Reflexão sobre Andor: Rebeldia, Disciplina Prisional e Visão de Mundo

Reflexão sobre Andor: Rebeldia, Disciplina Prisional e Visão de Mundo

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série Andor. Nessa série dentro do universo Star Wars, descobrimos como Cassian Andor se torna, sem querer, um membro da rebelião. Na reflexão, falarei dos motivos que levam alguém a se rebelar contra o sistema, como as prisões (e outras instituições) conseguem controlar as pessoas através da vigilância e disciplina, e como a ideologia vista como visão de mundo permite que pessoas em diferentes posições sociais conseguem enxergar um mesmo problema de formas muito diferentes. Teremos spoilers da série! Vamos lá!

Sobre Andor (COM Spoilers)

Andor é uma série de ficção científica, ação e aventura que se passa dentro do universo Star Wars. Ela ocorre 5 anos antes do filme Rogue One: Uma História Star Wars (o qual, por sua vez, ocorre um pouco antes do Episódio IV – Uma Nova Esperança). A série Andor estreou em 2022 no streaming Disney+.

Cassian Andor (Diego Luna) é um ladrão banal do planeta Ferrix. Em busca de informações sobre sua irmã desaparecida, ele acaba tendo um desentendimento com dois oficiais Pre-Mor (uma espécie de polícia corporativa vinculada ao Império) e os mata.

Buscando uma fuga, ele se envolve com Luthen Rael (Stellan Skarsgård), um membro da Aliança Rebelde que divide sua vida entre lutar nas sombras contra o Império e se apresentar publicamente como um negociante de antiguidades em Coruscant.

Cassian aceita um trabalho como mercenário no planeta Aldhani, ajudando um grupo de rebeldes a roubar parte do dinheiro do Império. Nesse tempo em que passa com o grupo, Andor começa a conhecer melhor a ideologia dos rebeldes, mas ainda não aceita se envolver nessa briga política.

A missão é parcialmente bem-sucedida. Andor decide não continuar com os rebeldes, pega seu pagamento e vai gastá-lo no planeta Niamos – um paraíso turístico tropical. Porém, um mês depois, ele é preso injustificadamente pelo Império e condenado injustamente a seis anos de prisão.

Cassian vai para uma prisão especial no planeta Narkina 5. Lá, ele é obrigado a fazer trabalhos forçados junto com outros presos, sendo torturado caso não cumpra as metas. Inconformado, ele se junta com outros presos para elaborar um plano de fuga. Quando surge a oportunidade, ele e seu grupo começam uma rebelião e conseguem fugir.

Cassian busca informações sobre Maarva (Fiona Shaw), sua mãe adotiva que ficou em Ferrix, e descobre que ela morreu. Mesmo correndo risco de ser pego, ele decide voltar para Ferrix e acompanhar secretamente o funeral.

Em Ferrix, uma força-tarefa da BSI (Bureau de Segurança Imperial) – uma unidade de prevenção, avaliação de riscos e inteligência do Império – estava instalada para capturar Andor e qualquer outra pessoa envolvida com rebeldes. Eles acabam interferindo no funeral de Maarva e começa uma guerra civil entre os soldados do Império e os moradores de Ferrix – a maioria amigos de Andor – provocando muitas baixas civis.

No final, Andor consegue escapar de Ferrix novamente com a ajuda de Luthen e decide, após tudo o que viveu nesses últimos meses, a se juntar às forças rebeldes.

Para vivenciar tudo o que Cassian Andor vivenciou e entender tudo pelo que ele passou, assista Andor na Disney+.

Reflexão sobre Andor: Você Precisa se Rebelar!

Começo essa reflexão sobre Andor, recordando que já ouvi de algumas pessoas mais velhas que nenhuma pessoa “de bem” teve problema com a ditadura militar brasileira. Subentendia-se desse discurso que todos aqueles que tiveram problemas com a ditadura – e entenda “problemas” por agressões, prisões, torturas e mortes – eram pessoas “do mal”, que não queriam viver na sociedade “perfeita” proporcionada pelos militares brasileiros.

Essa é uma das maiores mentiras contadas sobre essa época brasileira, que acabam justificando as atitudes erradas de alguns militares e menosprezam a luta de várias pessoas pelos direitos políticos dos brasileiros.

Cassian Andor era o tipo de pessoa que não ligava para política até a política começar a afetar diretamente a vida dele. E isso, infelizmente, é o que mais acontece com as pessoas. Elas não ligam para os problemas sociais – que são considerados problemas dos políticos – até que esses problemas lhes causem algum transtorno que as estimulem a querer entender o motivo daquilo estar acontecendo.

Andor estava cuidando da sua vida até que a polícia Pre-Mor usou de abuso de autoridade para lhe importunar. Depois, ele viu como o povo nativo de Aldhani foi oprimido pelo Império. Depois, ele foi preso, julgado e condenado injustamente por um Império que não se subordinava a nenhuma lei. Por fim, ele percebeu que ele e todos aqueles que ele amava se tornaram vítimas desse Império e não tinham a quem recorrer se não aos rebeldes que lutavam contra essa tirania.

Felizmente, Andor tomou consciência política. Porém, não era necessário passar por tudo o que ele passou para que isso acontecesse. Ele já sabia dos problemas do Império desde muito antes, mas não se importou porque os problemas não lhe incomodavam.

Existe um texto de Martin Niemöller que diz assim:

“Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista.

Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um socialdemocrata.

Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista.

Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu.

Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar”.

Esse texto serve para ilustrar o erro de não nos envolvermos nos problemas sociais só porque eles não estão nos afetando. Ao contrário, precisamos sempre lutar contra o sistema quando ele está errado, mesmo quando o erro não está nos afetando diretamente.

Fazer política é se preocupar com o bem público, com o bem-estar de todos e não só o nosso. Quando nossos irmãos-cidadãos precisam de ajuda, devemos ajudar. Quando um grupo está sendo oprimido, precisamos lutar contra essa opressão.

Imagine se todos só lutassem pelos seus interesses particulares? Se assim fosse, nunca conquistaríamos nada porque sempre estaríamos sozinhos…. Infelizmente, muitas vezes isso acontece e é por isso que a política atual é tão suja e é tão difícil fazer coisas boas pela população.

Porém, também existe o nosso erro em não fazer nada porque precisamos cuidar da nossa vida e o problema não está nos afetando. O que esquecemos é que, em uma sociedade, o problema de uma pessoa sempre afeta outra.

Quanto antes aprendermos isso, antes aprenderemos que é necessário nos rebelarmos sempre que for preciso.

Reflexão sobre Andor: Prisão, Foucault, Vigilância e Disciplina

Os episódios dessa série que mais gostei foram os passados dentro da prisão em Narkina 5. Achei muito interessante o funcionamento daquela prisão e, na hora, lembrei dos comentários de Michel Foucault ao panóptico de Jeremy Bentham. Sabia que precisava trazer esse tema para essa reflexão sobre Andor.

O panóptico seria uma prisão ideal, em que um vigia conseguiria olhar todos os presos sem que os presos soubessem se estavam ou não sendo vigiados. Dessa forma, os presos iriam se comportar porque nunca saberiam se, ao tentarem transgredir alguma regra, estariam ou não sendo observados e, consequentemente, punidos.

Foucault vai mostrar que a sociedade atual possui muitos esquemas de vigilância – hoje, podemos pensar nas câmeras, nos GPSs, nas redes de telefonia e WI-FI e vários outros mecanismos que nos fazem pensar que sempre tem alguém sabendo o que estamos fazendo. Por exemplo, isso é muito chocante quando pegamos nossos celulares e eles começam a mostrar anúncios de produtos que comentamos com outra pessoa.

Na prisão de Narkina 5, ninguém se atrevia a fazer algo errado porque sempre sentia que estava sendo vigiado, mesmo que não estivesse. Cassian foi ousado e começou a desenvolver um plano de fuga porque ele sabia que o Império era tão convencido que acabava não se preocupando tanto em de fato vigiar tudo porque sabia que as pessoas os temiam e já não se dispunham a tentar nada de errado.

O Império conquistou esse poder muito através do controle e disciplina que impôs ao povo, fazendo com que as pessoas o temessem e nem arriscassem fazer nada de errado. O exemplo da prisão de Narkina 5 é bem interessante:

  1. Os guardas eram pouquíssimos para a quantidade de prisioneiros, então foi criado um sistema de punição à distância e que atingia todos ao mesmo tempo – que era o chão em que os presos pisavam a todo o momento;
  2. Existia uma punição e uma recompensa pelo desempenho no trabalho, gerando uma competição interna que fazia com que os presos se vissem como rivais em vez de aliados;
  3. Alguns presos eram colocados como ajudantes e supervisores, criando uma hierarquia interna que gerava rivalidade e falsa sensação de superioridade;
  4. O tempo era cronometrado e o trabalho era exaustivo, fazendo com que os presos não tivessem – a princípio – tempo para pensarem em outra coisa a não ser cumprir sua função;
  5. Existia a falsa esperança de que se os presos fossem obedientes e cumprissem zelosamente suas funções, eles seriam libertados no final do prazo, garantindo, assim, um desempenho exemplar dos condenados e ausência de questionamentos.

O exemplo acima também ocorre, de diferentes formas, nas prisões reais e também nas escolas, nas forças armadas, nos empregos, nos templos religiosos… todos locais de disciplina dos corpos e mentes, que nos fazem obedecer a regras e cumprir ritos que nos “domesticam” ao ponto de não questionarmos porque estamos fazendo aquilo que estamos fazendo mesmo não tendo sentido aparente.

A vigilância e a disciplina são dois meios que a sociedade encontra para nos controlar e regular, evitando que surjam pessoas questionadoras que “quebrem o sistema”. Todos que não se adequam são excluídos e marginalizados ou, muitas vezes, punidos para servirem de exemplo aos demais.

Dessa forma, ficamos obediente e evitamos conflitos. É isso que esperam de nós. Será que iremos continuar agindo assim?

Reflexão sobre Andor: Pelo que Você Luta?

O filósofo Antonio Gramsci dirá que cada classe social possui a chamada visão de mundo, que seria o conjunto de ideologias as quais constituem a forma como aquela classe enxerga e compreende a realidade.

Esse conceito filosófico é muito interessante e importante para entendermos porque algumas pessoas possuem uma visão tão obtusa de um assunto que lhes torna quase impossível enxergarem algo de outro ângulo ou mesmo reconhecerem que possam estar erradas.

Esse problema ficou muito claro no Brasil desde as eleições de 2018 e continua ainda com essa polarização entre esquerda e extrema direita em que ninguém quer dar o braço a torcer que ambos os lados cometeram erros, mas também tiveram acertos.

Na série Andor, acompanhamos tanto o núcleo dos rebeldes quanto o núcleo dos funcionários do Império. Dentre os imperiais, acompanhamos de perto Syril Karn (Kyle Soller) – um vice inspetor da Pre-Mor – e Dedra Meero (Denise Gough) – uma supervisora do BSI. Ambos são pessoas extremamente dedicadas aos seus trabalhos e devotas ao pensamento imperial. Para eles, o Império está fazendo o que é certo e os rebeldes são pessoas que estão criando problemas para a paz galáctica e precisam ser neutralizadas custe o que custar.

A dedicação deles nos dá pena porque sabemos que eles estão agindo da melhor forma possível, só que do lado errado. Porém, esse julgamento é fácil para nós porque estamos de fora da situação e somos oniscientes, sabendo tudo o que está acontecendo de ambos os lados. Porém, quem está dentro não tem essa visão.

Na nossa vida, isso também ocorre. As pessoas assumem lados baseados na visão de mundo que eles têm, muitas vezes relacionado à criação familiar e religiosa que receberam na infância e nas experiências locais que tiveram ao longo da vida. Isso é tão marcante que não é fácil simplesmente “virar a chave” e essa pessoa começar a enxergar o outro lado como uma possibilidade real. É por isso que ninguém muda facilmente de opinião, mesmo você entregando uma série de “provas” que mostram que ela está errada ou equivocada.

Gramsci dirá que a mudança precisa vir da própria classe social, de pessoas que estejam envolvidas e sejam referência para as demais de sua classe. São essas pessoas que, estando dentro da situação, conseguem perceber o problema de suas classes e, com isso, possuem a linguagem necessária para mostrar aos demais de seu grupo seus erros e também os acertos dos outros grupos.

A série Andor pode nos ajudar a termos mais empatia com a dificuldade das pessoas do lado “errado” em reconhecerem que seu lado não está agindo da melhor forma e precisa de uma reformulação ou mudança. Da mesma forma, ela pode nos ajudar a abrir nossos olhos e observar se a visão de mundo que temos de fato é a melhor para o bem comum.

Conclusão

Andor é uma série que conseguiu retornar ao espírito original de Star Wars, mostrando todo o jogo político que essa franquia traz. Confesso que a série começa bem devagar, mas depois engrena bem no episódio três e não para mais. Ao longo dela, vamos refletindo bastante o quanto é complicado estar nas diversas posições sociais e ter opiniões diferentes dos grupos aos quais convivemos. Também conseguimos perceber quanto que o trabalho de mudança social não depende de apenas uma pessoa e que, de modo geral, seremos apenas um tijolinho de uma grande construção social, provavelmente esquecidos o tempo, mas fundamentais para o conjunto da obra.

E aí? Curtiu essa reflexão sobre Andor? Compartilha! Tem algo a acrescentar a essa reflexão sobre Andor? Comenta! Quer uma reflexão sobre outra produção da franquia Star Wars? Entra em contato!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.