Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre Merlí. Essa é uma série que conta o dia a dia de um professor de filosofia do ensino médio heterodoxo e seus alunos, os “peripatéticos”. A grande sacada dessa série é mostrar em cada episódio a teoria de um filósofo e, ao mesmo tempo, demonstrar através da vivência dos personagens que as teorias citadas nas aulas fazem todo o sentido na atualidade. Essa reflexão falará exatamente sobre isso, a atualidade da filosofia. Essa reflexão não trará spoilers da série. Vamos lá!
Sobre Merlí (SEM Spoilers)
Merlí é uma série catalã que estreou em 2015 e terminou em 2018, com três temporadas. Ela ficou famosa no Brasil através da Netflix. Atualmente, existe um spin-off chamado Merlí: Sapere Aude e três livros do mesmo autor da série.
Merlí (Francesc Orella) é um professor de filosofia heterodoxo. Para ele, filosofia não é só decoração de conceitos filosóficos, mas uma experiência de vida. Ele acabou de ser contratado para lecionar no Instituto Àngel Guimerà e assumiu uma turma bem diversificada.
Na sua vida pessoal e profissional, Merlí é um rebelde. Muito contestador e às vezes amoral, ele causa aquele sentimento de amor e ódio simultâneos devido as suas atitudes.
A série também mostra muito da turma de Merlí, que ele batizou de Peripatéticos (referência aos alunos de Aristóteles, que estudavam enquanto caminhavam), mostrando que o conhecimento filosófico não deve ficar restrito à sala de aula, mas deve ir ao cotidiano das pessoas. Nós acompanharemos os dramas pessoais e familiares desses alunos e como as aulas de filosofia de Merlí os influenciaram.
Reflexão sobre Merlí: Considerações Iniciais
Merlí é uma série que mexe muito comigo porque eu me identifico demais com a experiência escolar demonstrada, seja pelo estilo de ensino de Merlí, os problemas da escola, as disputas internas entre professores e a proximidade criada entre Merlí e seus alunos, que o veem mais como amigo do que professor.
Eu já era um professor estilo Merlí e senti muita alegria em ver que meu estilo de magistério meio louco é algo do qual as pessoas se identificam. Muitas foram as pessoas que diziam “eu queria ter tido um professor que nem ele”, “ah! se eu tivesse aprendido filosofia dessa forma”. Isso me mostrou que a forma como eu conduzo minhas aulas consegue fazer essa ponte entre teoria e prática, pensamentos do passado e experiências atuais.
Outra característica bem interessante da série é a atualização das questões filosóficas nos acontecimentos cotidianos dos personagens. Quem é leigo em filosofia, consegue fazer o link entre as cenas de aula do Merlí e os acontecimentos do episódio. Porém, quem conhece de antemão as teorias filosóficas aproveita ainda mais porque desde o nome do episódio você já consegue sentir o que pode acontecer, além de aproveitar os detalhes que podem passar despercebidos para quem não domina a filosofia.
Desde o começo do blog, eu tinha vontade de fazer esse artigo, mas sempre achei difícil porque cada episódio já possui claramente uma filosofia explícita, então o que eu vou falar? Seria quase que “chover no molhado”. Eu queria algo diferente e interessante e não ficar sendo o chato que explica a filosofia por trás da cena, porque isso tiraria a magia dos episódios.
Foi então que tive a ideia de falar da proposta da série em si. Mais do que falar das teorias filosóficas dos episódios, eu gostaria de falar da proposta da série em mostrar a filosofia presente no nosso cotidiano. Por coincidência do destino, estamos no mês em que comemoramos o dia do professor, então essa reflexão encaixa perfeitamente nesse momento.
Reflexão sobre Merlí: A Filosofia no Dia a Dia
Uma das frases que sempre falo aos meus alunos na primeira aula de filosofia deles é: a filosofia está por trás de tudo, quer você goste ou não, que você a entenda ou não.
A grande vantagem em conhecer as teorias filosóficas é ser capaz de entender como o mundo funciona. E quando se conhece as regras do jogo, você vira um grande jogador.
Todos os nossos valores, nossas crenças, nossos hábitos possuem fundamentação filosófica. Seja porque algum filósofo propôs ou porque algum filósofo explicou o porquê agimos desse jeito. Isso fica muito claro para mim quando eu começo a ensinar os filósofos contemporâneos.
Para os alunos, enquanto que as teorias filosóficas mais antigas parecem loucuras e viagens, as teorias filosóficas parecem mais “normais”, fazem mais sentido. Aí eu falo para eles: “faz sentido porque o seu mundo atual foi construído sobre essas novas bases filosóficas. Logo, você é fruto de um mundo que vive essa teoria em questão, por isso você a entende mais facilmente!”.
Isso não quer dizer, obviamente, que as teorias antigas estão ultrapassadas e só servem hoje de história. Diferentemente das ciências, as teorias filosóficas nunca caducam. Elas são eternas. No máximo, o que pode ocorrer é a falta da sua prática, um certo abandono, mas ela nunca deixa de ser válida em si. A qualquer momento, ela pode ser resgatada, talvez atualizada e voltar a influenciar novas gerações.
A série Merlí mostra isso muito bem. Às vezes, o professor Merlí busca dar exemplos atuais para explicar as teorias filosóficas. Às vezes, ocorre uma situação na vida de algum personagem que você identifica como sendo semelhante ao problema filosófico citado na aula pelo professor. Por fim, às vezes, a solução para um problema vivido pelo aluno é a aplicação prática da teoria filosófica aprendida na aula. Dessa forma, não tem um episódio em que você não perceba a atualidade da filosofia e a presença dela no nosso dia a dia.
Reflexão sobre Merlí: para que Filosofia?
A pergunta que mais ouço, seja de aluno, seja de conhecidos é “para que estudar filosofia?”. Para mim, são duas as respostas:
1. Porque o conhecimento da filosofia te permite conhecer a vida e todos os problemas pertinentes a ela. Não tem nada que os filósofos já não investigaram e buscaram entender e explicar racionalmente. Dessa forma, a vida pode ser melhor apreciada e vivida. Alguém pode até dizer que não precisa entender a vida para vivê-la e é verdade, mas é impossível apreciá-la ao máximo. É que nem você ver uma partida de algum esporte sem entender as regras ou escutar uma música sem entender o idioma usado pelo cantor. Pode ser legal, mas você não consegue extrair o máximo daquela experiência. Eu acredito que a filosofia te permite extrair isso porque ela investiga a essência das coisas, ela busca entender e explicar tudo. Ela abre seus olhos para muita coisa que você não conseguiria enxergar se não fosse ela.
2. A filosofia é uma prática que exercita a racionalidade do ser humano. Nós adoramos dizer que o ser humano é um animal racional (para quem não sabe, essa é uma frase do filósofo Aristóteles!), mas adoramos viver como animais, pelos instintos. Se você conhece alguém que toca bem um instrumento o que você fala para ele? Você tem muito potencial, investe nisso! A mesma coisa acontece com alguém que é bom no esporte, no canto etc. Ou seja, nós entendemos o valor de investir em algo em que somos bom. Só que a razão, nosso grande diferencial evolutivo (ou o dom que Deus nos deu para compreendê-lo, como diz o filósofo Santo Agostinho), nós temos preguiça de praticar. A filosofia é o ápice da prática intelectual porque ela exige o máximo de abstração possível (para ter uma ideia, Platão indicava aprender matemática antes de fazer filosofia!). Logo, aprender filosofia é valorizar e exercitar a razão humana.
Na série, Merlí constantemente chama seus alunos para essas questões. Ele sempre os relembra da importância da filosofia e de como ela lhes fará bem. Ele mostra que a filosofia é para todos. Mesmo que ninguém vá seguir uma carreira acadêmica ou intelectual, a filosofia estará lá, presente, porque ela faz parte da nossa vida e ela nos dá instrumentos para aprender e influenciar o mundo em que vivemos.
Reflexão sobre Merlí: Conclusão
É exatamente isso que falo com meus alunos e falo agora com vocês, no final dessa reflexão sobre Merlí. Não importa a sua profissão, seu estilo de vida, suas crenças e valores, a filosofia sempre será útil para você. Uma vida intelectual engrandece e enobrece o ser humano. Certo dia, em uma postagem no Instagram do perfil Contra os Acadêmicos, alguém perguntou se vale a pena ter uma vida intelectual sendo dona de casa. Responderam que si, porque além dos benefícios que isso traz para a própria vida, esse conhecimento serviria para bem educar os filhos que ela viria a ter. Com esse exemplo, além de tudo o que eu já falei, eu ainda acrescento que a filosofia não só modifica nossas vidas como modifica as pessoas que nos rodeiam. Um vida intelectual muda a gente e nós mudamos as outras pessoas para melhor, sempre. Pense nisso e dê essa chance para conhecer a fundo a filosofia. Você pode começar com a série Merlí, depois pode ler os artigos de filosofia descomplicada desse blog e, depois, pode se aprofundar nas leituras dos filósofos em si. Tudo com calma, sem pressa, degustando cada novo conhecimento e cada “explosão de cabeça” que você terá.
Aprofundando o Assunto
Caso não tenha visto essa série ainda ou queira rever, ele está disponível na Netflix. Eu procurei, mas não achei box da série em DVD / Blu-ray (se alguém achar, coloca o link aí nos comentários porque também gostaria de comprar).
Recentemente, eu descobri que existem três livros da série escritos pelo roteirista e criador dela, o Héctor Lozano:
O livro A Filosofia de Merlí é um livro interativo baseado na primeira temporada. Você escreve nele respondendo questões como se fossem propostas pelo professor Merlí, você aprende um pouco mais sobre os filósofos citados na temporada e sobre curiosidades gerais da série. É um livro consumível que vai proporcionar uma experiência única, como se você fosse um dos alunos do Merlí e estivesse tendo aulas particulares com ele. Muito legal!
O livro Quando éramos filósofos se passa após o final da série, e conta um pouco da vida de cada aluno após sua passagem no Instituto Àngel Guimerà e pelo ensino filosófico de Merlí. Só deve ser lido após concluir a série, senão vai tomar ENORMES spoilers. É bem interessante porque mostrar isso que eu falei na conclusão, que a filosofia que aprendemos também influencia outras pessoas que nos são próximas.
O terceiro livro ainda não tem em português e conta a história do aluno Pol Rubio (Carlos Cuevas), o qual podemos dizer que foi o mais impactado por Merlí.
Um livro bem “simples” e bacana que expõe o mesmo tema que tratei aqui e que é tratado na séria, mas com outra abordagem é Filosofia: e nós com isso? do Mário Sérgio Cortella. Nesse livro, ele responde as perguntas básicas sobre o que é filosofia e o que ela tem a ver conosco, com o nosso dia a dia e com os nossos problemas cotidianos. Eu gosto muito do Cortella porque ele tem uma linguagem acessível e foi recentemente, junto com Karnal e Clóvis de Barros, um grande divulgador da filosofia como algo atual e para todos.
Para aqueles que se empolgaram e querem viver uma vida intelectual, mas acreditam que não têm tempo ou disciplina para isso, eu aconselho a leitura do livro A Vida Intelectual. Nesse livro, o autor te mostra que sim, é possível conquistar uma vida intelectual com alguma disciplina e foco. Mais do que mostrar, ele também te convence e te incentiva a mudar seus hábito. Excelente.
E aí? O que acharam da série Merlí e dessa reflexão? Deixa nos comentários! Conhece algum fã da série ou alguém que precisa urgentemente entender que filosofia é bom? Compartilha essa reflexão sobre Merlí com ele! Quer sugerir algum tema ou precisa de ajudar para mergulhar de cabeça na filosofia? Entra em contato comigo!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!