Reflexão sobre Pinóquio (2022): Ética, Educação e Compaixão

Reflexão sobre Pinóquio (2022): Ética, Educação e Compaixão

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o filme live action Pinóquio. Nesse remake, vemos um boneco de madeira ganhando vida e querendo se tornar um menino de verdade. Na reflexão, abordarei vários temas levantados pelo filme: consciência moral, papel da educação na formação da criança e compaixão dos pais com os filhos. Atenção que teremos spoilers do filme! Vamos lá!

Sobre Pinóquio (COM Spoilers)

Pinóquio é um remake live action da animação clássica da própria Disney. O filme foi lançado em 2022 diretamente para o Disney+.

Gepeto (Tom Hanks) é um artesão que cria uma marionete de madeira para recordar de seu falecido filho. Ele o batiza de Pinóquio porque utilizou a madeira pinho-branco na sua confecção.

Certa noite, Gepeto vê uma estrela cadente e faz um desejo. Ao adormecer, a Fada Azul aparece e dá vida ao boneco de madeira, dizendo que ele poderá se tornar um “menino de verdade” se cumprir uma provação: tornar-se corajoso, verdadeiro e generoso. Para isso, Pinóquio precisa aprender a escolher entre o certo e o errado, tendo o Grilo Falante como consciência moral.

Gepeto fica muito contente e cuida de Pinóquio como um filho, até que decide mandá-lo para a escola como uma criança normal. Pinóquio vai para a escola, mas encontra no caminho dois golpistas os quais convencem o menino de que daria mais orgulho ao pai se fosse famoso. Por isso, Pinóquio decide se juntar a grupo de teatro de marionetes. O que ele não esperava é que seria sequestrado pelo dono do teatro.

Conseguindo fugir, Pinóquio acaba sendo convencido a ir até a Ilha dos Prazeres, um local em que as crianças poderiam fazer qualquer coisa sem julgamento moral. Pinóquio faz amizade com um garoto, mas percebe que algo está errado quando seu amigo se transforma em um burro! O garoto de madeira consegue sair da ilha e voltar para casa, mas descobre que seu pai não está mais lá.

Pinóquio é avisado que Gepeto comprou um barco para ir até a Ilha dos Prazeres resgatar o filho. Pinóquio decide ir ao encontro ao encontro do pai. Pai e filho se reencontram em alto-mar e acabam sendo engolidos vivos por um mostro marinho.

Agindo com astúcia, Pinóquio cria fogo dentro do estômago do monstro, fazendo com que a criatura expelisse tudo o que estava em seu interior. Depois, ainda utiliza seus pés de madeira como um potente motor de barco para chegar em terra firme e escapar de vez.

Sãos e salvos, Gepeto diz que Pinóquio não precisa se tornar um “menino de verdade” – no sentido de ser de carne e osso – porque ele já é um menino de verdade por ser capaz de agir com coragem, verdade e generosidade.

Melhor do que ler, é ver essa história. Por isso, assista: Pinóquio na Disney+.

Reflexão sobre Pinóquio: Consciência Moral, Heteronomia e Autonomia

Um dos primeiros temas tratados no filme Pinóquio é a Consciência Moral.

A Fada Azul diz que Pinóquio precisa usar da sua consciência para distinguir o certo do errado. Nisso, Pinóquio se questiona quem é sua consciência e, em um diálogo entre Pinóquio, o Grilo Falante e a Fada Azul, decide-se que o grilo servirá de consciência para Pinóquio até que o boneco seja capaz de tomar decisões por conta própria.

Na Ética, chamamos essa “vozinha interior”, que nos ajuda a tomar decisões sobre certo e errado, de Consciência Moral. É ela que nos servirá de guia sobre nossas decisões éticas. Porém, essa consciência não nasce pronta, ela é moldada ao longo de nossa vida.

Em um primeiro momento, temos a chamada Heteronomia Moral, em que interiorizamos as regras e padrões do grupo com o qual convivemos. No filme, esse é o momento em que o Grilo Falante ensina a Pinóquio o que deveria ser o certo e o errado. É o momento inicial da nossa formação moral, normalmente quando ainda somos crianças, em que nossos pais, responsáveis e/ou professores vão nos ensinando como nos comportar naquela sociedade em que vivemos. O que podemos ou não fazer, o que é certo ou não fazer.  Nesse primeiro momento, nós aprendemos essas regras de comportamento e as imitamos, tomando-as como inquestionáveis e vivenciamo-las como fixas, ao estilo “é assim que as coisas são”. Nós simplesmente reproduzimos aquilo que nos é passado sem refletirmos sobre os porquês de aquilo ser da forma que é.

Depois, surge um segundo momento que chamamos de Autonomia Moral. Nessa hora, nós autodeterminamos nossas ações por princípios racionais justificados. Basicamente, é o momento em que começamos a questionar algumas normas e regras que nos eram impostas. Começamos a perguntar porque devemos agir de uma certa forma e não podermos agir de outro jeito. Questionamos os conceitos que nos foram ensinados de certo e errado. A partir desse momento, começamos a pensar por conta própria, refletindo sobre aquilo que nós de fato entendemos ser o certo e errado para nós.

Para deixar claro, a Autonomia Moral não é uma negação da Heteronomia Moral, no sentido em que agora temos que fazer tudo ao contrário. Na verdade, o segundo momento é uma espécie de refinamento do primeiro momento. Como se no começo nós tivéssemos recebido uma moral bruta e agora nós fizemos uma lapidação desse moral, colocando-a do jeito que nós gostamos / concordamos. A autonomia moral pode ratificar ou retificar aquilo que aprendemos como certo e errado antes porque agora somos capazes de pensar sozinhos e tomarmos nossas próprias decisões.

Esse momento começa na adolescência e, por isso, o adolescente é considerado um rebelde. Isso ocorre porque ele começa a questionar os valores que aprendeu da família e da sociedade, especialmente porque seu círculo de amizade e visão de mundo se expande consideravelmente e ele descobre uma imensidade de pessoas que pensam e vivem de forma diferente da dele e são tão felizes ou até mais felizes do que ele.

O problema é que os adultos esquecem que também foram assim e criticam os adolescentes. Porém, esse processo é normal e, na maioria das vezes, o jovem acaba compreendendo que os valores que recebeu de fato são os melhores, são aqueles em que ele mais acredita. Acontece que o jovem precisa desse momento de enfrentamento, de teste, de experimentação do outro lado, para saber de fato em que acreditar. E, caso ele mude, a culpa normalmente não é da “sociedade imoral”, e sim dos maus exemplos que esse jovem teve em casa…

Reflexão sobre Pinóquio: Estudar para que?

Depois que Pinóquio já tinha convivido um bom tempo com Gepeto, este achou que era hora de seu filho ir para a escola como qualquer criança “normal”. Contudo, no caminho para a escola, Pinóquio é parado por dois trambiqueiros que tentam convencer o menino de madeira a não ir para escola e sim ir para um show de marionetes se tornar famoso.

Com certeza o roteiro do filme quis fazer uma crítica às pessoas, especialmente às crianças e aos jovens, que estão abandonando a escola para investir seu tempo na busca pela fama virtual porque em certo momento é usado inclusive o termo influencer. Considerando que esse é um filme americano feito com a intenção de chegar em todo o mundo (como é de praxe nos filmes de animação da Disney), podemos deduzir que esse é um problema que está afetando muitos países globalizados.

Aqui no Brasil, se antes o sonho das meninas era se tornar modelo e dos meninos era ser jogador de futebol, agora ambos buscam ser famosos, “ser alguém” no mundo virtual, através das redes sociais. De fato, alguns estão conseguindo isso, talvez até em uma quantidade maior do que antigamente já que o alcance da Internet é grande e os nichos existentes são os mais variados. Porém, não são todos e existe muito risco em abandonar tudo para seguir esse caminho.

Se a fama e o sucesso já eram considerados passageiros no passado, quando as carreiras dos famosos duravam alguns anos; imagine agora, quando você pode “estourar” com um vídeo, ficar famoso por alguns dias e depois sumir novamente quando outro meme viralizar na Internet? Isso, claro, considerando que você irá “estourar” algum dia porque isso pode nunca acontecer…

Não estou aqui sendo o paladino do ensino tradicional e das profissões tradicionais. Longe disso, defendo sim o investimento nas novas profissões e tenho severas críticas ao ensino tradicional; mas é inegável que eles ainda tragam uma certa segurança em nossa sociedade. Dessa forma, é preciso sim seguir minimamente por esse caminho, especialmente quando falamos de crianças e jovens, que ainda estão aprendendo a lidar com o futuro e entendendo o que é preciso para se sustentar ao longo da vida.

Os pais têm um papel fundamental nisso tudo, que é acompanhar seus filhos nessa jornada de descobertas e possibilidades, dando sim oportunidades para eles tentarem uma carreira virtual, mas mostrando-lhes que existe um caminho tradicional a se seguir que pode e deve ser percorrido para se ter um mínimo de estabilidade e ordem.

Nessa formação segura, é inquestionável a educação básica, que no Brasil compreende-se até o Ensino Médio. É inadmissível permitir que alguém abandone a escola sem concluir essa etapa da formação por mais “inútil” que se possa considerar os conhecimentos adquiridos aqui. Ter esse diploma é o mínimo para ter uma formação e cultura mínima para se pleitear um emprego que dê uma certa segurança social. Além disso, mesmo os conteúdos podendo ser desinteressantes, o contato com os professores e com outros colegas abre imensas portas para as relações sociais do indivíduo.

Dessa forma, aceito que alguém decida não fazer faculdade e tente uma vida de empreendedor, influenciador, atleta ou ator, mas não consigo aceitar alguém que não queira terminar o ensino médio. Sei que muitos podem ter abandonado os estudos por outros motivos, como ter que trabalhar para ajudar em casa, mas não acho válido abandonar os estudos para tentar uma carreira “do momento” só porque acha que pode dar certo.

Reflexão sobre Pinóquio: Eu Te Aceito como Você é!

Acredito que a grande mudança da animação clássica para essa versão live action do filme Pinóquio seja um final em que o boneco de madeira não vira um menino de carne e osso. E eu gostei muito disso pela forma como a história defendeu essa decisão.

O filme nos mostra que as principais decisões tomadas por Pinóquio foram tomadas porque o filho queria dar orgulho ao pai. Porém, por um erro de julgamento, essas decisões não foram as melhores e nem eram caminhos que o próprio pai queria do filho.

Ao final de toda a confusão e aventura, Gepeto deixa claro que ele até poderia ter querido um menino de carne e osso, mas que ele estava feliz e satisfeito com um menino de madeira. Em outras palavras, o pai disse ao filho que é feliz com o filho que tem e o aceita do jeito que é.

Como professor, ouço muitos alunos que sofrem de ansiedade por acharem que não estão correspondendo aos anseios e investimentos de seus pais. Muitos lamentam comigo não serem tão inteligentes quanto seus pais queriam, não gostar de uma profissão escolhida pelos pais, não querer um futuro tal como seus pais planejaram para eles. Ou seja, essas crianças só queriam dar orgulho aos seus pais, mas sentem que fracassaram nisso.

O que é mais triste é descobrir que muitos pais são sabem ou não percebem isso. Estão cobrando direta ou indiretamente achando que estão sendo os melhores pais do mundo enquanto seus filhos estão adoecendo!

Sei que é algo muito difícil, mas os pais precisam parar de projetar nos filhos aquilo que não foram. Os pais têm o dever de querer o melhor para seus filhos, mas precisam entender que essa decisão é do filho e não deles!

Os pais precisam aceitar seus filhos como são e nada mais.

Conclusão

Pinóquio tem sido muito criticado pelos analistas de cinema, mas eu gostei muito do filme. Como alguém que olha mais para a proposta reflexiva de uma obra e para a forma como ela propõe isso dentro da sua estética, eu fiquei muito satisfeito. Os temas levantados em Pinóquio, que são até muitos mais do que esses que desenvolvi nessa reflexão, são muito pertinentes para as famílias contemporâneas. Que pais e filhos possam ver esse filme juntos e o aproveitarem para conversar e se entenderem como família que se ama e se apoia.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.