As Quatro Leis em Santo Tomás de Aquino Descomplicado: Filosofia do Direito

As Quatro Leis em Santo Tomás de Aquino Descomplicado: Filosofia do Direito

Olá, marujos! Hoje, explicaremos a teoria das quatro leis em Santo Tomás de Aquino de um jeito descomplicado. Após uma breve biografia do filósofo, vamos explicar seu conceito de lei e sua percepção da existência de quatro tipos de leis às quais os seres humanos estão submetidos. Buscaremos dar exemplos para ajudar na compreensão das ideias do filósofo. Vamos lá!

Sobre Santo Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino é considerado um doutor da Igreja devido às suas contribuições filosóficas e teológicas para a Igreja Católica. Ele também é o maior nome do período conhecido como filosofia escolástica.

Tomás nasceu em 1225 na Itália. Preparado pela família para ser um monge, preferiu seguir uma ordem mendicante.

Sua formação acadêmica começou desde cedo e logo mostrou aptidão para a filosofia e teologia. Passou sua vida como professor e escritor, servindo muitas vezes como consultor papal para assuntos da fé.

Sua maior obra é a Suma Teológica, onde apresenta de forma escolástica diversos temas sobre Deus, sua criação e os modos que a criação tem para chegar a Deus.

É dentro da Suma Teológica que estão os textos tomistas sobre as leis. Seu compêndio posteriormente ficou conhecido como Tratado da Lei.

O filósofo morreu em 1274.

Para conhecer mais a fundo a vida de Tomás de Aquino, acesse: Tomás de Aquino Descomplicado: Biografia e Filosofia.

As Quatro Leis em Santo Tomás de Aquino Descomplicado: Conceito de Lei

Santo Tomás de Aquino define lei como um ordenamento racional para o bem comum, promulgada pelo responsável pela comunidade.

Como o filósofo tinha uma base filosófica aristotélica, podemos observar que sua definição de lei contém as quatro causas (condição necessária para se definir alguma coisa, segundo Aristóteles). As quatro causas da lei são:

Causa Material – Ordenamento Racional (o conteúdo da lei parte da razão porque é a razão que possui a capacidade de regular e medir as ações);

Causa Formal – Promulgação (para que a lei tome um “corpo” e se apresente na realidade, ela precisa ser promulgada – senão, ficaria só na ideia);

Causa Eficiente – Responsável pela Comunidade (o responsável pela implementação da lei é o responsável pela comunidade – que pode ser Deus, um representante escolhido pelo povo ou o próprio povo em comum acordo);

Causa Final – O Bem Comum (assim, como já defendia Aristóteles, o fim último do ser humano é a felicidade, e para alcançar a felicidade individual é necessário também alcançar a felicidade dentro da comunidade).

Tomemos dois exemplos básicos:

“Não devemos matar outra pessoa sem motivos” – esse enunciado pode ser considerado uma lei pois está de acordo com a razão (não é racional tirar a vida de alguém sem motivos); foi estabelecida de alguma forma com o dever de ser cumprida; esse estabelecimento foi feito por alguém competente para tal coisa; e visa a preservação da vida das pessoas em uma sociedade.

“Todos devem se locomover apenas pulando na ponta dos pés” – esse enunciado não pode ser considerado uma lei porque não tem fundamento racional (é sem sentido); em nenhum lugar e por ninguém isso foi estabelecido; e sua prática não traz nenhum benefício à sociedade.

As Quatro Leis em Santo Tomás de Aquino Descomplicado: Os Quatro Tipos de Leis

Santo Tomás de Aquino irá concluir que existem quatro tipos de leis que regulam as ações humanas. São elas: Lei Eterna, Lei Natural, Lei Humana Positiva e Lei Divina Positiva.

A Lei Eterna

A lei eterna é criada pela razão divina e serve para ordenar toda a sua criação. Tudo o que foi criado possui um propósito e uma participação na ordem natural das coisas. Todo o funcionamento do universo está ordenado para funcionar bem, de acordo com a vontade de Deus.

É a lei eterna que garante o funcionamento correto do universo e rege todos os seres não vivos e irracionais. É a lei eterna que dá a ordem para as coisas não vivas existirem e interagirem de forma organizada (dentro daquilo que Deus propôs). É a lei eterna, através dos instintos biológicos, que garante as ações dos seres vivos irracionais, fazendo com que eles cumpram o seu papel na existência e convivam em harmonia entre si.

A lei eterna tanto ordem o mundo natural quanto o mundo sobrenatural. Além de eterna, ela também é imutável.

Essa é a primeira e mais importante lei. Todas as demais leis derivam dela e devem respeitá-la.

Exemplos de leis eternas: a força que faz a Terra girar e orbitar o sol da forma como orbita; o instinto dos animais de se acasalarem e procriarem sempre que estão no período fértil; o funcionamento do céu, inferno e purgatório.

A Lei Natural

A lei natural é a participação da lei eterna no ser humano. Em outras palavras, é a compreensão racional do correto modo de agir do ser humano enquanto vivo.

A lei natural é a responsável por guiar as ações morais do ser humano, ser terreno racional, enquanto está vivo. A lei natural foi impressa por Deus na razão humana.

Ela é temporal no sentido de que só nos serve enquanto vivos (a lei natural não nos interessa enquanto almas no céu ou no inferno, por exemplo). Mesmo assim, ela ainda permanece imutável: ou seja, ela é a mesma desde a origem da humanidade e permanecerá dessa forma até o fim da vida humana na terra.

Outro aspecto importantíssimo é que ela é a mesma para todos os seres humanos e todos eles são capazes de, naturalmente, através de suas razões, acessá-la e compreendê-la.

Segundo o filósofo, o primeiro princípio básico racional que todo ser humano compreende é que o bem deve ser buscado e o mal evitado. Esse princípio seria autoevidente.

Desse primeiro princípio, necessariamente derivariam alguns outros, chamados de secundários ou inclinações naturais. São eles: a preservação da vida (sua e dos demais seres humanos), a preservação da espécie (procriação ou defesa da procriação), a convivência em sociedade e a busca pelo conhecimento (em especial e em última análise, o conhecimento de Deus).

Dessa forma, todos os seres humanos buscam ou deveriam buscar seguir a lei natural.

Para o filósofo, o preceito primário (buscar o bem e evitar o mal) é algo feito de forma natural por todos os seres humanos. Ou seja, ninguém é capaz de buscar o mal ou evitar o bem. Isso vai contra qualquer lógica humana.

Contudo, o ser humano é capaz de agir contra os preceitos secundários (preservação da vida e da espécie, viver em sociedade e buscar o conhecimento) quando esses preceitos precisam ser aplicados na prática – em casos particulares – e a razão do sujeito está distorcida por algum vício, paixão ou má educação.

Conforme já deve ter ficado claro, a lei natural nada mais é do que a aplicação racional e consciente daquilo que seria a lei eterna.

Exemplos de leis naturais: noção de que é errado matar outra pessoa e não colocar a sua vida em risco à toa; querer ter filhos e ser contra aqueles que dificultam um casal de engravidar; respeitar as outras pessoas e querer ser respeitado; querer e poder se instruir / aprender aquilo que se tem vontade.

Exemplos de distorção da lei natural: defender a pena de morte acreditando que essa é a única alternativa para algumas pessoas; defender a esterilização de pessoas pobres porque elas não teriam condições de criar seus filhos e causariam um problema social; deixar o som alto, atrapalhando o sono do seu vizinho, porque foi apenas dessa vez e é o seu aniversário; ser contra políticas de inclusão de deficientes na escola porque seria perda de tempo para essas pessoas e geraria um alto custo financeiro para a sociedade.

A Lei Humana Positiva

A lei natural é composta de princípios gerais, como visto anteriormente. Porém, esses princípios não são suficientes para organizar todos os seres humanos. Ao longo da história, os seres humanos se agruparam em sociedades e precisaram desenvolver uma série de regras práticas para conviverem entre si e resolverem problemas quando do não cumprimento da lei natural.

Dessa forma, a lei humana positiva é esse conjunto de regras elaboradas pelos seres humano, dentro de uma sociedade, para conseguirem conviver entre si e atingirem o bem comum juntos.

A lei humana positiva também é temporal. Porém, diferentemente da lei natural, ela é mutável porque precisa se adequar à realidade de cada agrupamento social. Dessa forma, ela varia no tempo e no espaço.

As sociedades mudam e a lei humana positiva também muda. Por exemplo, se existia antes uma monarquia absolutista, as leis eram promulgadas pelo monarca; se essa sociedade muda para uma república democrática, agora as leis são promulgadas pelo seu presidente eleito pelo povo. Se antes existiam muitas terras sobrando e não se precisava criar regras para formalizar o que é de quem, agora isso se faz necessário para evitar brigas e apropriações indevidas.

Novamente, a lei humana positiva deve obedecer em primeira instância à lei natural e, em segunda instância, à lei eterna. Qualquer lei humana positiva que não faça isso seria ilegal.

Infelizmente, assim como o ser humano pode, devido a vários defeitos, descumprir os princípios secundários da lei natural; é ainda mais fácil, pelos mesmos defeitos, a criação de leis humanas positivas que não respeitem a lei natural e eterna.

Exemplos de leis humanas positivas: a constituição de um país; as leis municipais de uma cidade.

Exemplos de distorção da lei humana positiva: leis que permitiam a escravidão de seres humanos.

A Lei Divina Positiva

A lei divina positiva está contida na revelação de Deus ao ser humano. Em outras palavras, seriam os preceitos divinos contidos na Bíblia.

Segundo Santo Tomás de Aquino, a lei divina positiva foi a forma que Deus encontrou de garantir que o ser humano possa saber o que é o certo a ser feito já que, devido ao pecado original, teríamos uma certa tendência ao erro.

A lei divina positiva nada mais é que a lei natural revelada por Deus ao ser humano através dos escritores bíblicos ou do próprio Jesus. É como se Deus falasse “para não restar dúvidas, faz isso que vai dar certo no final”!

Além disso, a lei divina positiva também serve de bússola moral para garantir que o ser humano possa salvar a sua alma, encontrando a Deus face a face (felicidade máxima).

É interessante observar que a lei divina positiva toca em alguns pontos que a lei humana positiva não toca porque são muito específicos do indivíduo e não tem relação com a coletividade. Por exemplo, a lei divina positiva vai impor regras como dedicar dias à oração (algo não estabelecido na lei humana positiva, mas importante para a salvação da alma humana).

As leis divinas positivas não podem estar erradas porque vieram do próprio Deus, mas podem ser mal interpretadas ou aplicadas pelos seres humanos.

Exemplo de lei divina positiva: os dez mandamentos.

As Quatro Leis em Santo Tomás de Aquino Descomplicado: Obra e Comentários

Seguem a parte da Suma Teológica em que o Tratado da Lei está inserido e dois comentários à sua filosofia do Direito:

           

As Quatro Leis em Santo Tomás de Aquino Descomplicado: Conclusão

Santo Tomás de Aquino, como grande teólogo e filósofo, trouxe um conceito inovador de lei. Além disso, pode ser considerado um dos maiores representantes do jusnaturalismo (lei natural); lembrando, claro, que em última instância existe a lei eterna. Sua filosofia, mesmo sendo escrita na Idade Média, ainda tem muito a nos dizer sobre como devemos interpretar as noções de direito e justiça.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

GAUTÉRIO, Maria de Fátima Prado. O conceito de lei segundo Santo Tomás de Aquino. Âmbito Jurídico. Acessado em 03 mai. 2022.

SILVA, Lucas Duarte. A lei natural em Tomás de Aquino: princípio moral para a ação. Kínesis, Vol. VI, n° 11, julho 2014, p. 187-199.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.