Reflexão sobre Succession: Família, Família... Negócios à Parte!

Reflexão sobre Succession: Família, Família… Negócios à Parte!

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre a série Succession. Essa é uma premiada série da HBO a qual mostra uma família que vive diversos conflitos internos e externos, especialmente no que se refere ao controle da empresa bilionária que o patriarca da família construiu. Nessa reflexão, vou falar do problema de misturar família e negócios, fazendo uma referência tanto à noção de igualdade entre os gregos como a distinção entre os conceitos de agir instrumental e agir comunicativo em Habermas. Também irei mostrar como o discurso clássico de “querer o bem da família” pode ocultar uma inveja. Não teremos spoilers dos acontecimentos da série, fazendo apenas referências superficiais às decisões e posições de alguns personagens. Por isso, podem ler o artigo despreocupadamente. Vamos lá!

Sobre Succession (SEM Spoilers)

Sucession é uma série americana da HBO. Ela estreou em 2018 e ainda está sendo produzida. Até à época em que escrevo esse artigo, ela já conta com duas temporadas.

Logan Roy (Brian Cox) é um bilionário empresário, que criou do nada uma enorme empresa de mídia e entretenimento. Seus principais ativos estão em emissoras de TV e parques temáticos.

Logan já está velho e pensando em ceder sua liderança para seu filho Kendall Roy (Jeremy Strong), que já a alguns anos tem tomado a liderança em alguns negócios da empresa e estava pronto para assumi-la como presidente. Existe uma animosidade entre pai e filho no que tange aos negócios porque a visão de futuro da empresa e estilo de fazer negócios são diferentes entre eles.

Logan ainda tem três outros filhos: Connor Roy (Alan Ruck), que decidiu não se envolver nos negócios da família e mora no interior (aparentemente, vive de renda do dinheiro que ganhou de seu pai); Romulus “Roman” Roy (Kieran Culkin), um jovem irresponsável que não tem claro ainda o que quer da vida, trabalhando na empresa do pai querendo altos cargos, mas sem maturidade para eles; e Siobhan “Shiv” Roy (Sarah Snook), que decidiu seguir uma carreira de assessora política, mas sem abrir mão de estar por dentro do que acontece na empresa da família, já que sua fortuna e estilo de vida dependem disso.

Tudo parecia em paz na família, com cada filho levando a sua vida, a empresa aparentemente bem conduzida e o patriarca pronto para se aposentar.

Contudo, no dia do aniversário de 80 anos de Logan, quando a passagem de poder seria anunciada, tudo muda devido a uma série de acontecimentos inesperados (tanto na parte empresarial, quanto na parte familiar). Esses acontecimentos vão bagunçar todos os planos e mostrar a fragilidade emocional dessa família que parecia, do lado de fora, perfeita.

Para saber o que acontece, só vendo a série…

Reflexão sobre Succession: A Relação Interpessoal entre os Gregos

A Grécia, como muitos devem saber, é o berço de muitos valores para o mundo ocidental. Alguns desses valores são a noção de democracia e cidadania. Entretanto, essas noções nobres escondem algumas coisas que, para os padrões atuais, seriam inaceitáveis.

A noção muito difundida de isonomia dos gregos significa que todos os cidadão são iguais perante às leis e à assembleia. Só que apenas uma pequena parte dos gregos possuíam cidadania porque precisavam ser homens, adultos, livres e terem nascido na cidade. Logo, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram cidadãos.

Essa distinção entre quem era ou não cidadão refletia na própria relação interpessoal entre os gregos: existia um respeito mútuo entre os cidadãos gregos, que se enxergavam como iguais; mas um cidadão grego não tratava seus filhos, sua esposa e seus escravos como iguais.

Existia, assim, um equilíbrio de poder entre cidadãos; mas um desequilíbrio de poder em uma família.

Pensando dessa forma, identificamos na família Roy, da série Succession, um sério problema de respeito e poder:

Logan não consegue enxergar seu filho Kendall como um empresário tal como ele o é. Logan olha para Kendall e vê um filho, alguém subordinado a ele.

Isso impede Logan de confiar no trabalho desenvolvido por Kendall porque Kendall nunca possuirá o respeito necessário de Logan para tomar uma decisão estratégica na empresa.

Da mesma forma, Kendall nunca consegue agir por conta própria, usando da sua estratégia pessoal para conduzir a empresa. Ele sempre tem medo de agradar ao pai e isso o atrapalha a se posicionar nos negócios.

Reflexão sobre Succession: As Diferenças entre o Agir na Família e o Agir nos Negócios

O filósofo Jürgen Habermas, ao analisar a sociedade contemporânea, percebeu que existem duas formas de agir do ser humano: a instrumental e a comunicativa.

O agir instrumental é aquele que é feito de uma forma totalmente racional com vistas a uma finalidade, uma meta, um objetivo específico. No mundo dos negócios, é esse o tipo de agir que deve existir porque todos estão buscando um objetivo que é o lucro, o crescimento, a vitória sobre a concorrência. Nesse tipo de agir, existe hierarquias e regras rígidas a serem seguidas para garantir o sucesso do empreendimento.

Por outro lado, existe o agir comunicativo, o qual é aquele que é feito de forma sentimental com vistas a um consenso, um respeito mútuo, respeitando-se valores morais. Nas relações familiares, é esse o tipo de agir que deve existir porque a família não tem outro objetivo a não ser a felicidade de todos os seus membros. Dessa forma, todos os membros devem colaborar para, juntos, resolverem os problemas que surgem. Aqui, não deveria existir hierarquia porque não tem alguém que é melhor ou pior que ninguém; todos possuem a mesma responsabilidade.

Na série Succession, percebemos que a falta de limites entre pai e filho / dono da empresa e presidente da empresa atrapalha tanto o crescimento da empresa quanto a relação familiar dos dois. A todo momento, uma decisão empresarial é vista como um problema familiar, e um problema familiar é visto como uma estratégia empresarial. Chega um momento que já não se sabe se a conversa é sobre a vida pessoal deles ou uma disputa de negócios.

Novamente, percebemos o problema da dificuldade em separar os laços familiares das responsabilidades profissionais.

Reflexão sobre Succession: O Problema do “Faço Tudo pela Minha Família”

Durante a série, vemos que existem dois Logan Roy: aquele que age por trás das câmeras e a pessoa pública. A empresa dele se estrutura no discurso da empresa familiar e ele precisa, a todo momento, reforçar que suas ações são para o bem da sua família e que os problemas que ocorrem na empresa não afetam a sua vida pessoal e vice-versa. 

Entretanto, nós, telespectadores que vemos tudo acontecendo, sabemos que Logan não é tão bonzinho quanto parece. Por várias vezes ele tomará atitudes que causarão dor e sofrimento para os seus filhos.

Curiosamente, Logan não perde a oportunidade de dizer o quanto se esforçou para dar tudo aos seus filhos e o quanto eles são ingratos por não retribuírem. Isso me fez refletir se realmente Logan age em prol dos filhos ou se ele age em prol de si mesmo.

Minha esposa diz que quando alguém dá um presente para alguém, a pessoa que recebe o presente pode fazer o que quiser com ele. Dar um presente querendo que o outro goste, use, exponha, guarde não é de fato um presente. Claro que aquele que dá o presente cria uma expectativa, mas exigir que o outro cumpra a expectativa vai na contramão da proposta de presentear alguém.

É isso que eu observo na atitude de Logan Roy: ele não faz as coisas porque realmente se importa com a família, ele faz as coisas para se sentir bem. E, por isso, fica revoltado quando a sua família não age conforme ele esperava.

No fim, Logan é um egoísta. Ele não construiu nada para a família, mas para si mesmo. Ele não quer necessariamente o sucesso dos filhos naquilo que os filhos querem ser, ele quer que os filhos sejam mais um dos seus sucessos pessoais.

A impressão que tenho é que Logan tem inveja dos próprios filhos. Enquanto ele teve que lutar para conquistar tudo, seus filhos só herdaram os louros do negócio. Logan queria ter tido uma vida como seus filhos agora tem. Como não dá para mudar o passado, ele faz questão de criar dificuldades para que seus filhos reconheçam isso.

Reflexão sobre Succession: Conclusão

Negócios familiares sempre foram e sempre serão um problema porque, como pudemos ver nesse artigo, é muito difícil (quase impossível) saber separar a hora de tratar o outro como parente ou como um parceiro de negócios. Nós, seres humanos, que somos feitos de razão e emoção, não conseguimos “ligar e desligar essa chavezinha” e acabamos misturando tudo. O sucesso de um negócio familiar vai depender da capacidade de cada um dos atuantes saber a hora de agir como uma ou outra pessoa. Quem conseguir, terá muito sucesso. Quem não conseguir, vai acabar fracassando em algum dos lados, senão nos dois.

Reflexão sobre Succession: Aprofundando o Assunto

Quem não viu ainda ou quer rever a série Succession, ela está disponível na HBO.

Para aprender mais sobre o conceito de agir comunicativo de Habermas:

Teoria do agir comunicativo – vol. 1: Racionalidade da ação e racionalização social (Jürgen Habermas)

Teoria do agir comunicativo – vol. 2: Sobre a crítica da razão funcionalista (Jürgen Habermas)

Teoria do agir comunicativo – caixa contendo 2 volumes (Jürgen Habermas)

E aí? O que achou desse artigo e da série? Deixa sua opinião nos comentários! Conhece algum fã de Succession ou que tem um empresa familiar? Compartilha esse artigo com ele! Quer sugerir algum conteúdo para uma reflexão nerd? Entra em contato comigo!

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Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.