Reflexão sobre Milagre na Cela 7: Injustiça e Solidariedade

Reflexão sobre Milagre na Cela 7: Injustiça e Solidariedade

Olá, marujos! A reflexão de hoje é sobre o filme Milagre na Cela 7. Esse é um filme bem comovente, que trata de questões delicadas como pena de morte, deficiência intelectual, regime autoritário de governo, vida na penitenciária. Vamos abordar esses temas, refletindo sobre a forma como essas questões foram apresentadas no filme. O artigo terá spoilers, inclusive do final. Então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Milagre na Cela 7

Milagre na Cela 7 é uma refilmagem turca de 2019 de um filme sul-coreano de mesmo nome. No Brasil, o filme está disponível na Netflix.

A história gira em torno de Memo (Aras Bulut İynemli) e sua filha pequena Ova (Nisa Sofiya Aksongur). Memo é uma pessoa com deficiência intelectual e trabalha como pastor de ovelhas na fazenda de sua avó Fatma Nene (Celile Toyon). Todos levavam uma vida simples e tranquila até um acidente trágico complicar a vida da família.

Memo estava no lugar errado e na hora errada, e acabou vendo a filha de um comandante cair de um penhasco e morrer. Memo tenta resgatá-la, mas ela já estava morta. Como, a princípio, ninguém viu a cena, Memo foi considerado culpado por ter assassinado a garotinha.

Como o comandante quer vingança, ele “mexe os pauzinhos” para que Memo seja condenado à pena de morte e que sua execução seja o mais rápido possível.

Enquanto aguardava o julgamento e cumprimento da sentença, Memo vai para a penitenciária, e fica na cela 7 junto com outros presos.

No começo, os presos achavam que Memo era culpado e quase o mataram lá mesmo. Contudo, com o tempo, eles percebem que Memo não tinha condições psicológicas para cometer aquele tipo de crime. Dessa forma, começam a tratá-lo de forma digna e tentam dar um jeito de aliviar o seu sofrimento.

Durante uma visita de Ova à cela 7, descobrem que existia uma testemunha que inocentava Memo. Com isso, começa uma corrida para achar a testemunha. Além disso, começa uma briga de interesses com o comandante, que prefere mais um culpado do que a verdade.

Reflexão sobre Milagre na Cela 7: o que é Justiça?

O comandante militar queria justiça pela morte prematura de sua filha. Isso é algo que todos concordamos. Conduto, ele considera que justiça é fazer alguém sofrer a mesma dor sofrida pela vítima. Mesmo quando ele descobre que Memo não era culpado, que havia sido um acidente, ele precisa fazer alguém sofrer para que ele possa se sentir vingado. Será que esse comandante realmente queria justiça? O que resolveria matar Memo, mesmo ele sendo culpado?

Responder o que é Justiça é uma das tarefas da filosofia, mais especificamente no campo da Ética e da Política. Isso porque podemos pensar tanto na justiça de uma pessoa (o que faz alguém justo ou injusto), quanto na justiça de um governo (o que faz um governo ser justo ou injusto).

Uma concepção clássica da justiça é “dar a cada um o que lhe é devido”. Nessa concepção, tanto quem faz coisas boas merece coisas boas, quanto quem faz coisas ruins merece coisas ruins. Um exemplo histórico da prática dessa proposta era a lei de talião, o famoso “olho por olho, dente por dente”: nessa proposta, cada crime é punido com uma pena igualmente proporcional. Logo, se você mata, sua pena é morrer.

Por outro lado, podemos trazer a concepção de Platão de justiça: “justiça é promover o bem, tanto do indivíduo, quanto da comunidade política em que ele está inserido” (BERNOULLI, 2020). Dessa forma, observamos que um crime não deve ser exatamente punido, mas deve ser feito algo para que seja alcançado o bem naquela pessoa, na pessoa que foi prejudicada ou seus familiares, e da comunidade como um todo.

Essa compreensão de justiça como promoção do bem ainda é, de certa forma, o critério que determina a elaboração da maioria dos códigos penais atuais, inclusive do Brasil. Entretanto, na prática, não é isso que vemos ser cumprido. Mesmo a lei dizendo que aquilo que é proposto visa o bem, as pessoas querem retaliações.

Uma vez, eu ouvi uma história de que a pena de morte existia no Brasil imperial. Conduto, depois de uma execução, descobriu-se que o réu era inocente. Diante desse constrangimento, o imperador Dom Pedro II aboliu a prática da pena de morte porque, segundo ele, essa é uma pena irreversível. Mesmo sendo lenda, essa história mostra algo muito importante que é a presunção de inocência do réu e a preocupação em não se cometer injustiça, ou seja, praticar o mal à alguém.

Voltando ao filme, o cumprimento da pena de morte impedia a chance de comprovação de inocência de Memo. Se ele fosse condenado à prisão perpétua, por exemplo, havia chance de, em algum momento, a testemunha aparecer ou um advogado conseguir anular o julgamento. É claro que no filme tudo foi manipulado para que se tivesse alguém a quem culpar, mas o que quero destacar é a falta de chance de mudar, de reverter a situação.

A Divisão dos Poderes como Forma de Alcançar a Justiça

Aqui, a gente entra em outro problema que é o regime autoritarista na Turquia naquele momento histórico específico. O filósofo Montesquieu vai propor a separação dos poderes de um Estado em Legislativo (criação e anulação de leis), Executivo (execução das leis) e Judiciário (julgamento dos problemas causados pelo descumprimento das leis) exatamente para evitar o que ocorreu no filme.

O fato de alguém, ou algum grupo, controlar todos os poderes de um Estado faz com que ele consiga legislar em causa própria e não para o bem da sociedade e dos cidadãos. Não estou dizendo que um Estado autoritário vai fazer isso ou que um Estado em que a divisão acontece é totalmente justo, mas essa divisão real ajuda e evitar a injustiça. No exemplo do filme, fica claro que existe uma intervenção, uma manipulação em todo o processo de julgamento e condenação de Memo, que poderia ser evitado se houvesse independência real dos poderes.

Outra colocação importante de Platão sobre justiça foi que o Estado justo forma pessoas justas, e pessoas justas foram Estados justos. Logo, existe uma interdependência entre cidadão e Estado no que tange à prática da justiça. Por isso, não é tão simples criar, executar e fazer cumprir leis justas. Às vezes, quem está no poder pode não ser justo porque aprendeu a ser injusto em uma sociedade injusta. É o chamado ciclo vicioso, que precisa ser quebrado em algum momento e substituído por um ciclo virtuoso.

Reflexão sobre Milagre na Cela 7: Solidariedade onde menos se Espera

Curiosamente, o local público (no sentido de fora do seu lar) em que Memo foi melhor tratado foi na cadeia, em especial na sua Cela 7.

Claro que isso não foi desde o começo; ao contrário, Memo quase morreu porque os demais prisioneiros o espancaram ao saber que ele era um assassino de criança. Isso mostra que dentro de todos nós existe um impulso em querer punir na mesma proporção quem comete um mal. É curioso que a maioria dos presos são religiosos fervorosos, a todo momento rezando e recitando passagens do Corão. Isso nos remete a muitos religiosos que pregam um Deus misericordioso, que perdoa todos os pecados dos arrependidos, mas que na sua prática quer punições severas para criminosos e não acredita que essas pessoas podem mudar.

Voltando ao filme, depois de um tempo, os presos percebem que Memo não é mal, mas alguém com deficiência intelectual. Essa oposição que fiz entre mal e deficiência intelectual foi proposital, apenas para expor como era a visão daquelas pessoas: antes, acreditavam que o modo de falar e agir poderia ser um resultado da surra que ele levou no quartel; depois, viram que aquele era o jeito dele. E mais: perceberam que sua mentalidade era semelhante a de uma criança. Isso serviu para lhes mostrar que Memo não tinha cometido um assassinato.

O comandante militar, se tivesse ouvido o que as pessoas falaram de Memo, se tivesse observado que o seu jeito peculiar era devido a sua deficiência, teria mais compaixão. Porém, ele só via alguém estranho, não reconhecendo que Memo era diferente das outras pessoas.

Voltando à cela 7, vimos que aqueles presos se tratavam como amigos, quase uma família. É bem interessante ver isso para quebrar o paradigma de achar que todo o criminoso é malvado ou não tem coração. Todos os que estavam lá eram culpados, fizeram coisas erradas, mas não deixaram de ser seres humanos.

Os presos da cela 7 se arriscaram e se sacrificaram para poder ajudar Memo a encontrar sua família e fugir de uma condenação injusta. De onde menos se esperava, veio a solidariedade.

A ideia da lei de execução penal, pelo menos a do Brasil, tem como premissa lembrar que todo condenado não deixou de ser um ser humano, e que a sua pena deve ser cumprida de tal forma que ele possa se ressocializar. Se lembrarmos que justiça significa promover o bem, a execução da pena deve buscar extrair algo de bom dos criminosos, para que, de alguma forma, eles possam promover o bem para a sociedade em um futuro e, aí sim, compensando o erro que cometeram.

Reflexão sobre Milagre na Cela 7: Conclusão

Milagre na Cela 7 nos faz refletir questões muito delicadas. Temos tendência em simplificar as coisas, apontando o certo e o errado, o bom e o mal como se esses conceitos fossem simples de serem explicados. O filme nos mostrou que não é porque alguém foi condenado que ele é necessariamente culpado. E mesmo sendo culpado, não é necessariamente mal. Todos merecem novas chances de corrigirem seus erros e devemos querer uma justiça que promova o bem para todos.

E aí? O que mais podemos refletir sobre Milagre na Cela 7? Deixa nos comentários! Gostou dessa reflexão sobre Milagre na Cela 7? Compartilha com seus contatos. Quer sugerir outros temas para o blog? Entra em contato comigo.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

Coleção Ensino Fundamental 8° ano. Belo Horizonte: Bernoulli Sistema de Ensino, 2020. 84 p.: il. (Volume I)

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.