Conatus Descomplicado: Antropologia de Espinosa

Conatus Descomplicado: Antropologia de Espinosa

Olá, marujos! Hoje, explicarei o conceito de Conatus de Baruch Espinosa de um jeito descomplicado. Para isso, após fazer uma breve biografia do filósofo, explicarei como Espinosa compreende o que é o corpo, o que é a alma e como funciona a relação entre eles. Depois, explicarei o que é o conatus e qual sua importância para o ser humano. Vamos lá!

Sobre Baruch Espinosa

Bento de Espinosa (outra das muitas formas de escrever o nome desse filósofo) nasceu nos Países Baixos, na cidade de Amsterdã, em 24 de novembro de 1632. Ele é conhecido como um dos maiores filósofos racionalistas da modernidade. Ele morreu jovem, aos 44 anos, e teve sua maior obra – Ética demonstrada à maneira dos geômetras – publicada postumamente. 

Para saber mais detalhes da vida de Espinosa, recomendo: Baruch Espinoza Descomplicado: Biografia e Filosofia.

Conatus Descomplicado: O Conceito de Ser Humano

Para Espinosa, só existe uma Substância, que é uma unidade única infinita, infinitamente complexa e que possui infinitos atributos. A Natureza, que representa o todo, é a expressão imanente dessa Substância. Só existe essa substância e tudo o que conhecemos é uma manifestação imanente dela.

Imanente, aqui, significa “interno à algo”, “pertencente a si mesmo”. Dessa forma, A Substância única não gera a Natureza, ela é a Natureza. Da mesma forma, a Natureza é a Substância.

Entre os infinitos atributos da Natureza, existem a Extensão e o Pensamento, que formam o ser humano.

O Corpo Humano

O corpo humano é um modo finito do atributo Extensão. Ou seja, uma manifestação específica e única da Natureza. Por ser finito, significa que em algum momento esse corpo deixará de permanecer desse modo (seria o que chamamos de morte).

Como é fácil de observarmos, o corpo humano é um modo muito complexo porque é uma unidade estruturada formada por uma enorme variedade de corpúsculos que se relacionam equilibradamente entre si. Para compreender isso é só pensar a enorme quantidade de matérias duras (como os ossos), moles (como os tecidos) e fluidas (como o sangue) que compõem o corpo humano e como todas elas funcionam de forma harmoniosa (pelo menos, na maior parte do tempo) em nós.

Se não bastasse toda essa complexa estrutura, os corpos humanos ainda são dotados da capacidade de movimento e repouso, ou seja, podem escolher se mover ou ficar parados. Além disso, eles são capazes de relacionar-se com outros corpos, afetando-os e sendo afetados por eles.

A Alma Humana

A alma humana é uma manifestação – também finita – do atributo Pensamento.

É importante destacar que, para Espinosa, as palavras “alma” e “mente” possuem o mesmo significado. Logo, temos que esquecer aqui a ideia de uma existência extracorpórea – tal como na religião cristã ou na filosofia platônica.

Além disso, alma humana não possuiria faculdades – tais como raciocinar, imaginar, querer – ela é o próprio ato intelectual e volitivo.

Para ficar claro: é como se compreendêssemos agora que fazer matemática é o ato de somar, diminuir, multiplicar e dividir e não compreender que possuímos a matemática e, por isso, somos capazes de somar, diminuir, multiplicar e dividir.

A alma humana é o pensar do ser humano, é a atividade pensante.

Relação Corpo-Alma

Como dito anteriormente, só existe uma Substância, e o ser humano é uma manifestação individual dessa Substância formado pelos atributos Extensão e Pensamento. Porém, o ser humano não é uma dualidade porque corpo (extensão) e alma (pensamento) se expressa de forma conjunta e indissociável.

Existe uma relação imediata entre corpo e alma porque ambos são feitos da mesma substância (apenas em modos diferentes e atributos diferentes). Para tentar ilustrar isso, pense no sabor – que é uma combinação do paladar com o olfato: são dois sentidos diferente, que são afetados de forma diferentes, mas trabalham juntos para gerar o sabor de um alimento.

Uma grande novidade trazida por Espinosa é a compreensão de ausência de hierarquia entre corpo e alma. Como ambos são apenas manifestações diferentes da mesma Substância, não existe mais aquela compreensão de que a alma é superior ao corpo ou vice-versa. Ambos estão no mesmo patamar, e nenhum deve comandar ou ser comandado pelo outro.

“A alma é consciência da vida de seu corpo e consciência de ser consciente disso”

(CHAUÍ, 2001)

A alma não tem consciência, ela é consciência. E consciência de que? Daquilo que afeta ao corpo e daquilo que a afeta quando o corpo é afetado. 

Exemplo: quando meu corpo come um chocolate, minha alma tem consciência que eu comi um chocolate e também tem consciência do prazer sentido ao comer esse chocolate.

Para Espinosa, a alma é constituída de ideias e essas ideias surgem das diversas relações que o corpo dessa alma tem com outros corpos.

Com essa compreensão, também fica claro que a união entre corpo e alma humanos é inseparável e necessária. É impossível a existência da alma de forma independente do corpo.

Conatus Descomplicado: A Essência Humana

Espinosa dirá no seu livro Ética demonstrada à maneira dos geômetras que o conatus é a essência humana.

Mas o que é conatus? Conatus é “uma potência natural de autoconservação”, uma “força interna para permanecer na existência conservando seu estado” (Ibdem). Em outras palavras, conatus é a força que sentimos em querer ficar vivos, permanecer na existência.

Para o filósofo, todos os seres são dotados de conatus, mas apenas os seres humanos possuem consciência de que são dotados de conatus. Ou seja, somente nós temos consciência de que constantemente estamos nos esforçando para permanecer vivos. Os demais seres fazem isso sem perceber.

Como o conatus define a essência humana, não dizemos que possuímos conatus, mas que somos dotados de conatus ou simplesmente que somos conatus.

Como o conatus é uma força de autopreservação, Espinosa dirá que a morte não faz parte da essência do ser humano, apenas a vida. A morte seria algo externo a nós, algo que nos afeta de fora. Somos finitos, mas não queremos o fim, ele simplesmente chega por fatores externos a nós.

Apetite e Desejo

O filósofo dirá que o conatus do corpo se chama apetite e o conatus da alma se chama desejo. Dessa forma, quando desejamos algo ou queremos algo, o fazemos porque sentimos que isso é importante para a nossa autoconservação. 

Como corpo e alma atuam sempre juntos, tudo o que fazemos, fazemos de corpo e alma. Não existe isso de ter desejo na alma sem que o corpo também não queira. Da mesma forma, não existe isso de ter um apetite do corpo que a alma também não queira.

Se você está a fim de comer um hambúrguer, você o quer de corpo e alma. Seu corpo tem apetite dessa comida porque sente que isso lhe fará bem e sua alma também deseja esse hambúrguer porque sente que ele te fará bem. “Fazer bem” aqui não significa necessariamente “ser nutritivo” porque, talvez, nesse momento, você só quer o prazer da satisfação trazida por essa comida.

É a mesma coisa ao encarar um esporte radical como o bungee jump. Mesmo sendo algo que coloca sua vida em risco, é um risco calculado e a adrenalina gerada pelo salto fará bem para você. Se você sentisse que não daria certo o pulo, você não pularia de jeito nenhum.

Juntos na Paixão e na Ação

Como todos os seres possuem conatus, estamos constantemente em um “campo de batalha” pois nós e tudo ao nosso redor também está lutando para se autoconservar (mesmo não sabendo disso). Nessa batalha existencial, podemos ser passionais (quando algo nos afeta) ou atuantes (quando afetamos outros corpos).

Retomando o exemplo do bungee jump, somos atuantes quando pulamos e somos passionais quando alguém nos empurra. Da mesma forma, somos atuantes quando queremos fazer o salto e passionais quando o fazemos por pressão de amigos.

Aqui, a grande novidade de Espinosa é exatamente o fato de que corpo e alma são passivos juntos ou ativos juntos. O filósofo rompe com uma tradição anterior a ele de que o corpo é passional e a alma é atividade. Como se tudo o que sofrêssemos, sofrêssemos apenas no corpo e que a alma estaria “imune”.

Sabe aquele discurso de que “a carne foi fraca”? Ele não funciona para Espinosa porque se seu corpo fez algo é porque sua alma também desejava aquilo. Se não desejasse, o corpo não cederia. 

Logo, Espinosa critica a ideia de que o corpo é fraco e a alma é forte. De que o corpo é degenerado e a alma é pura. De que o corpo precisa ser mandado pela alma ou que a alma precisa mandar no corpo.

Conatus Descomplicado: Conclusão

Todos os seres humanos são dotados de conatus, que pode ser compreendido como essa força interior de querer ficar vivo e bem. Essa força se manifesta como apetite no corpo e como desejo na alma. Mesmo sendo modos de atributos diferentes, ambos atuam juntos – agimos sempre de corpo e alma. Por causa disso, não existe nem hierarquia nem separação entre corpo e alma. Somos um corpo e uma alma conscientes de que queremos permanecer na existência e lutando para isso acontecer.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Conatus Descomplicado: Referências

CHAUÍ, Marilena de Souza. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 2001 (Coleção logos).

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.