassem o “para que” de ele querer aquele cargo, ele não teria resposta. E se perguntassem o “por que”, ele diria “Para ter poder!”.

Poder pelo poder. Essa é a missão de vida de Frank e de Claire. Não é um poder para fazer algo, mas um poder para ter poder. Eu chamo essa postura de “síndrome de Deus”. Ou seja, no fundo, o que Frank quer é ser um deus. Inclusive, durante a série, Frank discute com Deus algumas vezes, medindo forças com ele.

Esse tipo de postura parece ser muito agressiva e exagerada quando olhamos uma pessoa que almeja ser o presidente dos Estados Unidos, mas ela acontece a todo o momento em pequena escala. Acontece na política local, nas empresas, em associações (como futebol ou ONG).

Frequentemente nós vemos pessoas que querem chegar ao mais alto posto que a sua realidade atual permite e quando tentamos descobrir as intenções, elas não existem. E se existem, às vezes são desculpas para justificar o que fazem ou até mesmo formas de se vangloriar.

No fundo, o que essas pessoas querem é serem lembradas. É o que chamamos de legado. É a satisfação de que ao morrer, sua imagem ficará eternamente gravada na memória das pessoas, como alguém que fez algo importante ou que melhorou alguma situação ruim que existia.

E, como podemos ver, essas formas de serem lembrados se aproximam muito com as formas com que Deus se tornou “famoso” e reverenciado. Não estou aqui menosprezando nenhuma religião, apenas apontando que normalmente veneramos um Deus que faz grandes feitos, tais como criar o universo, criar o ser humano ou nos ajudar em algo que seria impossível (os milagres).

As pessoas com “síndrome de Deus” querem o mesmo resultado, mas agem de um modo totalmente controverso. Controverso para nós, mas para eles não é. Eles se acham tão acima do bem e do mal que suas ações seriam apenas necessárias, sem julgamento moral.

Uma Reflexão sobre House of Cards: A Microfísica do Poder

Outro fator interessante de se observar na série são as formas utilizadas para se atingir os objetivos. Negociações, chantagens, subornos, ameaças etc. Por baixo dos panos vale tudo.

Para o grande público, no caso, a população americana, as coisas estão normais. Os escândalos políticos foram descobertos graças a um ótimo repórter. Os motivos de afastamento realmente eram intencionais, para tratar de problemas pessoais. As mortes, meros acidentes. A população não é manipulada, ninguém é enganado. O povo sabe toda a verdade e acompanha tudo, sabe muito bem quem é seu candidato… Ledo engano.

Michel Foucault desenvolveu uma teoria denominada “microfísica do poder”. Nessa teoria, o poder é uma força que intermedeia todas as relações sociais. Ela está presente sempre que existe alguém se relacionando com outras pessoas, tipo marido e mulher, pai e filho, professor e aluno, amigo e amigo, etc. Sempre existirá alguém querendo algo dessa relação (ou um ou os dois) e sempre alguém terá que ceder (voluntariamente ou não).

Para o filósofo, poder é a capacidade e oportunidade de impor ao outro a sua própria vontade. O poder em si não faz nada, ele apenas é o meio para se alcançar alguma coisa. É por isso que a busca do poder pelo poder é sem sentido.

Dessa forma, podemos entender que sempre existe relação de poder quando nos dirigimos a alguém para nos fazer alguma coisa ou vice-versa. Como o filósofo mesmo diz, o poder é imanente (sempre esteve lá) à sociedade, faz parte da sua natureza.

Frank Underwood vai conseguindo suas vitórias através da utilização desse conceito, porque ele não faz um ataque direcionado à pessoa que ocupa o posto que ele queira ocupar. Ele vai construindo situações, envolvendo pessoas, jogando com elas, fazendo uma influenciar a outra sem perceber que na verdade está “trabalhando” para o objetivo maior do Frank. No final, ele consegue o que queria sem sujar as mãos e sem se expor. Apenas convencendo outros a agirem por interesses pessoais, mas que serviam bem ao propósito do congressista.

Conclusão

Em um primeiro momento, a série pode nos desestabilizar politicamente. Tudo o que acontece é muito verossímil e desconfiamos se realmente existe salvação para a vida política. A série fala da realidade americana, mas a maior parte das jogadas políticas podem ser adaptadas para o Brasil. Inclusive, muitas coisas que acontecem na série poderiam ser facilmente uma adaptação do que vem acontecendo ao longo dos anos na nossa política.

Entretanto, também podemos usar a série para ganharmos uma maturidade política, para entendermos de vez que a politicagem é algo sério, que mexe com todas as esferas da sociedade e que ninguém é perfeito ou santo nesse mundo, nem mesmo nós.

Podemos não ser o Frank, mas com certeza já pensamos em um dia ter ou buscar o poder que ele tem e buscou. Será que faríamos igual a ele? Provavelmente nunca saberemos. Será que agora entendemos como funciona de forma nua e crua o jogo político? Com certeza! Agora, o que faremos com essa informação nas próximas eleições, só cabe a nós decidir.

E aí? Você já pensou em ocupar algum cargo político? Qual? Por quê? Deixa aí nos comentários! Tem conhecidos na política ou que querem ser políticos? Manda esse artigo para ele porque ele precisa saber como é de verdade lá dentro! Quer sugerir outra série ou filme para refletirmos? Manda para a gente pelo formulário de contato.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.