Ética de Espinosa Descomplicada: Ética da Alegria e da Liberdade

Ética de Espinosa Descomplicada: Ética da Alegria e da Liberdade

Olá, marujos! Hoje, explicaremos a ética de Baruch Espinosa de uma forma descomplicada. Sua ética é conhecida por alguns comentadores como a ética da alegria e da liberdade porque busca explicar o que é a alegria e como utilizá-la para chegarmos à liberdade. Após uma breve apresentação do filósofo, iremos explicar em detalhes e de forma descomplicada vários conceitos importantes que, juntos, formam a ética de Espinosa. Vamos lá!

Sobre Baruch Espinosa

Baruch de Espinosa nasceu em 24 de novembro de 1632 em Amsterdã (Países Baixos). Seu reconhecimento veio mais postumamente do que em vida. Isso se deveu ao seu posicionamento crítico à religião e ao conceito de Deus, o que lhe causou o herem (a excomunhão dos judeus). Seu ofício principal foi polidor de lentes já que seus livros foram censurados. Morreu em 21 de fevereiro de 1677, aos 45 anos, em Haia (Países Baixos). Atualmente, é reconhecido como um dos grandes racionalistas da Modernidade.

Para saber mais detalhes da vida de Espinosa, recomendo: Baruch Espinoza Descomplicado: Biografia e Filosofia.

Ética de Espinosa Descomplicada: Recordando o Conceito de Conatus

A ética de Espinosa está intimamente ligada ao seu conceito antropológico de conatus. Faz todo o sentido: entender como devemos agir só é possível depois que entendemos quem nós somos!

Para o filósofo, a essência humana é conatus. Conatus pode ser brevemente resumido como a força que o ser humano emprega na autoconservação de si e no esforço em permanecer existindo.

Todos os seres possuem conatus, mas apenas os seres humanos possuem consciência de que possuem conatus. Por isso, Espinosa prefere dizer que somos conatus.

Para entender mais detalhadamente esse conceito, recomendo: Conatus Descomplicado: Antropologia de Espinosa.

Ética de Espinosa Descomplicada: Combatendo a Servidão

A ética de Espinosa pode ser compreendida como uma resposta àquilo que ele chamava de servidão.

Servidão é o momento em que o nosso conatus se submete a forças externas de tal forma que começamos a existir, desejar e pensar a partir de causas externas a nós achando que estamos pensando por conta própria.

Como exemplo atual do problema de servidão, podemos destacar a facilidade como nos submetemos à ideologia do consumismo, acreditando que de fato precisamos comprar tudo o que queremos comprar, trabalhando arduamente e exaustivamente para juntar esse dinheiro, sem percebermos que a maioria desses bens são supérfluos e que, no final, só estamos alimentando a indústria capitalista.

Espinosa dirá que a servidão produz efeitos catastróficos em nós mesmos e na nossa relação com os outros seres humanos. Ao perdermos o nosso conatus como referência de nós mesmos, nos perdemos – provocando a nossa própria destruição – e culpamos quem está próximo de nós – em vez de responsabilizar as verdadeiras causas exteriores.

Seguindo o exemplo anterior do consumismo, podemos dizer que alguém que está totalmente alienado (termo também utilizado pelo filósofo) nessa ideologia consumista pode entrar em depressão porque não está conseguindo comprar algum bem material que ele acha fundamental para si e/ou culpar seu cônjuge, filhos, assistidos do governo pelos seus “problemas” financeiros.

Ética de Espinosa Descomplicada: Conatus como Fundamento da Virtude

A palavra “virtude” é latina e possui como sentido etimológico original “força interna”. É nesse sentido que Espinosa coloca o conatus como fundamento da virtude humana. Precisamos estar com nossos conatus no máximo – ou seja, com nossa força interior no máximo – para atingirmos a verdadeira liberdade (rompendo, assim, com qualquer servidão).

Mas como conseguimos isso? Passando da paixão para a ação, ou, em termos espinosanos, deixando de ser causa inadequada de nossas ideias e nos tornando causa adequada de nossas ideias.

Paixão aqui significa ser passional, receptivo. Nesse contexto, estamos recebendo os estímulos de fora, apenas desejando aquilo que nos é sugerido desejar. Já a ação é atividade. Nesse contexto, estamos conscientes de que somos nós que estamos desejando aquilo que desejamos.

Seguindo no exemplo do consumismo, a diferença entre ser passionais ou ativos é a seguinte: estamos comprando aquele tênis de R$500,00 porque realmente queremos o conforto e qualidade que ele oferece ou estamos comprando-o para ostentar um status social do qual não precisamos e que foi impresso em nossas mentes pela mídia publicitária?

Nesse contexto, eu posso trazer dois exemplos reais:

a) Quando eu era pré-adolescente, estava na moda o tênis all-stars, que já era caro para os padrões da época. Eu nunca liguei antes para tênis e sempre usava o que minha mãe me dava (o qual era bem confortável para caminhar). Porém, cedi à pressão social e “gastei” meu presente de aniversário ou natal pedindo esse tênis all-stars. Pior coisa que fiz na vida porque ODIEI o solado e a forma dele, que apertava meu pé.

b) Vejo muitos dos meus alunos da escola pública usando os tais tênis Jordan. Óbvio que são piratas e eles não negam isso. Minha preocupação é: será que esses tênis piratas possuem alguma preocupação ortopédica? Ou a preocupação é só imitar externamente o original? Dessa forma, imaginem quantos problemas futuros de coluna poderemos ter numa sociedade por causa de jovens querendo usar tênis falsos para ficar na moda…

Ética de Espinosa Descomplicada: Os Afetos não são Nossos Inimigos

Qual seria a solução para o consumismo? Parar de consumir? Acabar com o capitalismo? Queimar tudo? Claro que não! Consumir faz parte da nossa natureza humana. Precisamos consumir coisas e bens para nos mantermos vivos e saudáveis…

Mas o que isso tem a ver com a ética de Espinosa? Muito! A grande novidade de Espinosa para sua ética foi reconhecer que uma paixão só é combatida por outra paixão mais forte porque somos seres que estamos invariavelmente sendo afetados pelo mundo em nossa volta.

Ou seja, trazendo para o nosso exemplo principal, não podemos combater o consumismo negando o consumismo. O que precisamos é aprender a direcionar o nosso consumo para coisas mais úteis e necessárias, que irão nos proporcionais mais prazer do que aquele gerado pelo consumismo “ruim”.

Se temos R$500,00 para gastar e estamos com vontade de gastá-lo, nada impedirá que isso ocorra. É tolice eu querer combater o meu consumismo dizendo “não vou gastar isso agora para gastar depois” porque isso não vai acontecer, o que vai acontecer é que, em um momento de “fraqueza interior”, acabaremos comprando a primeira coisa que nos chamar a atenção e nos arrependendo.

A solução, para esse caso, é aprender a tomarmos controle da situação e pensarmos com clareza o que estamos precisando ou o que nos proporcionaria naquele momento um prazer que realmente valesse a pena experimentar. Se conseguirmos fazer esse movimento, conseguiremos ter controle sobre nossas ações e tomarmos uma decisão por conta própria e não influenciado por uma causa externa.

Mudando o exemplo: seria a mesma coisa ir em um show de estilo musical do qual você não gosta e querer demonstrar estar apreciando o festival apenas ficando parado “de cara na grade”. Isso é impossível porque seremos afetados pela música que nos soa ruim e pelo desconforto da posição. Se é inevitável ir nesse evento e queremos demonstrar satisfação ou tirar o melhor dele, precisamos buscar coisas nele que me afetem positivamente como, por exemplo, a companhia dos amigos ou a busca por uma “ficada”.

Ética de Espinosa Descomplicada: Alegria x Tristeza

Espinosa dirá que amor, amizade, generosidade, contentamento, misericórdia, benevolência, gratidão e glória são afetos nascidos da ALEGRIA e são paixões mais forte.

De outro lado, dirá que ódio, medo, ambição, orgulho, modéstia, ciúme, avareza, vingança, remorso, arrependimento e inveja são afetos nascidos da TRISTEZA e são paixões fracas.

Diante disso, e considerando que buscamos a virtude – que é “força interior” -, nosso conatus precisa agir tendo em vista tudo aquilo que nos causa alegria.

Trazendo aqui novamente o exemplo do festival de música “ruim”: precisamos transformar esse momento em gratidão por estar com amigos em vez de ficarmos arrependidos por ter aceitado o convite.

Ética de Espinosa Descomplicada: Alcançando a Liberdade

Espinosa dirá que a liberdade está na compreensão de que somos seres necessariamente afetados, ou seja, que os afetos fazem parte da nossa existência.

Escravos, ou servos, estamos quando achamos que a vida feliz é aquela em que nada nos afeta. Isso não existe. Quando pensamos assim, estamos, na verdade sendo afetados por causas externas sem percebermos. Tudo como dito lá no começo, no tópico sobre servidão.

A verdadeira liberdade está em admitir que as coisas nos afetam e essa afecção faz parte de nós. Sentir alegria é um afeto. Afeto não é necessariamente ruim.

A partir dessa compreensão, o trabalho que devemos buscar é controlar os nossos afetos, fazendo com que eles sejam causados por nossas vontades e não vontades alheias.

Por exemplo, não é limitação da nossa liberdade ser obrigados a estudar (pela educação básica ou para ter uma profissão de nível técnico/superior). Liberdade é compreender que isso é algo que irá ocorrer em nossas vidas e, por isso, precisamos transformar esses momentos em afecções positivas, que nos tragam alegria (como o fato de estarmos aprendendo algo novo ou tendo contato com pessoas interessantes), em vez de priorizarmos afecções negativas, que nos tragam tristeza (como o fato de que preferíamos estar dormindo ou já trabalhando e ganhando dinheiro).

Um exemplo da Cultura Pop sobre esse tema é a série DARK. Nessa série de ficção científica com viagens no tempo, existe uma luta entre os defensores do livre-arbítrio e do determinismo, como se as duas únicas opções de ação humana fossem: tudo já está definido ou podemos mudar tudo. A solução desse conflito virá numa compreensão espinosana da situação, de que a liberdade está em saber lidar com aquilo que nos afeta. Se quiser compreender melhor esse exemplo, recomendo: Reflexão sobre Dark: Entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio.

Conclusão

Para concluir, podemos dizer que Espinosa não via na Natureza nem perfeição nem imperfeição, nem bem nem mal. Ele via a realidade. A grande pergunta ética é como nos deixamos afetar por essa realidade? Nós buscamos controlar como somos afetados ou nos deixamos ser afetados descontroladamente. É, ao assumirmos o controle dos nossos afetos, que alcançaremos a liberdade e a felicidade.

E aí? Gostou desse artigo descomplicado sobre a ética de Espinosa? Compartilha! Quer um artigo descomplicado sobre outra teoria filosófica de Espinosa? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Alguma parte ficou confusa ou gostaria de complementar a explicação? Comenta!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

CHAUÍ, Marilena de Souza. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 2001 (Coleção logos).

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.