Reflexão sobre Entre Facas e Segredos: Família, Dependência Financeira e Herança

Reflexão sobre Entre Facas e Segredos: Família, Dependência Financeira e Herança

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o filme Entre Facas e Segredos. Esse é um filme de suspense policial com uma pitada de comédia. A trama gira em torno de um patriarca milionário que morre e um detetive particular que tenta provar que foi um assassinato e não um suicídio. Na busca pelas prováveis motivações dos suspeitos, descobrimos uma conflituosa relação de dependência financeira dos parentes com o falecido e um interessante dilema sobre herança. Esse artigo terá spoilers do final do filme, então já sabem que se lerem, descobrirão quem é o assassino. Vamos lá!

Sobre Entre Facas e Segredos (com SPOILERS)

Entre Facas e Segredos é um filme de 2019 de suspense policial com uma pitada de comédia. Podemos ver inspiração nos livros de Agatha Christie e nos filmes de Alfred Hitchcock. Ele concorreu ao Oscar 2020 de melhor roteiro original e pode ser assistido do Amazon Prime Video.

Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é um bem sucedido autor de romances policiais. Possui uma considerável fortuna e já está idoso, com 85 anos.

No dia do seu aniversário, ele reúne a família para uma festa. Nela, decide confrontar filho, genro, nora e neto dizendo-lhes algumas verdades duras de serem aceitas. Naquela mesma noite, ele supostamente comete suicídio.

Durante a investigação policial, descobrimos que o detetive particular Benoit Blanc (Daniel Craig) foi anonimamente contratado, deixando a entender que não foi um suicídio, mas um assassinato. Partindo desse pressuposto, ele começa a interrogar e a investigar todos os que estavam na festa, incluindo a enfermeira particular Marta Cabrera (Ana de Armas) que possui uma peculiaridade interessante: ela vomita quando mente!

Através de uma lembrança de Marta, descobrimos que Harlam morreu por causa dela, que injetou acidentalmente uma dose letal de morfina no patrão. Sabendo que Marta não fez de propósito, Harlan usou da sua engenhosidade para tramas de assassinato para criar um álibi para Marta e fazer com que tudo parece um suicídio.

Enquanto Benoit Blanc investiga, Marta tenta esconder possíveis provas do seu envolvimento. Mas tudo se complica quando o testamento do velho é lido e descobre-se que ele deixou tudo para Marta. Agora, ela se tornou uma suspeita em potencial. Para piorar, alguém sabe a verdade e começa a chantageá-la.

Não aguentando mais a pressão, ela decide contar toda a verdade para o detetive e aceitar sua condenação. Mas o inesperado acontece: Benoit explica que as coisas não foram tão simples quanto pareciam, que na verdade ela não havia injetado morfina em Harlam porque Ransom (Chris Evans) já havia trocado os líquidos do frasco. Ou seja, ao trocar os frascos na hora da aplicação, na verdade Marta estava aplicando o remédio certo.

Sendo assim, Harlan teria vivido se aceitasse ir para o hospital em vez de criar o plano mirabolante. No final, acabou que Harlam realmente cometeu suicídio.

Reflexão sobre Entre Facas e Segredos: Relações de Dependência Financeira

Harlan Thrombey começou seu patrimônio e seu legado do nada (segundo ele). No filme, é dito que ele começou tudo com uma velha máquina de escrever.

Diferentemente do patriarca, os demais herdeiros sempre foram ajudados: a filha recebeu uma ajuda financeira para começar seu negócio próprio; o filho ficou responsável por cuidar da editora de livros do pai; a nora (viúva de outro filho de Harlan) vive às custas da mesada que recebe do sogro; o neto mais velho parece ser um boêmio, sem nenhuma formação ou emprego; e a neta faz um curso superior abstrato, ligado às artes, custeado pelo avô.

Harlan se cansa disso e resolve por um fim nessa dependência financeira. Segundo o velho, ele cometeu um erro terrível porque tirou dos membros da sua família a vontade de lutar por si próprios para construir suas vidas, suas carreiras, seus legados. Mesmo que tardia, a solução encontrada pelo patriarca foi cortar os vínculos de uma vez, de forma abrupta. Aproveitou a festa de aniversário, em que estariam todos reunidos, para fazer isso.

Com isso posto, podemos refletir que em muitas famílias existe um sério problema de dependência financeira. É muito comum vermos núcleos familiares em que o principal provedor é um avô ou avó. Isso ocorre tanto em famílias ricas, como em famílias pobres. A questão é: isso é uma fatalidade do destino ou uma consequência da forma como os descendentes foram criados.

No nosso filme, Harlan acreditava que a culpa era da ajuda financeira que ele deu ao longo dos anos. Que ele de certa forma mimou seus descendentes, facilitando suas vidas. Ele podia até ter tido boas intenções, mas acreditou, no final, que criou parasitas / sanguessugas. Decidiu assim, como já falei antes, cortar de uma vez a fonte e dar um choque de realidade nos seus herdeiros.

Considero plausível a decisão tomada, mas questionável as conclusões tiradas. Concordo que a interrupção de financiamento é uma medida correta a ser tomada. Mas discordo que a culpa é da ajuda em si. Pode ser que, nessa família, os herdeiros ficaram mal acostumados. Mas isso não pode ser tomado como um padrão. Diversos são os casos reais em que os primeiros apoiadores dos negócios dos filhos são os próprios pais, e esse incentivo é o que precisava para surgir uma carreira de sucesso ou um determinado empreendimento decolar.

O problema não é o dinheiro, mas como lidar com ele. Se houve erro, foi na forma como Harlan criou seus filhos e netos. Ele poderia ter dado dinheiro e seus herdeiros fizessem bom uso dele e fossem independentes. Assim como ele poderia não dar nada e eles serem dependentes (no sentido de não conseguirem sozinhos alcançarem uma estabilidade financeira).

Podemos dizer que Harlan culpa o dinheiro para esconder a própria culpa. No filme, a relação entre a família e o patriarca não parece afetuosa. De quem será a culpa? Não conhecemos o passado da família e Harlan poderia ter sido um pai ausente, um pai que estava tão preocupado com sua vida literária que não soube dar atenção aos filhos. Isso pode parecer estranho se pensarmos na relação afetuosa de Harlan e Marta, mas essa relação é recente. Surgiu quando ele já era velho e sozinho.

Ele pode ter mudado tarde demais e nem percebeu que a culpa não estava em dar o dinheiro, mas em não ter dado carinho.

Reflexão sobre Entre Facas e Segredos: Herança e Família

Também tinha a questão da herança, que ele já havia passado para o nome de Marta. Ele não fez questão de esconder o fato, já que contou para Ransom. Entretanto, não era algo que ele pretendia sair divulgando (já que os demais não sabiam).

Vale a pena aproveitar essa deixa para dizer que a forma como é tratada a herança nos EUA e no Brasil é muito diferente. Como esse e muitos filmes mostram, o dono do patrimônio pode deixar todos os seus bens e direitos para um terceiro, alguém que não faz parte da família. Já no Brasil, obrigatoriamente, metade da herança deve ir para a família (herdeiros legítimos). Já a outra metade pode ser deixada para outra pessoa ou para a sociedade, através de testamento.

Essa diferença diz muito de como a sociedade americana e a brasileira enxerga o papel da família na vida de uma pessoa. Enquanto que vemos muito nos EUA a teoria do self made man, do indivíduo que vence e conquista tudo por si mesmo totalmente independente, no Brasil vemos que a família ainda é o núcleo social, do qual o indivíduo permanece dependente dos seus laços familiares.

Se observarmos os produtos culturais americanos (livros, séries, filmes), a tradição é do filho sair de casa para fazer faculdade, quanto mais longe melhor. Depois disso, ele costuma levar uma vida independente, longe dos pais. São muitas as obras que mostram a visita dos pais ou aos pais somente em datas especiais (como feriados) ou acontecimentos especiais (como casamento). Esse distanciamento na vida adulta acaba escondendo a íntima relação que houve na fase adolescente do filho e que o influenciou, inclusive financeiramente, se pensarmos, por exemplo, nos gastos com esportes para ajudar o filho a ganhar uma bolsa ou na poupança para ajudar a pagar a faculdade.

Vemos, assim, que o filho foi muito dependente dos pais. Se, quando mais velho, conseguiu sua independência, é porque teve apoio antes. Logo, o problema não está no dinheiro, mas na criação ou na própria personalidade do filho.

Já no Brasil, o apego familiar é muito grande. Existe uma predileção por fazer faculdades perto de casa. Normalmente, os filhos só saem de casa para casar. Esse vinculo afetivo continua existindo ao longo da vida adulta. Os encontros são muito mais frequentes. Às vezes, os filhos moram nos mesmos bairros dos pais.

Nos EUA, a herança é de quem o dono do patrimônio quiser. No Brasil, a herança é um direito dos herdeiros legítimos (filhos, descendentes, ascendentes ou cônjuge). O legados dos pais deve permanecer na família (pelo menos, uma parte). O Brasil herdou essa noção do direito português, que provavelmente foi inspirando na religião católica, que é uma instituição que defende a manutenção da família.

A forma como as leis de cada país pensam a herança reflete a forma como cada sociedade pensa o papel da família. No Brasil, podemos dizer que a família será sempre indissociável do indivíduo, enquanto nos EUA o indivíduo pode ser entendido como um ser sem família.

Conclusão

Que possamos, à luz dessas questões trazidas nessa reflexão sobre Entre Facas e Segredos, pensar no papel da nossa família em nossas vidas, se somos seres independentes ou dependentes de nossas famílias. Mesmo que, nessa reflexão, a questão gire em torno do dinheiro, isso não anula o fato de pensarmos até onde podemos ser quem somos sem a influência e o apoio familiar. Esse choque entre trazer próximo ao mesmo tempo em que quer ver uma autonomia fez a família Thrombey (sobrenome da família do filme) viver um drama fatal, que poderia ser evitado se houvesse mais diálogo e menos “dedo na cara” dos culpados.

E aí? O que achou dessa reflexão sobre Entre Facas e Segredos? Deixa nos comentários! Conhece algum fã de Entre Facas e Segredos ou alguém que se interessa pelo tema da reflexão? Compartilha esse artigo com essa pessoa! Quer sugerir temas para o blog? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.