Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre a série How to Get Away with Murder. Essa série já existe a alguns anos, mas se popularizou recentemente através da Netflix. A série basicamente fala de assassinatos, julgamentos de assassinos e a vida pessoal de uma advogada e seus alunos que defendem principalmente acusados de homicídio nos tribunais. A reflexão focará na parte ética e jurídica do tema, mais precisamente o fundamento do direito à defesa de qualquer ser humano (culpado ou não) e se é certo ou errado defender criminosos. Não teremos spoilers da série, então podem ler o artigo sem preocupações. Vamos lá!
Sobre How to Get Away with Murder
How to Get Away with Murder, também conhecida pelo seu nome em português Como Defender um Assassino, é uma série americana lançada em 2014 e concluída em 2020, com um total de seis temporadas. A série era exibida no canal ABC nos EUA. No Brasil, ainda passa nos canais Sony (fechado), Globo (aberto) e Netflix (streaming).
Nós acompanhamos o trabalho de Annalise Keating (Viola Davis), uma famosa advogada e professora de direito penal da Filadélfia. Em suas aulas, são examinados casos reais, em que ela está trabalhando. Para auxiliá-la, ela sempre escolhe um grupo de alunos como estagiários. Naquele ano, os escolhidos são Wes Gibbins (Alfred Enoch), Connor Walsh (Jack Falahee), Michaela Pratt (Aja Naomi King), Asher Millstone (Matt McGorry) e Laurel Castillo (Karla Souza).
O dia a dia dos personagens era frequentar a faculdade (assistir ou dar aulas), se reunir no escritório de advocacia (para preparar os casos) e ir aos tribunais (para os julgamentos). Contudo, as coisas se tornam confusas e surpreendentes quando todos se envolvem em um assassinato!
Os cinco alunos de Keating matam acidentalmente uma pessoa e precisam se livrar das provas. Annalise se sente responsável por eles e decide ajudar, contribuindo com sua experiência profissional para eliminar todos os indícios de que os alunos são os culpados. Ao mesmo tempo, a polícia e a promotoria estão em uma investigação minuciosa, porque suspeitam do envolvimento da professora e seus alunos (mas ainda não possuem evidências).
Reflexão sobre How to Get Away with Murder: Direito Natural x Direito Positivo
Uma das áreas da Filosofia é a Filosofia do Direito, que tem como uma das suas preocupações estudar o fundamento racional das leis, para entender como surge uma lei e se ela é justa ou injusta.
Uma das bases mais importantes para fundamentar uma lei é o direito natural. Direito natural (ou jusnaturalismo) foi uma concepção desenvolvida pelos filósofos contratualistas, que se preocuparam em encontrar os fundamentos da sociedade, e, consequentemente, das leis que regem essa sociedade. Um dos mais importantes contratualistas foi John Locke, filósofo inglês que se destacou nas áreas de Política e Epistemologia e é um dos fundadores do Liberalismo Clássico.
Para Locke, todos os seres humanos já nascem com direitos fundamentais, tais como o direito à vida, à liberdade e à propriedade privada (tanto do seu próprio corpo, quanto daquilo que ele produz com suas mãos). Sendo assim, a função do Estado e da sociedade é garantir o cumprimento desses direitos fundamentais. Baseando-se nisso, o direito positivo (ou seja, as leis criadas pelos seres humanos) devem preservar, garantir e respeitar o direito natural de todo indivíduo.
Dito isso, a resposta para a pergunta “um assassino merece defesa?” é “sim!”. Essa concepção moderna de direito natural é a base da democracia moderna, em que todos somos inocentes até que se prove o contrário. Por isso, se alguém é acusado de homicídio, essa pessoa tem o direito de ser defendida. Ela só terá o seu direito natural reduzido se for comprovado que ela reduziu o direito natural de outra pessoa.
Quem acompanha a série verá que a responsabilidade de se provar o assassinato é da promotoria (órgão público que acusa uma pessoa de um crime que afeta toda a sociedade). O advogado de defesa tem a missão de apresentar um álibi do suspeito (provar que ele não poderia ser o assassino, por exemplo, provando que ele não estava na cena do crime); contestar as provas e/ou as testemunhas (mostrando, de alguma forma, que a prova não prova nada ou que a testemunha está equivocada ou não é confiável); ou apresentando (com provas) um outro suspeito (teoricamente, ninguém pode ser condenado se não existe certeza se ela cometeu o crime).
Por mais que a teoria seja simples, veremos que as coisas não são tão honestas quanto parece. Muitas vezes, a promotoria “força a barra” para conseguir uma condenação e o réu, às vezes inocente, acaba sendo condenado porque não teve o seu direito a uma boa defesa garantido.
Outra função do advogado de defesa é conseguir uma pena justa para seu cliente. Isso também está de acordo com o direito natural: ninguém deve pagar mais do que deve por um crime. Senão, o criminoso se torna uma vítima da justiça, um injustiçado!
Reflexão sobre How to Get Away with Murder: A Ética no Tribunal
Outro ponto interessante da série é a discussão ética, ou seja, a discussão sobre agir de forma certa ou errada para se atingir um objetivo. Podemos dizer que, na série, o princípio ético seguido por todos (seja a acusação, seja a defesa) é “os fins justificam os meios”!
Essa concepção ética que privilegia o resultado do que os meios executados para isso foi concebida na política de Nicolau Maquiavel, o qual defendeu que o governante deve fazer de tudo para se manter no poder. Reparem que, na sua concepção original, esse tipo de ética não era uma ética, na verdade era uma negação da ética, porque, segundo o filósofo, na política não existe bem e mal, certo e errado, mas apenas resultado.
Sendo assim, a concepção de que vale tudo para se ganhar um disputa jurídica já é, na sua base, um pensamento antiético. Por mais que seja por uma boa causa, todo o esforço é em vão se o modo como isso foi obtido era inadequado. É por isso que, legalmente, não se pode arrancar uma confissão por tortura.
Mas aí você deve estar pensando: se meu adversário estiver usando métodos inadequados para ganhar, eu sou “obrigado” a agir da mesma forma, senão eu estarei em desvantagem. A resposta é: um erro não justifica o outro. Na série, Annalise decide ajudar seus alunos porque acredita que foi um acidente e a pessoa que morreu era culpada de um assassinato. Conduto, um assassinato não justifica outro, a não ser que aquele país tenha pena de morte e essa realmente seja a última alternativa (pelo bem maior da sociedade). E, claro, passando por todo um processo legal que vai comprovar o crime e decidir se essa é a pena justa.
Outra questão ética interessante que aparece também é se o advogado deve aceitar alegar inocência de um cliente que se declarou no particular culpado. Legalmente falando, o advogado deve dizer perante o juiz o que o seu cliente alegar ser. Para que o advogado não se sinta obrigado a declarar inocência de alguém que ele sabe ser culpado, existe a “alegação de razões de consciência” para o advogado abandonar o caso. Sendo assim, defender alguém que você sabe ser culpado pode implicar em cumplicidade. Conduto, isso não é consenso no meio jurídico, porque se o réu só é culpado após passar por um processo legal, o advogado não deve aceitar como verdade de fato a declaração do seu cliente e ir a julgamento se atendo apenas às provas.
Veja que essa questão é muito sutil porque se mistura o direito do réu com a consciência do advogado. Bom seria se um réu culpado admitisse a culpa e aceitasse o julgamento apenas para minimizar a pena, e não tentar alegar inocência. Isso facilitaria bastante o trabalho do advogado de defesa, de acusação e da justiça… kkkkk. Mas, infelizmente, as ações humanas não seguem padrões e, por isso, não dá para estabelecer um consenso sobre isso. É por isso que existe o debate ético! 🙂
Como disse Annalise Keating: “Não existe verdade no tribunal. Existe apenas a sua versão do que aconteceu versus a deles. É dessa forma que o sistema judiciário funciona. Não é o que é certo e o que é justo, é quem conta a história mais convincente”.
Conclusão
How to Get Away with Murder definitivamente prova que vida de advogado não é fácil. Quem acha que é tudo um glamour, está muito enganado. Existe, infelizmente, muitos “esquemas” por trás dos panos e nem sempre a justiça consegue fazer justiça. De qualquer forma, uma coisa que não se pode negar é a importância dessa profissão e a sua essencialidade para preservação dos direitos naturais das pessoas. Obrigado a todos os advogados que se esforçam diariamente para que a justiça seja feita!
E aí? Como você agiria sendo advogado? Seria do tipo vale-tudo para vencer ou colocaria limites nas suas ações? Deixa aí nos comentários! Conhece alguém que gosta da série ou da área do direito? Compartilha esse artigo com ela! Quer sugerir algum tema para o blog? Entra em contato comigo!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!