Reflexão sobre Tiger King: Amor e Ódio Selvagens

Reflexão sobre Tiger King: Amor e Ódio Selvagens

Olá, marujos! Hoje vamos fazer uma reflexão sobre Tiger King, também conhecido como A Máfia do Tigre. Esse é um curioso documentário da Netflix que se tornou cult nesses tempos de isolamento social devido à pandemia provocada pelo coronavírus. O documentário fala das vidas e dos projetos de criadores e cuidadores de grandes felinos, mostrando o lado bom e ruim dessas pessoas. A reflexão vai abordar a capacidade que o ser humano tem de amar algumas coisas e odiar outras, como um mesmo ser pode transitar tão facilmente entre sentimentos tão opostos. Eu não sei dizer se existe spoiler em documentário… mas vou citar algumas falas e situações relatadas. Não acho que estrague nenhuma surpresa porque a proposta do documentário em si não tem isso. De qualquer forma, fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Tiger King

Tiger King, ou A Máfia do Tigre, é um minissérie documentário da Netflix que estreou em março de 2020 e atingiu grande popularidade (que muitos acreditam ser “culpa” do isolamento social). A história é sobre Joe Exotic, um criador de grandes felinos (porque ele não tinha só tigres) e dono de um zoológico particular.

A minissérie foca basicamente sua vida adulta de Joe, desde o momento em que ele começou a se apaixonar e criar tigres até o momento em que ele foi preso por encomendar o assassinato de Carole Baskin e maus tratos aos animais. O termo Tiger King foi um título que ele se deu, que seria usado em um outro documentário sobre sua vida (que acabou não sendo finalizado).

Se não bastasse a estranheza em ser criador de grandes felinos, também descobriremos que a vida de Joe é uma loucura! Descobriremos que ele tinha outros hobbies, como ser apresentador de um programa da Internet próprio e cantor country. Além disso, a vida de Joe era movimentada, já que ele fazia apresentações em escolas contra as drogas e se candidatou para presidente e governador!

Ao longo da série, também aprenderemos mais sobre esse universo da criação de tigres, com a apresentação de outros criadores famosos, críticos defensores dos direitos dos animais e discussões legais sobre a manutenção ou não dessas criações nos EUA.

Reflexão sobre Tiger King: Mesma Paixão, Caminhos Opostos

Durante o documentário, a todo o momento existe uma contraposição entre o jeito exótico de Joe Exotic e o jeito “normal” de Carole Baskin (uma defensora do fim da criação de grandes felinos nos EUA). Contudo, uma coisa eles tem em comum: ambos amam os animais, em especial seus grandes felinos. A discussão que se instala é a forma de amar esses animais; ou melhor, a forma de fazer a manutenção desse amor.

Joe criava tigres para si mesmo. Era um hobby. Só que isso custa muito dinheiro, por isso resolveu transformar seu hobby em um negócio. Eu entendo ele porque, por uns três anos, eu vendia produtos ligados ao TCG Pokémon para poder comprar as minhas próprias cartas e custear as despesas de deslocamento, alimentação e estadia dos torneios que eu jogava.

Fazer de um hobby um negócio é algo muito comum entre as pessoas. Trabalhar com o que se gosta dá muito mais prazer do que separar trabalho e lazer. Por outro lado, como o trabalho também é seu hobby, você acaba se apaixonado demais pelo negócio e pode acabar agindo de forma emocional em uma situação que exige racionalidade.

Carole adquiriu seu gosto por grandes felinos com o seu primeiro marido milionário, que também era um criador. Quando ele desapareceu (vamos falar disso mais para a frente), ela usou sua fortuna para construir um santuário para esses animais e para todos que precisassem ser resgatados de maus tratos. Para ela, esses animais nunca deveriam estar em jaulas, mas livres. Como não dá para libertá-los na natureza, ela tentou criar um ambiente o mais natural possível para deixá-los viver de forma mais selvagem, sem serem bichos de estimação.

Percebemos assim que ambos, Joe e Carole, têm apreço e carinho pelos animais. Mas ambos manifestam esse amor de um jeito diferente, e a forma como lutam pelos animais também é diferente. Se Joe fosse milionário que nem Carole, será que ele veria necessidade em vender filhotes para manter sua criação? Se Carole não tivesse mais dinheiro para sustentar o santuário, será que ela não decidiria vender alguns animais para minimizar as despesas e conseguir alguma arrecadação? A resposta disso nunca saberemos a não ser que aconteça porque certamente nenhum deles vai admitir que faz ou faria alguma coisa para prejudicar os animais que eles tanto amam.

Podemos, com esse caso, refletir o quanto é difícil e divergente estabelecermos padrões de como agir quando o assunto é amor. Muitas vezes vemos pais e/ou avós brigando sobre como criar o filho / neto. Muitas vezes vemos discussões de amigos sobre como os seus companheiros agem e surgem falas do tipo “não te merece!”, “você deveria terminar”, “quem dera o meu relacionamento fosse assim”… A verdade é que não existe forma certa de amar. E só quem ama sabe o quanto está disposto a se sacrificar, a mudar, a lutar. IMPORTANTE: em hipótese alguma estou aceitando agressão doméstica ou violência contra uma criança como algo tolerável; estou me referindo a situações permitidas pela lei e pelo bom-senso.

Mais do que acusar, o melhor é tentar entender e ajudar. Se Carole considerava errado vender filhotes, porque não se ofereceu para manter os animais de Joe com a promessa que evitasse a procriação? Se Joe queria o bem dos animais, porque não oferecer alguns dos seus adultos para o santuário ou pedir ajuda financeira para Carole? Na briga dos dois, assim como em todos os casos, quem sai perdendo sempre é quem está no centro do debate (nesse caso, os grandes felinos).

Joe acusava Carole de fazer do seu santuário um zoológico disfarçado, porque ela também oferecia visitas, eventos, vendia lembrancinhas… mas ela alegava que nunca expunha os animais, que eles nunca eram incomodados. Carole acusou Joe de matar os animais que não serviam mais para ele… mas ele alegava que apenas havia sacrificado alguns animais doentes, como forma de minimizar seu sofrimento. Novamente, quem esta certo? Quem está errado? Provavelmente, os dois, para ambas as perguntas…

Reflexão sobre Tiger King: Filosofia em Ação

Uma Discussão Bioética

Carole estava (e ainda está) lutando pela aprovação de uma lei que proíba a criação, reprodução e venda dos grandes felinos. A ideia é acabar com o comércio por trás dessa hobby. Essa é uma discussão bioética, que pertence ao campo da filosofia.

O problema aqui é com relação ao papel dos animais na natureza (entendida como um todo) e com a sociedade. Até que ponto os animais podem ser usados ou não pelo ser humano? Essa discussão é relativamente recente e começou quando percebeu-se a senciência dos animais: resumidamente, senciência é a capacidade de ser afetado positiva ou negativamente. Ou seja, sentir se aquilo que estou experimentando, vivenciando é bom ou mal para mim.

Até então, somente os seres humanos eram tratados com a devida dignidade porque era os únicos seres conscientes do que faziam e viviam. Depois, começou-se a aceitar que um grande grupo de animais também pode sentir que algo é bom ou ruim para si e, por esse motivo, deveriam ter seus direitos preservados. Eles não seriam coisas, mas seres.

A discussão é grande e longa. Afeta muitas questões como maus tratos aos animais, alimentação carnívora, criação e manutenção de animais domésticos e selvagens, e preservação dos animais na natureza. Tal como diversas discussões filosóficas, nenhum dessas aqui citadas possuem respostas definitivas, o que mostra que a discussão não é simples, muito menos é possível um veredito. O que se evidencia é a importância do debate e da filosofia para esse tema.

Dignidade do Ser Humano

O outro ponto curioso da série é o fato de tanto Joe quanto Carole amarem demais seus animais que podem ter cometido violência contra outro ser humano por causa disso.

O caso mais importante é o do Joe, que foi condenado por contratar um assassino para matar Carole. Vocês verão a série e descobrirão os argumentos e as várias vezes em que ele de fato a ameaçou. Mesmo não tento nenhum tentativa de fato ocorrida, não podemos negar que ele queria que ela morresse para parar de importuná-lo.

Já Carole foi acusada informalmente (mas investigada formalmente) de matar seu primeiro marido. O motivo tinha relação com o investimento no santuário dos grande felinos. A série não toma uma posição sobre o caso, mas os indícios permitem concluir na possibilidade de um “crime perfeito”.

Qual é a relevância disso para a reflexão? O fato da dignidade do ser humano ser colocada abaixo da dignidade do animal! Quem vai trazer esse tema será o filósofo e teólogo Santo Agostinho na sua ética.

Para Agostinho, o pecado original deturpou a nossa forma de amar. Essa desordem faz com que amemos as coisas, as pessoas e Deus de forma errada. Segundo o bispo de Hipona, a ordem correta de amor seria Deus, depois os seres humanos e depois as demais criações. Agostinho tem uma linda metáfora que diz mais ou menos assim: o ser humano é como a noiva que ama mais o seu anel de noivado do que o próprio noivo. Trazendo para o contexto de sua ética, o ser humano acaba amando as coisas mais do que as pessoas (que foram criadas à imagem e semelhança de Deus) e do próprio Deus.

Não estou aqui dizendo que Agostinho defende maus tratos ou abusos com os animais! O que quero apontar é que tanto Joe quanto Carole são suspeitos de fazerem mal a um ser humano. Pessoas que dizem amar muito seus animais terem coragem de matar um ser humano é evidentemente uma prova de desordem das paixões, um problema sério no entendimento do que é prioritário.

Infelizmente, isso não é tão raro de ser ver, quando, por exemplo, sabemos que alguém morreu devido a uma tentativa de roubo. Esse é mais um caso em que vidas humanas são colocadas abaixo de bens materiais.

Mesmo que abrir um santuário fosse bom, e que houvesse o risco do zoológico particular fechar, nada disso justificaria atentar contra a vida de outro ser humano. Existem medidas legais para serem tomadas e evitar isso (até nos países que possuem a pena de morte, ela é sempre a última alternativa).

Fica, então, a reflexão de que não podemos nunca desprezar a vida humana. Sempre ela deve ser priorizada. 

Conclusão

No final dessa reflexão sobre Tiger King, percebemos que essa é uma série documentário bem atípica. Sua história é atípica. Seus “personagens” são atípicos. O mais curioso: é tudo verdade, é tudo real. Existe um ditado o qual diz que a ficção é mais verossímil que vida real. Tiger King é um ótimo exemplo disso, mas nada que impeça de nos divertirmos e refletirmos com ele.

E aí? Gostou da série ou dessa reflexão sobre Tiger King? O que mais te chamou a atenção? Deixa aí nos comentários! Quer convencer alguém a ver Tiger King? Compartilha com ela essa reflexão sobre Tiger King. Alguma sugestão para o blog? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.