Reflexão sobre The Last of Us: Sobrevivência, Moralidade e Egoísmo

Reflexão sobre The Last of Us: Sobrevivência, Moralidade e Egoísmo

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série The Last of Us. Nessa série, acompanhamos um homem e uma menina andando pelos EUA tentando achar a cura para uma infecção que praticamente dizimou a humanidade. Na reflexão, abordarei alguns assuntos trazidos na série: sobrevivência, moralidade em momentos de crise e egoísmo. Teremos spoilers da série na reflexão! Vamos lá!

Sobre a Série (SEM Spoilers)

A série The Last of Us (“os últimos de nós” em uma tradução literal) estreou em 2023 na HBO e está disponível na HBO Max. A série é baseada no jogo homônimo The Last of Us de 2013 para PS3. A primeira temporada narra todos os fatos principais ocorridos no jogo, mas fez algumas pequenas modificações e acréscimos.

Em 2003, um fungo chamado cordyceps começou a infectar humanos. Esse fungo controla o cérebro das pessoas, tirando-lhes o controle e fazendo com que elas se tornem violentas e assassinas. Em um curto espaço de tempo, uma pandemia se alastra pelo planeta e o mundo que conhecemos hoje acaba.

Joel (Pedro Pascal) era um cara normal que viu sua filha ser morta por um agente do governo desesperado e despreparado logo no primeiro dia da pandemia.  Os anos passam, estamos agora em 2023, e Joel é um cara amargurado que apenas está sobrevivendo nesse mundo pós-apocalíptico.

Um dos trabalhos de Joel é de contrabandista e ele recebe como tarefa levar uma menina chamada Ellie (Bella Ramsey) até um QG dos Vaga-lumes (um grupo rebelde). Tudo indica que Ellie é imune ao fungo e os vaga-lumes querem estudá-la para criar uma cura para a doença e salvar a humanidade.

Porém, aquilo que parecia ser um trabalho fácil se torna algo totalmente fora do controle e desafiador. Joel se vê num dilema entre cumprir a missão, mesmo colocando sua vida em risco, ou abandonar Ellie à própria sorte.

Será que Joel manterá sua palavra? Será que Ellie realmente é a chave que faltava para a cura? Descubra vendo The Last of Us na HBO Max.

Reflexão sobre The Last of Us: Para Quem estamos Vivos?

Acredito que o episódio mais impactante e comentado da série tenha sido o episódio 03 “Por Muito, Muito Tempo”, em que acompanhamos uma história de amor inusitada durante esses anos pós-pandemia.

Bill (Nick Offerman) era um cara paranoico que conseguiu sobreviver ao apocalipse inicial se isolando num bunker da sua casa. Durante anos ele viveu sozinho até conhecer Frank (Murray Bartlett), que estava passando pelas áreas próximas da cidade em que Bill morava e acabou caindo em uma armadilha.

Bill e Frank, mesmo muito diferentes um do outro, desenvolvem um sentimento sincero de amor mútuo. Juntos, eles sobrevivem da melhor forma que dá, enfrentando todos os desafios que um mundo pós-apocalíptico pode proporcionar. Porém, Frank desenvolve uma doença neuromuscular degenerativa incurável que vai ficando pior a cada momento até o ponto em que ele não aguenta mais viver naquelas condições.

Frank decide pela eutanásia (tirar a própria vida de forma controlada e segura). Bill relutantemente aceita, mas se decide por também tirar a sua vida da mesma forma. Assim, ambos morrem juntos.

Algum tempo depois, Joel e Ellie chegam na casa de Bill e Frank e Joel lê um bilhete deixado para ele por Bill. Nesse bilhete, Bill diz algo mais ou menos como “nós temos um dever de cuidar de quem depende de nós”.

Para Bill, o único sentido de ele ter ficado vivo todos esses anos era para cuidar de Frank.  E ele buscou fazer o seu melhor. Quando Frank não tinha mais “salvação” e nada mais podia ser feito, Bill sentiu que cumpriu seu papel no mundo e podia morrer em paz.

Gostaria de refletir aqui sobre os motivos pelos quais estamos vivos. Muitas vezes, nós não encontramos em nós mesmos esses motivos, não encontramos nada que queiramos fazer ou ser que nos motive a continuar vivos para alcançar esses objetivos. Nesses casos, pode ser que realmente não tenha nada para nós mesmos que valha a pena viver, mas pode existir em outra pessoa.

A atitude de Bill mostra que, às vezes, a motivação para vivermos pode não estar em nós, mas estar em outra pessoa a qual nós queremos muito bem e, por isso, continuamos vivos para protegê-la, fazê-la feliz, cuidar dela. É o famoso “a minha felicidade está em fazer o outro feliz”.

Não estou dizendo que não devemos ter amor-próprio ou apenas viver pelos outros, mas acontece de algumas pessoas realmente não terem nenhuma motivação de continuar vivas porque sentem que já fizeram ou realizaram tudo o que queriam. Nessas horas, pensar no outro, em pessoas que dependem de você é uma boa alternativa para ganhar novamente essa motivação.

Pensem, por exemplo, em pais que não querem mais viver por alguma coisa ruim que aconteceu com eles, mas que persistem porque sabem que precisam cuidar dos seus filhos. Ou, mantendo o exemplo da série, um cônjuge que permanece vivo porque sente que seu propósito é cuidar do seu companheiro(a).

Às vezes, essa motivação pode ser temporária e serve como guia em momentos de crise existencial; às vezes, a sua existência pode sim ser definida em viver para cuidar do outro. E não tem problema se você está feliz com isso. Só existe problema se você está fazendo isso por mera obrigação social e esse “cuidar do outro” te causa sofrimento em vez de alegria.

Reflexão sobre The Last of Us: Moralidade em Momentos de Crise

Durante a série, percebemos que, muitas vezes, os humanos são piores que os infectados. Se os infectados parecem agir com uma crueldade irracional, os humanos agem com crueldade de forma racional!

A maior pergunta moral que existe é “o que é certo e o que é errado?”. Essa pergunta não tem resposta simples e é um tema discutido até hoje na filosofia. Na série, fica muito claro que existe um alargamento moral naquilo é permitido (ou, ao menos, tolerado) socialmente. E isso não é um problema em si porque o instinto básico de todos nós é a sobrevivência.

O melhor episódio para pensarmos isso é o 08 “Quando Mais Precisamos”. Nele, conhecemos David (Scott Shepherd), um líder de um culto religioso.

David escondia dentro de si uma pulsão violenta que pôde ser aflorada graças à pandemia. Ele enxergava esse novo mundo como um mundo feito para os sobreviventes, àqueles que estavam dispostos a fazer o que fosse necessário para continuar vivos.

O grande segredo desse grupo era de que eles eram canibais. A série deu a entender que apenas alguns membros sabiam da verdade ou, se todos sabiam, fingiam que não sabiam. Comer carne humana na nossa sociedade atual é visto como ofensivo, inapropriado, errado.

Povos que possuíam essa prática canibal no passado eram tidos como primitivos e selvagens. Porém, em um futuro em que a carne para a alimentação é escassa, comer a carne de seres humanos saudáveis mortos não é tão ruim assim de se pensar. Ou é isso, ou você morre também!

A necessidade de sobrevivência alargou aquilo que poderíamos aceitar. Nessa situação, por mais que possa nos ser desagradável imaginar a sensação de cor carne humana, o ato se torna compreensivo.

Por outro lado, a vontade de David de casar com Ellie e até tentar estuprá-la continuam sendo inaceitáveis para nós, mesmo naquela situação. Já houve um tempo em que aceitaríamos meninas de 12-13 anos casando com homens bem mais velhos (e isso existe até hoje em alguns lugares), mas não consideramos necessário voltar a isso na situação atual do mundo pós-apocalíptico de The Last of Us, em que ainda existem muitos humanos e a procriação não é uma necessidade. Menos ainda aceitamos o estupro (que nunca irá se justificar, acredito eu).

Com isso, vemos que mesmo em situações críticas, a humanidade não é capaz de aceitar tudo. Ela pode ser um pouco mais tolerante, mas nunca totalmente permissiva. A moralidade não desaparece porque ela faz parte da essência humana.

Reflexão sobre The Last of Us: Eu ou os Outros?

Agora, outra reflexão é se temos ou não o dever de cuidar da humanidade como um todo. Essa é uma reflexão interessante e complexa.

Joel, no final da série, preferiu cuidar de si do que cuidar da humanidade ao exterminar os vaga-lumes e tirar Ellie do experimento. Aqui, nem dá para desculpar Joel dizendo que ele quis proteger Ellie porque ela já estava motivada a fazer de tudo para achar a cura e tenho certeza que ela aceitaria o sacrifício se fosse necessário.

Qual é o limite para pensarmos em nós mesmos e qual é o limite para abrirmos mão da nossa felicidade para ajudar a humanidade ou desconhecidos? Ellie não traria dos mortos as pessoas queridas de Joel. Para ele, seria só mais uma morte de alguém que ele amava.

Joel poderia passar o resto da sua vida na comunidade criada por seu irmão, como um simples fazendeiro e “pai” de Ellie. Ele estava feliz com essa vida e fez essa escolha (mesmo que a contragosto de Ellie).

Podemos culpá-lo? Acredito que não. Nós não abrimos mão de nossas posses extraordinárias, por exemplo, para dar aos mais necessitados. Só pagamos impostos porque é obrigatório! Dessa forma, somos sim um pouco de Joel.

Conclusão

The Last of Us é uma série sobre sobrevivência: sobre as motivações que nos levam a querer sobreviver, sobre o que estamos ou não dispostos a fazer para sobreviver, sobre quem damos prioridade para sobreviver. Por isso, busquemos construir uma sociedade saudável, tanto nos seus valores quanto na sua relação com a natureza, para que não precisemos chegar ao ponto em que chegou a humanidade em The Last of Us.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.