Uma reflexão sobre Divergente: em busca da sociedade ideal
Olá, marujos! Hoje vamos fazer uma reflexão sobre o filme Divergente. Esse filme ficou bem popular na época que estreou, tentando pegar carona no sucesso “Jogos Vorazes”, mas suas continuações não tiveram o mesmo fôlego e acabou tendo a sua última parte da franquia cancelada. De qualquer forma, o primeiro filme é o mais impactante e faz uma boa discussão sobre política, sociedade e natureza humana. Então, vamos lá debater um pouco!
Sobre Divergente (2014)
A história do filme se passa em um futuro distópico pós-guerra, que arrasou o mundo. A cidade de Chicago, nos EUA, conseguiu se reerguer sendo “re-fundada” por um grupo o qual acreditava que a paz reinaria se as pessoas pudessem seguir uma vida pública baseada em suas maiores virtudes.
A cidade é dividida em cinco facções. A Erudição é a facção que valoriza a lógica, o conhecimento, a razão. Sua função na cidade é desenvolver o conhecimento tecnológico e científico. A Franqueza é a facção que valoriza a honestidade, a verdade, a justiça. Sua função é julgar os problemas da sociedade, buscando sempre a verdade. A amizade valoriza a paz, a harmonia, a benevolência. Sua função é cuidar da terra, nas fazendas, garantindo a produção de alimento na cidade. A audácia valoriza a coragem e a bravura. Sua função é proteger os habitantes da cidade, garantindo sua segurança (tanto de problemas externos, quanto de internos). A abnegação é a facção que valoriza o desprendimento, a solicitude, a caridade. Sua função é governar a cidade. Existem pessoas que não possuem nenhuma dessas características e ficam alijadas da sociedade, tornando-se os “sem facção”.
Beatrice Prior (Shailene Woodley) é uma jovem de 16 anos que nasceu na abnegação. Ela está prestes a decidir para qual facção ir definitivamente. Nas vésperas da escolha, ela passa por um tipo de teste vocacional o qual indica que ela é uma divergente, ou seja, que ela tem aptidões para mais de uma facção. Nessa sociedade supostamente perfeita, isso é um problema, porque os divergentes são pessoas autônomas, que não se submetem a regras. Por esse motivo, ela esconde o resultado do teste.
No dia da escolha, ela opta pela Audácia, que ela sempre admirou desde criança. Quando começa seu teste de iniciada, descobre que a vida na Audácia não é fácil e precisa se superar a cada dia para literalmente sobreviver ao treinamento. Ao longo das etapas, ela e seu instrutor Quatro (Theo James) se aproximam e se apaixonam. Durante o desenrolar dos acontecimentos, Quatro também se revela um divergente.
Quando a agora Tris (novo nome que Beatrice se deu) finalmente passa no teste e se torna um membro efetivo da Audácia, ela se vê imersa em um plano conjunto da Audácia e da Erudição para tomar o poder na cidade:
Os membros da Audácia ficaram sob efeito de uma droga de controle mental e começaram a atacar a Abnegação. Apenas os divergentes não são afetados. O problema é que quem se revela divergente é executado pelos líderes da facção. Tris e Quatro, com muita dificuldade, conseguem atrapalhar os planos da Audácia e Erudição, mas acabam fugindo para proteger suas vidas.
Uma reflexão sobre Divergente: as cinco facções e o ideal de sociedade
A proposta de facções tem um objetivo nobre que acredito que todos nós buscamos: a paz perpétua da sociedade e a felicidade geral. A solução encontrada foi subdividir os moradores conforme suas virtudes, nesse caso, suas características mais marcantes.
É interessante perceber que existe um entendimento de que a sua vida particular, sua personalidade, deve ser necessariamente aproveitada na sua vida pública. A facção que você escolhe também será a função que você desempenhará na cidade. O objetivo é relativamente simples: você trabalha onde você é melhor. Nesse pensamento, todos ganham. Você trabalhará feliz, em algo que você gosta. E a cidade será melhor, porque o seu desempenho será sempre acima da média.
Essa proposta de divisão da cidade em funções não é nova. Platão, no seu livro República, já havia proposto isso no lugar de uma democracia. Para ele, nem todos têm aptidão para todas as funções. Logo, a cidade seria prejudicada quando alguém que não é apto a uma função acaba desempenhando-a. Por isso, as pessoas deveriam assumir funções específicas de acordo com as suas características pessoais (que, em sua filosofia, estava relacionada as partes específicas da alma humana).
A questão a ser debatida aqui é se realmente conseguimos ignorar aquilo que é feito pelas outras facções e nos preocuparmos apenas com o nosso grupo. Teoricamente, se eu sou da Audácia, minha única preocupação deveria ser a proteção da cidade. Eu deveria ignorar qualquer problema que não estivesse relacionado a isso, como, por exemplo, como anda a produção de alimentos ou quais pesquisas científicas estão sendo feitas. É o famoso “me fechar no meu mundinho”.
Com certeza é muito mais prático você se preocupar apenas com os seus problemas. Especialmente se, teoricamente, existem pessoas mais competentes que você para resolver os demais problemas de uma sociedade. Por isso, a questão aqui não é se você vai se meter a fazer, e sim se você vai se meter para entender o que está acontecendo nas outras facções.
Vivemos em uma sociedade globalizada em que todos os assuntos afetam os demais. A agricultura depende da ciência, e vice-versa. A polícia depende da justiça e vice-versa. E podemos ficar aqui horas citando as relações entre áreas de uma sociedade. Nesse aspecto, ser divergente é não ser “bitolado”, alheio aos problemas que nos circulam, às questões que permeiam todos os aspectos da sociedade em que vivemos e que invariavelmente irão nos afetar.
Aristóteles, discípulo de Platão, percebeu que apenas uma divisão mecânica da sociedade não resolveria seu problema. O cidadão não poderia ficar fechado em seu “mundinho”, ele precisava entender o que estava acontecendo de forma macroscópica. Por esse motivo, o estagirita defendeu a tese de que o importante não é a forma de governo ou organização da cidade, e sim a formação política de seus cidadãos. Se os cidadãos são bem formados e engajados politicamente, a sociedade prosperará independentemente da forma de governo. A forma de governo deve apenas atender um anseio dos cidadãos e não moldar quem é e como deve se comportar seus membros.
Uma reflexão sobre Divergente: a natureza humana e sua divergência
O argumento defendido pela vilã do filme, Jeanine Matthews (Kate Winslet), é simples e ao mesmo tempo complexo: a natureza humana é um problema. Sua instabilidade provoca discórdias que resultam em guerras. Para que aja a paz é necessário moldar os seres humanos para que eles sigam regras e se adéquem a formatações sociais pré-definidas. Suas características mais destacadas devem ser maximizadas ao ponto de serem as únicas, retirando toda a capacidade de desvio para outras questões que não sejam do escopo de sua virtude.
Jeanine é a personificação do sentimento de querer tanto uma coisa que lhe parece o melhor, a solução para todos os problemas, que ela não consegue perceber as demais questões ao seu redor. É curioso perceber que ela pertence à Erudição, logo, sua postura mostra como a busca da solução mais prática, a mais lógica, não significa ser a melhor. Ao “ficar cega” às demais virtudes, ela não consegue perceber o problema que ela está causando para a própria estabilidade da sociedade que ela diz se protetora.
Aqui, entramos na questão da divergência. Será que realmente a maioria de nós temos vocação para apenas uma das facções, ou será que na verdade escolhemos propositalmente ignorar as demais virtudes e focar em apenas algumas específicas para vivermos uma vida mais tranquila?
Uma vida de divergente significa ter que se preocupar com o todo, e não com a parte. Significa mais responsabilidade, não só no fazer, mas também no refletir. Se, ao pensar exclusivamente na sua facção, você se despreocupa dos demais problemas; como divergente, você assumirá todos os problemas como seus problemas. E isso é uma carga que nem todos querem suportar.
Ser divergente não pode ser compreendido como alguém melhor, mas sim, como alguém necessário. Precisamos de pessoas que tenham o poder de observar a problemática da vida de forma ampla, com suas interconexões, percebendo os fios de ligação que unem a sociedade e fazem um todo coeso. O divergente é aquele que melhor entende a sociedade porque compartilha das preocupações de todos os grupos. Ele tem abertura, conhecimento e vocação para interpretar a vida social.
Dito isto, vemos que nem todos precisam ser divergentes. O importante é perceber o valor da divergência, e sua função estratégica na sociedade. Diferente da visão negativa, que o divergente é um rebelde, que não obedece a ordens; o divergente é aquele que entende tudo o que está por detrás de uma ordem. Ele obedecerá àquelas que são benéficas para todos e não só para uma pessoa, ou grupo.
Se na sociedade ideal de Platão, o governante deveria ser filósofo ou o filósofo ser governante; em nossa sociedade globalizada, o líder deveria ser divergente ou o divergente ser líder.
Uma reflexão sobre Divergente: conclusão
A sociedade do filme Divergente é tão complexa quanto a nossa. Nós ainda não chegamos ao ponto de nos dizimarmos em uma guerra, mas já chegamos próximos algumas vezes. Essa reflexão sobre Divergente serve para chamar nossa atenção ao cenário globalizado em que estamos vivendo, à necessidade de preocupação com todos os aspectos da sociedade e na escolha de líderes que realmente conseguem perceber que os problemas de uma sociedade não se resolvem atacando apenas uma questão, mas sim trabalhando amplamente os diversos aspectos sociais, sempre respeitando as particularidades de cada grupo (por mais que seja difícil encontrar pessoas assim).
E aí? Após ver o filme e ler esse texto, você se consideraria um divergente ou membro de uma facção? Qual seria sua escolha e por quê? Deixa nos comentários! Gostou dessa reflexão sobre Divergente? Compartilha esse post nas suas redes sociais! Gostaria de sugerir algum filme, série, livro ou game para receber uma reflexão? Manda uma mensagem pelo contato do blog diretamente para mim.
Até a próxima e tenham uma boa viagem!