Política de Santo Agostinho Descomplicada: Cidade de Deus

Política de Santo Agostinho Descomplicada: Cidade de Deus

Olá, marujos! Hoje, iremos explicar a política de Santo Agostinho de uma forma descomplicada. Iremos ver brevemente uma biografia do filósofo e o contexto histórico de sua obra, entender o que ele compreende como os objetivos do Estado e da Política, desenvolver o que ele chama de cidade dos homens e de cidade de Deus, quais são os pontos de conflito entre ambas, e qual a importância da ética e da graça divina na política. Vamos lá!

Sobre Santo Agostinho

Santo Agostinho é considerado o maior filósofo do período conhecido como patrística. Ele nasceu em 354 d.C. na cidade de Tagaste.

Agostinho se converteu tardiamente ao cristianismo. Acabou sendo escolhido para ser padre e, depois, bispo da igreja.

Como já era filósofo, continuou seu processo de busca pela verdade através da razão, vendo na filosofia uma forma de explicar racionalmente ou facilitar o entendimento de alguns conceitos teológicos.

Seus escritos são fundamentais tanto para a base teológica da igreja católica quanto para a filosofia moderna, a qual teve que se confrontar com suas teorias.

Ele morreu em 430 d.C.

Para saber mais da vida de Santo Agostinho, recomendo: Santo Agostinho Descomplicado: Biografia e Filosofia.

Política de Santo Agostinho Descomplicada: Contexto Histórico-Social

Quando pensamos na filosofia política de Santo Agostinho, automaticamente pensamos no seu livro Cidade de Deus, que é onde ele desenvolve a quase totalidade de seu pensamento político. Por isso, é interessante entender o contexto histórico e social dessa obra.

O livro Cidade de Deus foi escrito em 426 d.C. Nessa época, o império romano (do qual Agostinho fazia parte, porque morava em uma região da África romanizada) estava ruindo. Roma havia sido invadida e saqueada pelos visigodos.

Muitos romanos estavam acusando os cristãos pela ruína de sua república porque os valores cristãos haveriam enfraquecido o poder romano. Com isso, Agostinho foi provocado por seu amigo Marcelino a escrever um texto que defendesse os cristãos desses ataques infundados.

Outro fato importante era o grande número de pobres, escravos e pessoas exploradas nas regiões africanas do império romano. Os poucos ricos, que eram cidadãos romanos, não se preocupavam com os mais necessitados e os nativos que lá estavam antes das invasões. Essa constatação também provocou o bispo de Hipona a dar uma resposta aos erros praticados pelo império romano.

Política de Santo Agostinho Descomplicada: Estado e Política

Origem e Função do Estado

Para Santo Agostinho, o Estado (ou seja, a organização formal da sociedade) surge no momento em que o ser humano decidiu conviver com outros seres humanos.

A formação do Estado não foi opcional, mas necessária. O ser humano precisava organizar a sociedade que estava surgindo da convivência entre eles para, juntos, buscarem o bem comum.

A função do Estado, segundo o filósofo, é garantir a segurança, a paz e a harmonia dos seus cidadãos.

No Estado, o povo não é uma massa desumanizada, mas pessoas que possuem direitos e deveres. O povo deve ser regido pelo Estado para que se consiga alcançar o bem de todos.

Não existe um modelo ideal de Estado (ou seja, não existe um modelo ideal de governo). Todos seriam válidos se tivessem como prioridade uma coisa: prestar culto a Deus e praticar verdadeiramente seu amor.

Para o filósofo, o Estado deve garantir os bens necessários para vida (apesar de terrenos e passageiros) aos cidadãos ao mesmo tempo que os prepara para a vida celeste, onde encontrarão os bens eternos e a felicidade plena em Deus.

Definição e Função da Política

Para o bispo de Hipona, política é a arte de governar e administrar um Estado. Essa seria uma função exclusiva da vida terrena, mas fundamental porque é ela a responsável por garantir que as pessoas consigam viver a paz temporal enquanto aguardam a paz eterna.

A política tem a função de resolver os problemas de cunho material dos cidadãos, mas não se resume a isso. É a política que também proporciona as condições para que seus cidadãos prestem culto ao verdadeiro Deus (que seria o Deus cristão).

É apenas através da política que o Estado consegue executar sua função de segurança, paz e harmonia dos seus cidadãos.

É função da política propor leis e um sistema de governo que consiga garantir uma vida social digna aos cidadãos, dando-lhes meios de se desenvolverem plenamente (ou seja, tanto nas suas dimensões materiais quanto espirituais).

Política de Santo Agostinho Descomplicada: Cidade dos Homens x Cidade de Deus

Ao longo de sua exposição política, Agostinho fará uma distinção entre o que seriam duas cidades: a Cidade dos Homens ou Cidade Terrestre, e a Cidade de Deus ou Cidade Celeste.

A primeira coisa que deve ficar claro é que não se tratam de duas cidades literais, ou seja, de agrupamentos de pessoas. Ambas as cidades nada mais são do que estados de convivência que os seres humanos escolhem ter. Cada indivíduo “toma partido” de uma dessas cidades e escolhe viver conforme as suas diretrizes.

A Cidade dos Homens ou Cidade Terrestre

Para Santo Agostinho, a Cidade Terrestre é composta por pessoas que escolheram amar a si próprias, vivendo de modo egoísta. Ou seja, são pessoas que não pensam no bem comum, mas apenas no bem pessoal.

Membros da Cidade Terrestre são soberbos, acumuladores e maus. Eles vivem para gozar dos bens materiais como se eles fossem os bens mais importantes. Eles também não veem problema em subjugar outros seres humanos para terem suas vontades atendidas.

A consequência dessa forma de vida é que, por apenas buscarem as coisas terrenas e passageiras, a prosperidade da cidade terrestre também é terrena e passageira. Ela perdura por um tempo, mas acaba sucumbindo porque seus “valores” não a sustentam e sim, ao contrário, a destroem.

Agostinho vai dizer que o Império Romano ruiu porque seu governo estava formado majoritariamente por pessoas partidárias da Cidade Terrestre (ou seja, não foi culpa dos cristãos).

A Cidade de Deus ou Cidade Celeste

Para o bispo de Hipona, a Cidade Celeste é composta por pessoas que escolheram amar primeiramente a Deus, vivendo de forma solidária. São pessoas que pensam no bem comum e não no bem pessoal.

Os membros da Cidade Celeste são bondosos e caridosos. Eles se preocupam com o próximo e prestam culto sincero ao Deus verdadeiro. Eles apenas usufruem dos bens materiais por necessidade, sabendo que nenhum deles permanecerá. Ao contrário, seus membros almejam os bens celestes, que são eternos e permanentes.

A consequência dessa forma de vida é a salvação eterna dessas almas. Os partidários da cidade celeste terão a oportunidade de viver um bem-estar social em vida, enquanto aguardam o fim dos tempos ou de suas existências individuais.

Agostinho dirá que os hebreus foram um exemplo de povo que viveu, durante um bom tempo, os valores da cidade celeste e, por isso, conseguiram sobreviver durante séculos e seus membros alcançaram a salvação.

Os Pontos de Conflito entre as Cidades

Como dito anteriormente, ambas as cidades não são sociedades concretas, mas modos de se viver socialmente. Dessa forma, todas as sociedades concretas possuem membros de ambas as cidades, que convivem entre si e se chocam constantemente.

Agostinho tem consciência, desde a sua compreensão antropológica, que o ser humano almeja a felicidade e, agora, afirma que uma das formas de se concretizar isso é através da convivência social. O problema é que os membros da cidade terrestre acham que a felicidade está nos bens materiais e no amor próprio, o que os leva a ruína de si mesmos e das demais pessoas. Por outro lado, os membros da cidade celeste entendem que a felicidade está em Deus e, por isso, alcançam a concórdia e a salvação de si e dos seus próximos.

Mas o que leva as pessoas a buscarem a felicidade na sociedade de forma errada? O mau uso do livre-arbítrio. Deus não obriga as pessoas a amá-lo e adorá-lo e também não priva propositadamente seus filhos dos bens materiais. Dessa forma, as decisões erradas que os cidadãos tomam socialmente e que geram todos os problemas sociais são causados pelo mau uso do livre-arbítrio que Deus deu ao ser humano.

Papel dos Governantes

Santo Agostinho exortará que boa parte do sucesso de uma sociedade depende dos governantes dessa sociedade. Para o filósofo, o governante deve servir de líder e exemplo para o seu povo.

Sendo assim, se os governantes agem como membros da cidade terrestre, a sociedade que eles governam está fadada ao fracasso e sofrerá todas as penas decorrentes de uma má-administração, gerando desigualdade social, sofrimento, miséria e fome para o povo.

Por outro lado, se os governantes agirem como membros da cidade celeste, a sociedade irá prosperar e resistirá perpetuamente até o final dos tempos. O povo dessa cidade terá acesso a todos os bens materiais e espirituais necessários para o desenvolvimento pleno do ser humano. Essa sociedade alcançará a paz terrena e o bem-estar social, apenas aguardando tranquilamente o dia do juízo final.

Política de Santo Agostinho Descomplicada: A Ética e a Graça Divina

Como deve ter fica claro até aqui, só é possível um Estado justo se seus cidadãos forem justos. Da mesma forma, um governante só conseguirá aplicar corretamente a política se ele for ético. Logo, Ética e Política andam juntas para Agostinho, assim como pensavam os filósofos gregos.

A ética de Santo Agostinho é a ética do amor. Sendo assim, as sociedades terrenas devem viver a ética do amor, ou seja, amar as coisas na devida ordem (Deus, depois os seres humanos e, por último, os demais bens) para que consigam o estado de bem-estar social.

Outra coisa que precisa ficar claro é que, segundo o filósofo, os Estados precisam ter como ponto de partida e objetivo final Deus. Porém, como o ser humano é pecador (possui a mancha do pecado original), é preciso a graça divina para auxiliar os seres humanos nessa missão.

O bispo de Hipona também estava ciente que é impossível viver a paz e a felicidade plena na terra, mas isso não deveria desmotivar os seres humanos. Ao contrário, deveria motivá-los para continuarem vivendo aqui uma vida mais perfeita possível até chegar a hora de viverem a plenitude dos tempos no Céu.

Política de Santo Agostinho Descomplicada: Conclusão

Como quase tudo em Santo Agostinho, Filosofia e Teologia caminham lado a lado, indissociáveis. Por isso, pudemos perceber que a teoria política do santo depende muito do culto ao Deus cristão e do seguimento dos seus mandamentos. Porém, vale destacar que, nas sociedades atuais, essa teoria seria ainda viável se as pessoas praticassem o amor-caridade mesmo não tendo por trás um cunho religioso. É claro que o filósofo discordaria disso porque o ser humano seria falho e precisaria da graça divina para pôr isso em prática, mas nós podemos pelo menos tentar sermos mais preocupados com o bem comum que o nosso, mais caridosos que egoístas. Também podemos ter em mente, seguindo essa filosofia, que vale a pena eleger políticos éticos, que possuem boa índole porque serão melhores governantes.

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Até a próxima tenham uma boa viagem!

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Referências

MOURA, Paulo H. F. A política na Cidade de Deus de Santo Agostinho. Rio de Janeiro, 2003. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.