Reflexão sobre American Gods: Quem Precisa de Quem?

Reflexão sobre American Gods: Quem Precisa de Quem?

Olá, marujos! Hoje, farei uma reflexão sobre livro / série American Gods de Neil Gaiman. Nessa obra, deuses antigos que habitam os EUA querem iniciar uma guerra com os novos deuses americanos para retomarem seu poder. Na reflexão, abordarei a relação dos seres humanos com os deuses e discutirem quem realmente precisa de quem: os seres humanos precisam dos deuses ou são os deuses que precisam do ser humano? Não teremos spoilers. Vamos lá!

Sobre a Obra (SEM Spoilers)

American Gods (ou Deuses Americanos) surgiu inicialmente como um livro escrito por Neil Gaiman em 2001. Em 2017, o livro virou uma série que acabou cancelada na terceira temporada (que abordou os acontecimentos de uns 60%-75% do livro).

Shadow Moon é um ex-prisioneiro que vai trabalhar como guarda-costas de um vigarista chamado Sr. Wednesday.

Logo, Shadow descobrirá que o Sr. Wednesday na verdade é a encarnação americana do deus nórdico Odin, o qual está recrutando antigas encarnações americanas de deuses mitológicos para lutar uma batalha pelo poder contra as encarnações americanas de novos deuses.

Nesse universo, todas as vezes que um imigrante traz sua fé para as terras americanas, ele cria uma versão americana desse deus ou ser mitológico (tais como Odin, Anúbis, Kali).

Em contrapartida, quando os americanos começam a venerar novidades modernas quase como deuses, eles criam novas divindades (tais como Tecnologia, Mídia e Globalização).

Quem ganhará essa guerra divina? Qual o papel de Shadow nisso tudo? Descubra lendo ou vendo a série na Amazon Prime.

           

Reflexão sobre American Gods: Os Deuses Precisam de Nós?

Para responder a pergunta que dá título a esse tópico, irei pressupor que os deuses existem. Porém, a resposta acaba dependendo de como seriam esses deuses…

Para Epicuro, os deuses são seres perfeitos que se bastam totalmente e são plenamente felizes. Por causa disso, não se preocupam nem se importam com mais nada além deles mesmos. Dessa forma, os deuses não precisariam de nós.

Para os filósofos cristãos, Deus criou a humanidade por causa do seu amor transbordante, que precisava ser compartilhado. Entretanto, esse Deus ainda é perfeito e não iria ser maculado caso as pessoas deixassem de acreditar nele ou seguir seus mandamentos. Mesmo assim, por causa da sua necessidade de amar, é muito provável que ele não pararia de chamar pessoas à conversão, tentando mostrar o “verdadeiro caminho” para elas.

Para American Gods, o conceito de deus acaba sendo bem diferente daquilo que estamos acostumados na filosofia. A meu ver, o conceito de deus dessa obra propõe deuses imperfeitos tal como as mitologias propuseram: seres poderosos, capazes de influenciar pessoas e a natureza com seus poderes, imortais (no sentido de não morrem de causas naturais, velhice) e cheios de defeitos.

Deuses Americanos nos diz que os deuses nascem do culto que lhes prestamos, e não o contrário. Ou seja, primeiro vem o culto e depois o deus, e não o deus e depois o culto a ele. E que o poder desse deus depende da quantidade de pessoas e de cultos a ele. Quanto mais pessoas o cultuam e mais intenso é esse culto, mais forte o deus fica.

Por outro lado, se as pessoas deixam de acreditar nesse deus e/ou param de cultuá-lo, ele vai perdendo forças. Curiosamente, a maioria dos deuses antigos, buscou formas de se adaptar à modernidade e modificar o conceito de culto que lhes eram prestado. Em vez de ser algo direto, agora eles aceitavam um culto indireto, mais baseado nas características do deus e não na sua pessoa diretamente.

Dito isso, podemos dizer que em American Gods, os deuses precisam de nós seres humanos para continuarem existindo como são e até para surgirem. Os deuses são criações humanas!

Reflexão sobre American Gods: Os Deuses são Criações Humanas!

Os deuses seriam uma espécie de materialização de algum aspecto da natureza ou da cultura que os seres humanos idolatram e, por isso, lhe atribuem um rosto, uma figura, uma identidade.

A noção de deus de American Gods é muito próxima da teoria de Ludwig Feuerbach, um filósofo alemão ateu o qual defendeu que a figura que nós chamamos de Deus nada mais é do que a reunião de todas as características que nós consideramos boas nos seres humanos. Ou seja, a figura de Deus é apenas a figura do ser humano perfeito.

A diferença de Deuses Americanos para o filósofo, é que – além de serem vários deuses em vez de um – nós não estaríamos cultuando apenas as características boas do ser humano, mas tudo aquilo que um grupo de ser humano achou útil ou importante para si.

Uma das reflexões que a obra traz para nós é como os seres humanos estão perdendo a linha no culto às novidades da modernidade, chegando ao ponto de endeusá-las. Hoje, com certeza existiria um deus do smartphone, um deus das redes sociais, e estaria nascendo aí um deus da Inteligência Artificial…

Reflexão sobre American Gods: Nós Precisamos dos Deuses?

Para Epicuro, a resposta seria não. Não precisamos deles porque nossas vidas não estão ligadas aos deuses, e não existe qualquer influência de uns sobre os outros. Dessa forma, devemos levar nossas vidas simplesmente ignorando a existência deles assim como eles ignoram a nossa existência.

Para os filósofos cristãos, se quisermos ser felizes e termos uma vida eterna de paz, precisamos de Deus. Precisamos seguir seus mandamentos para termos uma vida felizes aqui na terra e salvarmos nossa alma no pós vida. Ignorar Deus e seus mandamos é pedir para nos darmos mal (mesmo se não percebermos na hora ou a curto prazo).

Já o livro / série levanta um pensamento ambíguo sobre o tema.

Em um primeiro momento, podemos dizer que os seres humanos não precisam dos deuses porque as suas vidas seguem normalmente sem a influência deles. Ninguém é prejudicado por não venerar algum dos deuses da série.

Por outro lado, vemos que esses deuses foram criados pelos próprios seres humanos. Ou seja, em um certo sentido, os seres humanos sentiram a necessidade de criar esses objetos de culto, de veneração. De alguma forma, os seres humanos parecem ter necessidade de depositar suas vidas, esperanças, fé em alguma coisa. E, ao fazerem isso, acabam criando deuses e objetos de culto.

Com isso, podemos refletir de o porquê o ser humano não se basta a si mesmo? Porque ele fica criando figuras divinas ou divinizadas para serem cultuadas como se fossem muito importantes?

Eu me lembro nessas horas de Descartes, o qual diz que o ser humano se reconhece como limitado, finito e imperfeito. Deve ser por isso que temos essa necessidade de deuses, porque não conseguimos aceitar quem somos e precisamos criar falsas imagens de seres que são tudo aquilo que não somos.

Em outras palavras, é a falta de amor próprio e amor pela própria condição humana que nos fazem criar deuses.

Conclusão

Deuses Americanos vem nos mostrar que criamos uma falsa necessidade de deuses para suprir nossa carência existencial. Por causa disso, com o passar do tempo, vamos abandonando figuras divinas que não correspondem mais a características que valorizamos e começamos a criar novos deuses, como personificações de novas características que começamos a venerar. Todos esses deuses dependem de nós, e nós acabamos dependendo não desses deuses, mas da necessidade de cultuar algo, porque não somos capazes de cultuar a própria humanidade. Uma conclusão bem nietzschiana, por sinal.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.