Reflexão sobre Parasita: A Estética da Humilhação

Reflexão sobre Parasita: A Estética da Humilhação

Reflexão sobre Parasita: A Estética da Humilhação

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre o filme Parasita, ganhador do Oscar 2020 de melhor filme. Vamos falar um pouco do enredo e explorar algumas cenas e elementos estéticos usados no filme para nos contar uma história que é, ao mesmo tempo, inacreditável e crível (ou seja, impossível de ser real ao mesmo tempo que poderia ter acontecido). As críticas e comentários sobre esse filme geralmente exploram a questão da mobilidade social, mas eu quero focar no aspecto da humilhação. Veremos também como esse filme explora os elementos primordiais (ar, água, terra e fogo) como recurso para contar sua história. Teremos muitos spoilers do filme, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Parasita

Parasita é um filme sul-coreano do diretor Bong Joon-ho. Ele conta a história da família Kim, uma família de desempregados que vive na pobreza, morando em um porão. Tudo começa a mudar quando o filho da família consegue emprego como tutor da filha de um casal de novos ricos. Ele se aproveita da ingenuidade dos patrões para introduzir, um a um, seus familiares como funcionários da casa.

Reflexão sobre Parasita: Entendendo o Termo “Parasita” no Filme

O termo “parasita” aparece como uma ambiguidade no filme. Durante o primeiro ato, vemos a família Kim se infiltrando na família Park. O filho começa como tutor da filha Park, por indicação de um amigo (ele é muito inteligente, mas para conseguir a vaga, ele se passa como universitário, falsificando uma declaração da universidade). Depois, ele convence a senhora Park (Cho Yeo-jeong) a contratar uma professora de artes para aprimorar as habilidades artísticas do filho dos Park; sendo que essa professora na verdade é a filha dos Kim (ela tem um dom para as artes, mas mente dizendo que tem formação em belas artes e arte-terapia). Já contratada, a filha provoca a demissão do motorista dos Parks, para convencê-los a contratar o chefe da família Kim (que se passa por motorista profissional). Por fim, eles conseguem demitir a governanta e empregar a mãe Kim (que não tinha nenhuma habilidade anterior nessa área).

No primeiro momento, achamos que somente os Kim são inescrupulosos e sentimos pena do motorista e da governanta. Depois, descobrimos que a governanta estava escondendo o seu marido na casa dos Park, em um bunker. Primeiro, ela se apresenta toda humilde aos “funcionários” dos Parks, pedindo apoio e auxílio para manter o seu segredo. Mas depois que ela descobre a farsa dos Kim, ela se aproveita disso para tentar subjugá-los.

Por fim, no momento final da trama, descobrimos que os Parks também não são bonzinhos. Descobrimos que eles respeitam os seus empregados até um certo limite, que fora da presença deles, os patrões falam muito mal dos funcionários. E, quando a situação é o conforto dos patrões ou a vida dos empregados, a prioridade é o conforto dos patrões.

Dessa forma, descobrimos que todos em uma sociedade são parasitas e hospedeiros. Um tentando ser mais experto do que o outro. Um sugando o máximo que é possível do outro. E ambos, no final, sucumbindo, porque ninguém acaba sobrevivendo. Se não sucumbindo, pelo menos não saindo ileso dessa relação.

Reflexão sobre Parasita: O Cheiro da Pobreza (Elemento AR)

Depois que a família Kim já estava toda instalada na casa dos Parks, o menino Park Da-song (Jung Hyun-joon) diz que todos os quatro funcionários da casa têm o mesmo cheiro. Isso coloca os Kim em pânico, como se isso pudesse desmascará-los. Eles, inclusive, tentam mudar de sabão em pó e sabonete para tentar criar cheiros diferentes para eles.

A questão é que, a partir desse momento, o Sr. Park (Lee Sun-kyun) começa a comentar com sua esposa que sente um cheiro ruim vindo de Kim Ki-taek (o pai da família, que trabalha como motorista). É interessante que apenas reclamam do cheiro dele. Se pararmos para pensar em cada uma das profissões dos Kim, a de motorista é a mais simples, a que menos exige formação e é a menos prestigiosa. Isso apresenta um preconceito. Também podemos dizer que ele tem o cheiro mais forte porque é o mais velho, aquele que vive a mais tempo naquela condição de pobreza, que passou mais tempo naquela classe social.

O que os Parks não sabiam é que Ki-taek constantemente ouvia os comentários e percebia as atitudes de nojo vindas dos patrões. A gota d’água foi no final, quando Park sentiu nojo do fedor de Geun-sae (Park Myung-hoon), o marido da governanta, que ficava no bunker. Geun-sae amava o Sr. Park, vendo-o como um exemplo. Mas quando se conheceram, mesmo sendo uma situação inusitada, Park não escondeu a repulsa ao cheiro de Geun-sae. Isso deixou Ki-taek irado e o fez perder a cabeça.

Vemos, assim, a humilhação advinda pelo elemento ar. O cheiro como forma de propagação de uma repulsa ao pobre. Ao mesmo tempo que serve como forma de categorização.

Reflexão sobre Parasita: A Destruição da Chuva (Elemento ÁGUA)

Durante o filme, cai um temporal terrível. Enquanto que na casa dos Parks, é só uma chuva lá fora. Para os Kim, é um pesadelo. A cena em questão é belíssima apesar de trágica. Vemos os Kim descendo correndo da casa dos patrões até a sua casa no porão. São minutos intermináveis de descidas. Entre ladeiras e escadas, vamos vendo quanto mais baixo a cidade vai ficando, pior o cenário vai se tornando, mostrando a humilhação do subdesenvolvimento.

Para piorar, quando os Kim chegam na região em que moram, o bairro está debaixo d’água. Sua casa foi inundada. Eles perderam tudo. Curiosamente, nessa casa de porão, o vaso sanitário fica em uma elevação, e eles ficam sentados sobre o vaso para fugirem da água que alaga tudo. Ao mesmo tempo, o vaso fica cuspindo um líquido negro, um chorume.

Se lembrarmos do Brasil, vemos o quanto as chuvas revelam as mazelas da nossa sociedade. A cada temporal, um novo caso de deslizamento, desabamentos, alagamentos, e inúmeras famílias pobres desabrigadas ou perdendo parte dos seus patrimônios. Se a chuva é um evento bonito para quem mora bem, para quem mora mal é um desastre.

Reflexão sobre Parasita: A Pedra da Riqueza (Elemento TERRA)

No começo do filme, a família Kim ganha uma pedra de Min-hyuk (Park Seo-joon) que supostamente atraia sorte. E, incrivelmente, após essa pedra chegar na casa dos Kim, as coisas melhoraram. Mesmo eles usando de malandragem para conseguir seus empregos, suas vidas estavam cada vez melhores. Tudo ia bem até, como era de se esperar, começou a dar errado.

Quando a casa dos Kim alagou, os familiares começaram a tentar salvar o que era importante. O filho Kim Ki-woo (Choi Woo-shik) priorizou a pedra. Para ele, aquela pedra tinha lhe dado tudo o que ele sempre sonhava e ele não perderia ela por nada, assim como ele não abriria mão daquilo que tinha “conquistado”.

Enquanto estava no abrigo temporário, ele dormia agarrado na pedra da sorte. Seu pai, vendo aquilo, disse que o filho não podia encarar a vida como se fosse uma pedra, imóvel, fixa. Que eles deveriam encarar a vida como fluidez, aproveitando tudo o que ela estava proporcionando no momento e lidar bem com as mudanças. A pedra traz estabilidade e o filho não queria mudar. O pai, mais maduro e experiente, já tinha aprendido que na vida não existe estabilidade.

Na sua luta pela permanência das coisas, o filho leva a pedra para o bunker, para matar a ex-governanta e seu marido, as únicas pessoas que poderiam estragar seus planos, mas tudo sai errado e a pedra é usada para lhe golpear a cabeça, lhe deixando com uma sequela cerebral…

Depois dos desdobramentos da ação final, já no finalzinho do filme, Kim Ki-woo abandona a pedra, colocando-a em um córrego. Parece que ele aceitou as palavras de seu pai e entendeu que não podia lutar contra o destino, aceitando humilhar-se diante dessa força.

Reflexão sobre Parasita: As luzes da Escada (Elemento Fogo)

Eu sei que não é exatamente fogo, mas se considerarmos que o fogo serve de iluminação para as coisas, as luzes hoje cumprem esse papel. 

Na casa dos Parks, existiam luzes que ficavam em cima da escada de entrada. Geun-sae, o marido da antiga governanta, que morava no bunker, aprendeu código morse e ficava enviando mensagens cifradas através de um mecanismo que acendia e apagava essas lâmpadas. As mensagens eram de agradecimento, admiração e respeito ao Sr. Park, por tudo o que ele era e representava na vida de Geun-sae, por ter lhe dado um teto e comida, mesmo sem saber.

Quando questionado sobre o porquê de fazer isso, já que o Sr. Park nunca entenderia a mensagem e também nem tinha autorizado a entrada do inquilino, Geun-sae disse que era uma obrigação. Independentemente de tudo, ele tinha que ser grato e precisava demostrar essa gratidão de alguma forma.

Vemos, nesse caso, uma humilhação. É a representação de alguém que não tem nada se humilhando pelas migalhas que ganha. Isso é semelhante aos pobres que agradecem um político que fez alguma coisa por eles, sendo que essa é a obrigação do político, e o dinheiro usado foi público, vindo de impostos. É o caso de alguém que agradece um apresentador de programa pela ajuda que recebeu, sendo que na verdade aquela ajuda veio na forma de patrocínio de outras empresas, e aquela história só foi contada porque dava audiência.

Teve uma vez que eu participei de um programa de TV, para concorrer com outras pessoas a um prêmio. Lá, eles chamavam a todos nós de personagens. Ou seja, não estavam interessados na nossa pessoa, mas sim na história que podiam contar de nós. Só ficou na edição aquilo que interessou a eles.

Voltando ao filme, quando Geun-sae saiu do bunker e pôde encontrar pessoalmente o Sr. Park, a primeira coisa que falou foi um agradecimento. Geun-sae estava ferido, precisando de cuidados médicos urgentes. Mas ele não pediu ajuda, ele agradeceu. E o que o Sr. Park fez foi ignorá-lo, jogando-o para o lado para pegar as chaves do carro.

Conclusão

Se Parasita é o melhor filme de 2019, é uma opinião muito pessoal. Entretanto, é fato que é um excelente filme, que se utiliza muito mais de elementos visuais do que de falas para contar uma história e passar uma mensagem. São diversas as interpretações possíveis do filme e essa foi a minha contribuição. Espero que gostem.

E aí? Gostou do filme? Deixa nos comentários suas opiniões sobre ele! Gostou dessa reflexão? Compartilha esse artigo! Quer sugerir outros temas para reflexão? Entra em contato comigo.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.