Reflexão sobre Não Olhe para Cima: Negacionismo e Prioridades

Reflexão sobre Não Olhe para Cima: Negacionismo e Prioridades

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o filme Não Olhe para Cima. Nesse filme, três cientistas tentam convencer o governo dos EUA e sua população de que um meteoro está prestes a colidir com a Terra causando um impacto a nível de extinção; porém, esse trabalho se torna dificílimo devido a diversas politicagens e interesses capitalistas. Na reflexão, irei abordar o negacionismo, muito presente no filme, e também a definição de prioridades em nossas vidas. Teremos spoilers do filme! Vamos lá!

Reflexão sobre Não Olhe para Cima: Sobre o filme (COM Spoilers)

Não olhe para cima é um filme de comédia que estreou em dezembro de 2021 na Netflix.

O filme dividiu opiniões porque é tão caricato sobre a situação apresentada nos tempos atuais que chega a constranger a inteligência de alguns mais sensíveis, escrachando tudo de uma forma muito óbvia que pode irritar. Porém, considero isso legal porque possibilita atingir exatamente as pessoas que permitiriam que os fatos desse filme ocorressem se tudo fosse real ao mesmo tempo em que brinca com o absurdo o qual é pensar que tudo o que esse filme apresenta de fato poderia ocorrer nos dias de hoje!

O filme começa com Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), uma cientista doutoranda, encontrando um asteroide novo no espaço. Quando o seu orientador, o professor Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), faz os cálculos da trajetória do objeto celeste, descobre que ele irá colidir com a Terra em seis meses. Devido ao tamanho do asteroide, o impacto será fatal para todo a vida terrestre.

Assim que eles constatam isso, entram em contato com a NASA e o seu setor de prevenções desse tipo. Confirmados os cálculos, eles viajam até Washington D.C. para falar com a presidente Janie Orlean (Meryl Streep). Porém, a presidente não dá valor a situação porque está mais preocupada com a aprovação de sua indicação à suprema corte americana e esse tipo de notícia poderia ser negativa para sua imagem.

Sem o respaldo do governo, os cientistas tentam divulgar a notícia na mídia, mas não conseguem bons resultados porque não souberam fazer uma apresentação no estilo midiático.

Um tempo depois, a imagem da presidente é manchada com um escândalo sexual. Para tentar recuperá-la, ela resolve agir no problema do asteroide, criando uma enorme campanha de marketing pessoal nisso tudo. Os cientistas não gostaram da manipulação feita, mas pelo menos o problema seria solucionado. Seria…

Momentos após o lançamento da missão que destruiria o asteroide, o empresário Peter Isherwell (Mark Rylance), grande financiador da campanha da presidente, convence-a de cancelar a missão porque ele iria financiar outra missão que, em vez de destruir o asteroide, iria coletar seus minérios, os quais gerariam uma fortuna. O problema é que a missão de Isherwell era experimental e, se desse errado, não haveria salvação para Terra.

Diante da situação, começa uma campanha dos “olhem para cima”, os quais defendem uma medida emergencial e conclusiva, mas sem ganhos financeiros; e dos “não olhem para cima”, os quais defendem que a ação tardia será um sucesso, que ninguém precisa se preocupar e que o resultado trará vários benefícios para a população.

No final, os “não olhem para cima” acabam convencendo as pessoas de esperarem sua missão. A missão fracassa e a Terra explode.

Ironicamente, boa parte do alto escalão dos “não olhem para cima” foge momentos antes da Terra explodir, numa nave espacial que servia de “Plano B” caso a missão desse errado… Já os demais negacionistas (assim como todos os conscientes do problema) morrem!

Reflexão sobre Não Olhe para Cima: O Negacionismo e suas Consequências Nefastas

Entendendo o Negacionismo

Segundo a Wikipédia, negacionismo é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável.

Como a própria definição do termo já aponta, os negacionistas negam uma VERDADE. Ou seja, algo que já foi estabelecido como certo por um grupo respeitável desse assunto ou área.

Ao longo dos séculos, o ser humano já entendeu que boa parte daquilo que é estabelecido como “verdade”, especialmente quando se propõe uma “verdade absoluta” pode não ser exatamente esse fato 100% verificável e confiável; permitindo, assim, um questionamento dessa verdade.

A filosofia mesma, quando surgiu, surgiu com o intuito de encontrar a verdade. Porém, após milênios, os filósofos ainda estão na busca dessa verdade. Isso quer dizer que encontrar a verdade não é fácil (talvez até impossível).

O problema é que, inegavelmente, precisamos de algumas verdades para viver e conviver. Não dá para ser um cético radical, negando qualquer coisa como se ela fosse uma mentira ou ilusão.

Partindo desse pressuposto, a filosofia entendeu que podem existir verdades temporárias, que se fundamentam por um tempo e que depois, por vários motivos, podem mudar. Isso não quer dizer que a verdade não exista. Ela existe! Só não é rígida, ela se molda para se adequar à evolução da sociedade.

Da mesma forma, a ciência compreendeu que as verdades científicas não são absolutas, que a explicação que damos para os fenômenos são limitados pela razão humana e pelos instrumentos que dispomos no momento. Dessa forma, aquilo que é tido como verdade hoje pode não ser depois, com os conceitos mudando para se adequarem às novas descobertas.

Até mesmo as teologias, mesmo que considerem suas religiões as únicas verdadeiras, aceitam que a compreensão do divino e das verdades divinas podem passar por mudanças de interpretação já que o ser humano é falho e a mensagem pode ter sido mal interpretada…

Com tudo isso, pode-se ver que em nenhum momento as áreas do conhecimento existentes negam a possibilidade de se questionar a verdade. Esse não é o problema dos negacionistas. O problema é que eles NEGAM as verdades que eles não gostam, ignorando argumentos plausíveis, inventando falsos argumentos, manipulando argumentos estabelecidos e apelando para o sentimentalismo em vez da razão para justificar suas opiniões.

Não existe, dentre os negacionistas, uma sincera vontade de se encontrar a verdade. O que existe é um desespero em se justificar suas opiniões pessoais, custe o que custar. O negacionista é um ególatra (alguém que idolatra a si mesmo) porque se acha o dono da verdade e nega qualquer coisa que não está em acordo com a sua verdade.

Negacionismo como Perda da Confiança na Humanidade

Ao longo da história, sempre houveram negacionistas. Também houveram pessoas sérias que foram taxadas de negacionistas e que, depois, foi-se verificado que elas estavam certas. Porém, no passado, os negacionistas reais não conseguiam tanto poder de divulgação das suas teses malucas e as autoridades competentes possuíam muito poder e controle da informação.

Hoje, a facilidade ao acesso e divulgação de informação dificulta que pessoas sérias sejam caladas, mas permitem que muitos excêntricos consigam um lugar para propagar suas loucas teorias.

Para mim, o negacionismo é um sintoma da perda da confiança do ser humano na própria humanidade. Acredito que as pessoas veem tantas coisas erradas, tantas pessoas exemplares cometendo atos inimagináveis, que fica difícil acreditar naquilo que sai da boca de qualquer um…

Se antes, todas as áreas do conhecimento buscavam a verdade; hoje, vemos que muitos buscam, através dessas áreas, realizar interesses próprios. Com isso, o cidadão comum já não confia mais nas fontes de informação porque não sabe mais se aquele conhecimento produzido buscava a verdade ou apenas a ratificação de um ponto de vista com interesses envolvidos.

O que Esperar de uma Sociedade Negacionista

A cada ano, mais e mais escândalos ocorrem dentro de governos e/ou envolvendo autoridades e celebridades. A confiança que depositamos nas instituições e pessoas envolvidas nelas está minando.

O problema disso tudo é que, aos poucos, estamos beirando ao caos porque, se ninguém mais acreditar no que o outro diz como verdade, crendo apenas nas suas convicções próprias, ficará impossível a convivência.

A convivência em sociedade exige a estipulação de regras, normas, valores, costumes que criam uma identidade entre as pessoas. Se todos negam aquilo que se é proposto, a convivência é impossibilitada.

Sei que ainda não estamos nesse nível, mas a cada dia mais pessoas aderem ao negacionismo. A maioria começa com algo pequeno, com uma desconfiança leve; mas se isso for alimentando, vai criando uma rede de intrigas e uma manipulação social que logo torna essa pessoa alheia a qualquer verdade estabelecida, valendo apenas a sua verdade (ou melhor, a verdade que lhe convenceram através de manipulação a acreditar).

Pessoas inocentes estão sendo manipuladas para negar tudo o que ouvem e, por falta de estudos ou outras bases, acabam se tornando massa de manobra de interesses escusos de grandes negacionistas. Ou seja, ao se sentirem “libertadas” da manipulação de um lado, acabam se “escravizando” do outro!

Como Nos Salvar do Caos

Devemos voltar a considerar os sentimentos e emoções como fontes questionáveis de verdade.

Devemos confiar que o conjunto da humanidade quer o bem dela e não o contrário.

Devemos ser pessoas críticas em todos os aspectos, tanto para as informações que afirmam, quanto para as informações que negam.

Devemos querer a verdade acima de tudo, até mesmo dos nossos próprios interesses ou vontades.

A humanidade precisa voltar a acreditar no poder da razão humana como fonte de verdade.

Reflexão sobre Não Olhe para Cima: Quais são suas Prioridades

Um outro tema, talvez não tão evidente do filme, foi uma reflexão sobre prioridades. Destaco três personagens e seus momentos:

1. A presidente Janie tinha como prioridade o poder.

Quando o caso do asteroide lhe foi apresentado, ela ignorou porque considerou que aquilo causaria uma crise e mancharia seu governo às vésperas da escolha do seu candidato à suprema corte. Quando os escândalos sexuais dela vazaram, ela retomou o tema do asteroide para mudar o foco das notícias e, com isso, conseguir força para o seu candidato.

Nesse exemplo, vemos que aquele que está no poder, muitas vezes só quer mais poder. O poder pelo poder não é nada se não for utilizado. A utilização do poder é que vai nos dizer se essa pessoa é digna ou não do poder.

Infelizmente, muitos dos nossos políticos não estão no poder para servir ao povo, mas para servir a si mesmos. Enquanto a prioridade dos políticos forem eles mesmos e não o povo, viveremos sempre com problemas sociais.

2. O empresário Peter tinha como prioridade o dinheiro.

Peter já era um dos caras mais ricos do mundo. A princípio, ele não precisava de todo o dinheiro em minério que o asteroide poderia lhe dar. Mesmo com seus dados apontando que a China estava controlando aos poucos a maioria das reservas, nada justifica cancelar uma missão segura que destruiria o asteroide para tentar uma missão alternativa que só funcionava em teoria, mas era desprovida de qualquer experimentação prática.

A ganância de Peter fez com que todo o mundo pagasse o preço. Ele, como um dono de redes sociais, que conseguia prever várias coisas do futuro, sabia muito bem dos riscos da sua aventura. Tanto é que ele construiu o foguete para fugir como plano alternativo. Se ele confiasse totalmente no seu projeto, não desperdiçaria dinheiro no planejamento de uma fuga.

A função social das empresas passa por promover a dignidade da pessoa humana e a justiça social. Ela as realiza oferecendo bens e serviços a um preço justo e trabalhos dignos, assim como com o pagamento devido dos impostos e respeito às leis. Contudo, não é isso que vemos em muitas empresas multimilionárias.

A busca do dinheiro pelo dinheiro não significa nada. O dinheiro existe para ser usado. Quando usado de forma justa, promove o bem. A acumulação pela acumulação gera desigualdade. Que os empresários tenham consciência do seu papel na sociedade e aprendam a respeitar aqueles que não conseguiram o sucesso como eles conseguiram.

3. O astrônomo Dr. Randall tinha como prioridade a si próprio.

Dr. Randall começa o filme como um cara desajeitado e cheio de doenças (físicas e psicológicas). Porém, cai nas graças da mídia e se torna o “garoto propaganda” das campanhas pró-governo, tanto no primeiro momento (quando a ideia era destruir o asteroide), quando no início do segundo momento (quando a ideia era extrair os minérios do asteroide).

O problema não foi ele assumir essas funções, mas a forma como ele mudou de postura com relação aos seus amigos e família depois da fama. Ele começou a defender cegamente o discurso do governo, mesmo vendo evidências científicas contra o que estavam fazendo; ele começou a trair sua esposa, ficando com uma apresentadora de TV aventureira em vez da sua mulher “banal”.

Quando tudo começou a sair do controle, ele felizmente percebeu a tempo que havia abandonado seus valores e princípios para se embrenhar em uma vida de aparências. Arrependido, conseguiu o perdão da família e amigos, estando com quem verdadeiramente importava nos seus últimos momentos de vida.

Em nossas vidas, sempre tivemos o apoio de algumas pessoas, especialmente família e amigos, quando as coisas estão mal. Porém, é muito comum negligenciá-los quando tudo está bem, e preferimos ficar ao lado de pessoas “mais legais”, “descoladas” e diferentes de nosso círculo pessoal. Queremos experimentar o novo e ignorar o passado, esquecendo que foi graças ao passado que estamos aqui hoje.

Vendo o filme, lembrei muito daqueles homens e mulheres que não cuidam de suas aparências enquanto casados e, após uma separação que envolve esse motivo, resolvem fazer dietas, exercícios e e tratamentos para ficarem lindos e maravilhosos para esfregar na cara do ex. Eu me pergunto: porque não fez isso antes? Porque não se cuidou enquanto era casado já que isso era importante para o outro? E não vale o argumento de “isso não era prioridade ou importante para mim” porque foi a primeira coisa que o recém solteiro corrigiu após a separação!

Dr. Randall só pensou em si mesmo quando tudo estava bem. Sua atitude foi muito egoísta. Ele acabou “se contaminando” ou até mesmo “deixando aflorar” um lado seu desconhecido. Muitas vezes isso acontece, esse deslumbramento.

Que bom que ele se conscientizou a tempo e que mais pessoas possam seguir seu exemplo sem precisar esperar a extinção da vida terrestre!

Reflexão sobre Não Olhe para Cima: Conclusão

Não Olhe para Cima traz muitas outras reflexões transmitidas de forma hilária e escatológica. Hoje, nessa reflexão sobre Não Olhe para Cima, priorizei os dois pontos que mais se destacaram para mim. Torço para que consigamos retomar o controle em breve e acabemos com essa onda de negacionismo que vem causando muito mal para nossa sociedade, dividindo opiniões e esforços na busca pela verdade. Também torço para que aprendamos a dar as devidas prioridades para aquilo que é prioritário, e tenhamos a humildade de reconhecer nossos erros caso eles ocorram.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.