Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Cidade Dorme

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Cidade Dorme

Olá, marujos! Hoje, mostrarei como você pode estar ensinando o conceito de Microfísica do Poder através de uma dinâmica chamada “Cidade Dorme”. Essa dinâmica coloca os alunos como cidadãos de uma cidade assolada por uma série de assassinatos que precisam escolher moradores para a pena de morte na tentativa de acabar com os crimes. O objetivo da atividade é fazer os alunos refletirem sobre as pequenas relações de poder que existem entre as pessoas que eles não percebem, mas que influenciam suas vidas. Vamos lá!

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Relembrando o Conceito

O conceito de Microfísica do Poder foi desenvolvido pelo filósofo Michel Foucault no seu estudo político sobre a sociedade contemporânea.

Foucault percebeu que toda a sociedade é permeada por um emaranhado de microrrelações de poder. Todas as pessoas exercem algum tipo de poder sobre outras ao mesmo tempo em que são coagidas por outras pessoas.

Poder seria a capacidade de fazer com que o outro faça aquilo que você quer que seja feito. Isso ocorre em uma relação professor-aluno, pai-filho, patrão-empregado, marido-mulher, amigo-amigo e tantas outras.

Por causa disso, os grandes aspectos da sociedade são reflexos desses pequenos atos que muitas vezes não percebemos, mas que estão moldando a forma como uma sociedade age ou se comporta.

Dessa forma, um governo corrupto é reflexo de uma sociedade que comete constantemente pequenos atos corruptos, e não o contrário. Uma sociedade xenofóbica não nasce xenofóbica, mas se torna xenofóbica por causa de frequentes pequenos atos xenofóbicos que não são freados.

Para saber mais sobre esse pensamento filosófico, recomendo a leitura do artigo: Microfísica do Poder Descomplicada: Política de Michel Foucault.

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Cidade Dorme

Apresentação

A dinâmica do “cidade dorme” se parece muito com o jogo de salão “detetive, vítima e assassino“, mas com a diferença que “cidade dorme” é jogado por turnos e possui um mestre.

Todos os jogadores são moradores de uma cidade. Eles podem ser simples cidadãos ou um assassino ou um detetive ou o governante.

A cada turno, o assassino matará uma pessoa e os que estiverem vivos precisarão eleger um deles para a pena de morte, tentando acertar quem é o assassino. Para isso, eles irão debater e votar entre si.

O detetive possui o direito de, uma vez por turno, “investigar a ficha de uma pessoa” e saber se ela é a assassina ou não.

O governante possui o direito de, a qualquer momento, ignorar a vontade da maioria e mudar o escolhido para a pena de morte.

A dinâmica termina quando o assassino for pego ou conseguir matar todos os demais jogadores.

Regras

  1. O mestre distribui aleatoriamente as funções de cada jogador;
  2. O mestre declara “cidade dorme” e todos os jogadores fecham os olhos;
  3. O mestre declara “assassino acorda” e o assassino abre o olho e aponta para alguém que ele quer matar;
  4. Após o mestre confirmar quem é a pessoa, ele declara “assassino dorme” e o assassino fecha o olho;
  5. O mestre então diz “detetive acorda” e o detetive abre o olho e aponta para quem ele quer saber se é cidadão ou assassino;
  6. O mestre responde com um sinal se a pessoa é assassina ou cidadão e depois diz “detetive dorme” e o detetive fecha o olho;
  7. O mestre diz “cidade acorda”, declara quem morreu e dá um tempo para os vivos se entreolharem e discutirem qualquer coisa;
  8. Depois, o mestre começa uma votação para ver quem será condenado;
  9. Após a votação inicial, o mestre permite quem quiser mudar de voto;
  10. Fechada a votação, o mestre pergunta se o governante vai querer se manifestar para mudar o veredito;
  11. Se o governante se manifestar, ele diz quem será o novo condenado; se ele não se manifestar, segue a condenação da maioria;
  12. O mestre declara se a pessoa condenada era inocente ou culpada;
  13. Se for o assassino, o jogo acaba; se for inocente, a rodada recomeça a partir do ponto 2 sem a pessoa condenada.

Observação: mesmo que o detetive morra, continue repetindo sua fala para não deixar claro que ele morreu.

Funções Específicas Durante a Dinâmica

O professor precisa deixar bem claro as funções específicas para evitar que a pessoa “se entregue” e estrague a dinâmica:

Assassino – Só abre o olho na hora que for falado “assassino acorda” e “cidade acorda” / Deve tomar cuidado para não se mexer muito nem produzir sons na hora de escolher a vítima para não levantar suspeitas / Quando a cidade acorda, deve se comportar como um cidadão comum;

Detetive – Só abre o olho na hora que for falado “detetive acorda” e “cidade acorda” / Deve tomar cuidado para não se mexer muito nem produzir sons na hora de escolher o analisado para não levantar suspeitas / Quando a cidade acorda, deve se comportar como um cidadão comum se quiser ficar camuflado / Pode dizer que é o detetive para ganhar credibilidade dos cidadãos, mas não pode mostrar o papel que designa sua função;

Governante – Quando a cidade acorda, deve se comportar como um cidadão comum se quiser ficar camuflado / Deve se manifestar caso queira mudar o veredito do acusado, mas só na hora que o mestre disser que o governante pode se manifestar / Deve comprovar sua função mostrando o papel caso se manifeste para mudar a decisão do grupo.

Antes da Dinâmica

O professor precisa elaborar um papelzinho escrito detetive, um escrito assassino e um escrito governante.

Além disso, deve elaborar diversos papeizinhos escrito cidadão tanto quanto forem o número de alunos menos três (porque três serão das funções específicas).

Os papeis devem ser iguais e dobráveis, para que ninguém saiba o que cada um sorteou nem permita escolha.

Também deve ser providenciado um saco ou urna para que os papeis sejam colocados dentro.

Jogando

  1. O professor explica as regras básicas para os alunos (deixe claro que a primeira partida pode dar errado porque todos estão se acostumando e que você irá detalhar regras mais específicas na hora que for necessário);
  2. Coloque a turma em círculo e fique no meio do círculo para poder transitar facilmente entre os alunos;
  3. Distribua o papel com as funções e se certifique que todos entenderam sua função (caso alguém tenha dúvida, explique bem baixinho para ela, para que os outros não saibam o que essa pessoa tirou);
  4. Combine com o detetive um gesto de positivo se a pessoa for cidadão ou negativo caso seja o assassino.
  5. Inicie o jogo dizendo “cidade dorme” e vá fazendo o passo a passo, relembrando as regras e funções de cada um.

Dependendo do tempo de aula e da duração das partidas, dá para fazer de 3 a 5 partidas sem ficar chato e sobrando tempo para a parte teórica da aula.

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Relacionando a Dinâmica com a Matéria

Após a dinâmica, o professor irá mostrar como atitudes dos jogadores refletem as microrrelações de poder da sociedade.

A questão mais importante a ser notada é a votação. Após ser anunciado quem morreu, os jogadores se entreolham e começam a suspeitar uns dos outros. Como ninguém sabe quem é o assassino, tudo é suspeito e não é possível tirar uma conclusão. Mas basta começar a votação e alguém se tornar um alvo que todos começam a votar naquela pessoa (simplesmente porque se outros votaram é porque deve ter algum motivo).

Após a votação inicial, quando o mestre deixa mudar o voto, também vemos um movimento interessante de “manada”. Se alguém muda o alvo, outros começam a mudar também.

Ambas as situações mostram as influências de poder que temos uns sobre os outros e como somos influenciados.

Da mesma forma, quando alguém é condenado a morte e é inocente, vemos como decisões individuais de diversas pessoas acabam impactando a vida de uma pessoa.

Quando alguém se declara o detetive e tenta defender sua posição de voto, às vezes ela passa confiança e as pessoas vão com ela, às vezes não. Isso mostra como, às vezes, ter poder é mais importante que ter certeza.

Quando o governante usa da sua autoridade para ignorar a vontade da maioria e erra na sua decisão, vemos como a concentração de poder na mão de uma pessoa é perigoso. Agora, quando o governante acerta na sua decisão, nos questionamos se a decisão da maioria realmente deve se sobrepor à decisão da autoridade ou da minoria.

Toda a dinâmica é um jogo de poder: poder de matar, poder de condenar alguém à morte, poder coletivo, poder individual.

São essas as reflexões que o professor deve trazer para o final da aula, explicando junto com tudo isso a teoria de Foucault.

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Interdisciplinaridade

Essa aula pode ser dada junto com o professor de Sociologia.

Muitas discussões podem ser levantadas sobre a atitude dos cidadãos sobre como e porquê votaram de um jeito ou de outro.

Algumas discussões podem abordar aspectos sociológicos sobre os motivos de se desconfiar de alguém, sobre preconceito, sobre a pena de morte em uma sociedade, sobre democracia e autoritarismo.

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: Conclusão

Eu tive resultados muito positivos na aplicação dessa dinâmica. Os alunos gostaram tanto que não queriam parar de jogar para ter a parte teórica! A dinâmica também fez muito sentido para eles compreenderem o conteúdo, ficando tudo muito claro quando se relacionava elementos do jogo com a teoria da microfísica do poder.

E aí? Alguma parte ficou confusa? Deixa sua dúvida nos comentários! Conhece algum professor de filosofia? Compartilha esse artigo com ele! Quer sugerir outros conteúdos para receberem uma aula diferenciada? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

———————————————————————————————

APOIE NOSSAS VIAGENS!

Faça um PIX de APENAS R$0,10 (dez centavos) 

Ensinando Microfísica do Poder através de Dinâmica: PIX

Chave PIX: contato@naudosloucos.com.br

———————————————————————————————

Posted in Dinâmicas and tagged , , , , , , , .

Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.